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Muro de Berlim cai de novo após duas décadas

Vinte anos depois, ex-líder polonês derruba dominós que reproduziam a barreira

postado em 10/11/2009 08:34
Milhares de guarda-chuvas coloriram a Avenida Unter den Linden ontem à noite, nas proximidades do Portão de Brandemburgo, em Berlim. Uma multidão de alemães e turistas lotou o espaço para participar da Festa da Liberdade. No entanto, a advogada alemã Reinhilde Schreiter-Forte, 70 anos, preferiu não sair de casa para ver as comemorações pelos 20 anos da queda do "muro da vergonha", que sepultou o socialismo (1) de modelo soviético. "Chove e faz muito frio, prefiro ver tudo pela TV", disse ao Correio, por telefone. O momento, no entanto, é especial para ela. [SAIBAMAIS]O fim da barreira, em 1989, mudou a vida de Reinhilde. Então com 50 anos, a advogada foi contratada pela Agência Federal de Emprego para dar aulas de direito aos alemães provenientes do lado oriental. "Foi uma mudança na vida deles e na minha vida. Era necessário que eles aprendessem seus novos direitos", conta a aposentada, que encontrou naquele trabalho não só uma fonte de renda, mas a satisfação de poder participar ativamente da unificação do país. A integração, porém, ainda não foi "totalmente concluída", principalmente no âmbito econômico, avaliou a chanceler alemã, Angela Merkel, horas antes dos festejos. "A unidade alemã não está terminada, existem ainda diferenças estruturais entre o Leste e o Oeste", destacou a governante à TV pública ARD. Reinhilde avalia que a festa foi um bom momento para Merkel reforçar sua imagem junto aos alemães e suas promessas para o mandato que se inicia, como as de combate ao alto índice de desemprego. "As pessoas ainda estão muito desapontadas com a escolha do governo pela coalizão com o FDP (partido liberal, de direita). A aliança preta (CDU) e amarela (FDP) já perdeu 4% de popularidade nas pesquisas de opinião, depois das eleições", diz a advogada. Após ouvirem a orquestra da Ópera de Berlim, sob a batuta do maestro israelo-argentino Daniel Barenboim, as autoridades de toda a União Europeia, assim como o presidente russo, Dmitri Medvedev, e a secretária de Estado dos Estados Unidos, Hillary Clinton, discursaram para celebrar o fim da divisão de um dos símbolos da Guerra Fria. "O muro não existe mais. Duas Berlins são uma. Duas Alemanhas são uma. Duas Europas são uma", destacou o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown. Já o presidente americano, Barack Obama, surpreendeu o público com um discurso gravado em Washington, exibido por um telão na área do Portão de Brandemburgo. Marcante A Festa da Liberdade terminou com a derrubada de mil peças gigantes de dominó, pintadas por artistas de todo o mundo e dispostas ao longo do antigo percurso do muro. Lech Walesa, ex-líder do sindicato polonês Solidariedade, deu o primeiro empurrão, desencadeando a queda do muro simbólico. Horas antes, Walesa causou polêmica ao declarar que o ex-presidente soviético, Mikhail Gorbachev, não tinha mérito pela queda do Muro de Berlim. "A verdade é que 50% da queda do muro correspondem a João Paulo II, 30% ao Solidariedade e a Lech Walesa e apenas 20% ao resto do mundo", declarou o escolhido para derrubar as peças de dominó. Uma delas foi elaborada pelos alunos da escola luso-alemã de Berlim, e levou bandeiras de países lusófonos - Brasil, Angola e Portugal -, além de ressaltar o lema "Contra os muros na cabeça". Enquanto isso, no bairro berlinense de Charlottenburg, enquanto assistia ao trajeto das peças caindo, Reinhilde recordava que "a antiga barreira não era natural". "Mesmo do lado ocidental, vivíamos como se estivéssemos numa ilha", conta ela, que não podia ir de carro para outras cidades da Alemanha Oriental a partir de Berlim. "Hoje, somos livres", comemora a alemã, antes de desligar a TV. 1 - Decepção com o capitalismo A queda do Muro de Berlim simbolizou a decadência do comunismo na Europa Oriental. A desilusão com o capitalismo, porém, aumentou no mundo passados 20 anos. É o que descobriu uma pesquisa do Instituto GlobeScan, que ouviu 29.033 pessoas de 27 países. Apenas 11% dos entrevistados acham que a economia capitalista funciona corretamente, enquanto 51% acreditam que suas falhas podem ser resolvidas com mais regulação e reformas. Os países latino-americanos acreditam que os governos deveriam repartir melhor suas riquezas. O capitalismo foi considerado irremediavelmente defeituoso por 23% dos entrevistados. Neste ponto, os mais radicais são os franceses (43%), seguidos dos mexicanos (38%) e brasileiros (35%). Os EUA (25%) e o Paquistão (21%) são os únicos dois países em que mais de uma em cada cinco pessoas acha que o capitalismo funciona bem em sua forma atual. %u201CParece que a queda do Muro de Berlim em 1989 pode não ter sido a vitória arrasadora do capitalismo de livre mercado que se acreditava então, em particular depois dos acontecimentos do último ano%u201D, disse Doug Miller, presidente do Instituto GlobeScan. Veja vídeo sobre o Muro de Berlim

Sarkozy levou o seu pedaço O presidente da França, Nicolas Sarkozy, divulgou em sua página, no site de relacionamentos Facebook, uma foto que já causa polêmica. Na imagem, ele aparece tirando lascas do Muro de Berlim, em 9 de novembro de 1989. O retrato do líder francês também foi visto como uma jogada oportunista - guardada por duas décadas, só foi revelada ontem. De acordo com Sarkozy, a viagem a Berlim foi precipitada depois que começaram a chegar notícias sobre a iminente queda do muro. Na época, ele tinha 34 anos e era prefeito de Neuilly. Culturas diversas lembram o fim do símbolo opressor Outras cidades no mundo lembraram os 20 anos da queda do Muro de Berlim. Exposições, espetáculos e debates serviram para lembrar a data. Em Londres, um casal de artistas levantou um muro de gelo de 3,5m de altura em frente à embaixada da Alemanha, na Praça Belgrave. Sob o outono da capital britânica, a obra derreteu pouco a pouco. Os artistas queriam mostrar que as fronteiras podem ser superadas mentalmente e na vida real. Depois de Berlim, a maior festa ocorreu na capