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Capital alemã recebe multidão para celebrar os 20 anos do fim da "barreira da vergonha"

postado em 09/11/2009 08:40
Em frente à TV, em sua casa na cidade de Munique (Alemanha Ocidental), Nicole von Vietinghoff Scheel, então com 25 anos, compartilhou as lágrimas com seus pais. Diante de seus olhos marejados, na noite daquele 9 de novembro de 1989, o Muro de Berlim - que tanto separara sua família - deixava de existir como símbolo opressor e se transformava em ícone histórico. Hoje à noite, essa dona de casa alemã de 45 anos pretende ir com os filhos, de 12 e 14, à praça frontal ao Portão de Brandemburgo, em Berlim, para exorcizar mais uma vez o passado. "Eu espero cumprimentar muita gente em um ambiente de alegria. Desejo que aquela época nunca se repita em meu país", afirmou ao Correio, por meio da internet. Jörg Jacobsen vivia do outro lado da fronteira, na Berlim Oriental. O sonho de liberdade lhe custou a própria liberdade: foi preso por três dias, depois da grande manifestação de 7 de outubro de 1989 contra a visita do líder soviético, Mikhail Gorbachev, no marco dos 40 anos da Alemanha comunista. Nas mãos da Stasi, a polícia secreta da Alemanha comunista, ele foi torturado física e psicologicamente. "Sofri açoites, não pude dormir durante três dias, tive longos interrogatórios. Os stasis diziam que eu ficaria dois anos na prisão", relata à reportagem o engenheiro de 52 anos, que trabalha em uma indústria química na Arábia Saudita. Jacobsen recorda-se de quando o muro ruiu. "Eu era engenheiro eletrônico na Elektrokohle Lichtenberg. As mensagens começaram a chegar às 19h30. Ninguém acreditava e minha primeira atitude foi ir ao muro, perto do Portão de Brandemburgo. Havia muita gente lá e problemas com soldados. Cada vez mais pessoas chegavam. Às 23h30, os guardas da fronteira não conseguiram lidar com a multidão e abriram o posto de controle", relata. "Fui para o lado ocidental, subi com outros no muro e gritávamos 'Queremos apenas uma Alemanha'." Quando a única Alemanha veio, depois de 28 anos de opressão, o eletricista Frank Weschke, 48, viu a tia Klünder Ruth, que morava do outro lado do muro, parada diante de sua porta, em Berlim Ocidental. "Ela estava muito excitada. Então, fomos à Kurfürstendamm - uma das avenidas mais famosas da capital - e vimos pessoas brindando. No dia seguinte, dirigi até o posto fronteiriço de Moritzplatz. Muitos estavam entusiasmados", descreveu à reportagem. Na noite de hoje, as histórias de Nicole, Jacobsen e Weschke vão se misturar às das 100 mil pessoas esperadas para a "festa da liberdade". A chanceler Angela Merkel, que cresceu na ex-Alemanha Oriental, discursará diante de milhares de peças de dominó (1) de 2,5m de altura, que cairão por 2km para simbolizar o fim do Muro de Berlim. De acordo com o jornal alemão Berliner Zeitung, a chefe de governo, do partido democrata-cristão, fez um pronunciamento em rede nacional de TV e lembrou que "a queda mudou as vidas de muitas pessoas, inclusive a minha". Simbolismo e rock As celebrações tiveram início na noite de ontem, quando Merkel condecorou a secretária de Estado americana, Hillary Clinton; o ex-líder polonês Lech Walesa e o ex-presidente tcheco Vaclav Havel. Na manhã de hoje, a mandatária assistirá a um culto na Igreja do Getsêmani, o ex-centro da dissidência em Berlim Oriental. Acompanhada de convidados, atravessará a pé a Ponte Bornholmer Strass, onde ficava um dos primeiros postos fronteiriços abertos em 1989. A festa maior começará às 19h de hoje (hora local) - 30 minutos depois, Merkel e o prefeito, Klaus Wowereit, discursarão no momento em que a mensagem da reunificação ressoou pelas Alemanhas, 20 anos atrás. Hillary; o premiê britânico, Gordon Brown; e os presidentes Nicolas Sarkozy (França) e Dmitri Medvedev (Rússia) farão um pronunciamento. O cantor Bon Jovi e o DJ Paul van Dyk animarão a multidão até as 20h30, quando a festa terminará com queima de fogos. 1- Expectativa A expectativa principal da cerimônia de hoje à noite, chamada de "festa da liberdade", envolve quem derrubará a primeira peça de dominó, se Walesa ou o ex-líder soviético Mikhail Gorbachev. Os mil dominós gigantescos foram montados ao longo da antiga área mais fortificada da fronteira, cobrindo cerca de 1,5km de extensão, desde a Potsdamer Platz ao Reichstag - o prédio do Parlamento. Foram ilustrados por alunos e artistas alemães e patrocinados por líderes como o sul-africano Nelson Mandela e o tcheco Vaclav Havel. Berço da resistência Viviane Vaz Leipzig - Em outra cidade da Alemanha Oriental, o Muro de Berlim começou a cair meses antes de 9 de novembro de 1989. Toda segunda-feira, na cidade de Leipzig, Irmtraut Hollitzer reunia-se, à noite, na Igreja de São Nicolau para orar pela paz. Desde 1982, o pastor luterano Christian Führer organizava, naquele lugar, os "protestos de segunda-feira", uma revolução pacífica para criticar o regime da República Democrática Alemã e a divisão do país. %u201CTivemos um aumento dramático no número de participantes depois de 8 de maio de 1989, quando o Estado bloqueou as ruas de acesso à igreja%u201D, conta o pastor. Os moradores de Leipzig queriam "transformar a espada em arado". O versículo do profeta Isaías, que pregava a paz entre os povos, seria convertido em um dos lemas das manifestações em Leipzig. "Era um movimento pelo desarmamento", diz Irmtraut, hoje com 66 anos. A vida da ex-militante foi marcada em agosto de 1961, com a construção do muro que separou a comunista República Democrática Alemã (RDA) da capitalista República Federal da Alemanha (RFA). Então com 18 anos, Irmtraut tinha viajado a Berlim, acompanhada de um irmão de 13 anos, para visitar outros dois irmãos que haviam fugido para lá. Pelo rádio, ela recebeu a notícia da construção do muro. "Tinha apenas três horas para decidir se ficava no lado ocidental ou se voltava para casa", conta. Pensando no irmão caçula e nos pais que estariam esperando por eles, Irmtraut decidiu voltar para Leipzig, apesar do fascínio pelo regime capitalista. "Quando minha mãe me abraçou na estação de trem, percebi que tinha feito a escolha certa", emociona-se. Com a barreira física, ficava cada dia mais difícil atravessar as duas Alemanhas. E a igreja de São Nicolau começou a receber aqueles que tinham pedido autorização de saída, mas que, na prática, eram ignorados pela RDA. A "reza pela paz" recebia mais adeptos e o governo começou a pressionar pelo fim das orações semanais. Como as reuniões foram mantidas, a polícia passou a cercar o local - a Praça Karl Marx, hoje batizada Praça Augustus. Irmtraut recorda que, no início, as pessoas sentiram-se presas e começaram a gritar: "Queremos sair, queremos sair". Em 4 de setembro de 1989, o grito passou a ser: "Vamos ficar, vamos ficar". "As pessoas se deram conta de que não era possível que todos deixassem a RDA, que a nossa tarefa era ficar e mostrar oposição", diz Irmtraut. A manifestação mais impressionante ocorreu em 9 de outubro de 1989, um mês antes da queda do Muro de Berlim. "Recebemos entre seis e oito mil pessoas nas igrejas do centro da cidade, mais do que isso não cabia, mas 70 mil pessoas haviam comparecido", destaca o pastor Führer. "O chefe da Stasi (a polícia da RDA) tinha pedido 3 mil cassetetes, mas só conseguiu 800. Às vezes, a escassez da RDA tinha seu lado bom", diverte-se Irmtraut por um breve momento. Em seguida, ressalta que "foi um milagre" ninguém ter reagido com violência, apenas com velas e orações. "Ninguém tinha sequer uma pedra na mão. Então, a polícia não teve como reagir", diz ela. Hoje, 20 anos após a queda do muro, uma das coisas que mais alegra Irmtraut é a possibilidade de "ser criativa, inventar". "Posso até não ser bem sucedida, mas posso tentar. Não tenho mais aquele controle. Agora, sou dona da minha vida", destaca a ex-cantora lírica e mãe de quatro filhos. "Meus netos podem ir a uma escola que não é somente mentira e esquizofrenia, mas que realmente dá a possibilidade de aprender algo de forma criativa", completa. Uma das grandes "invenções" de Irmtraut é o Museu da Stasi. Ela e o filho mais velho fundaram o local em 1990 para recordar às novas gerações um capítulo da história alemã que esperam que fique no passado. A repórter viajou a convite do governo alemão Veja vídeo sobre a barreira

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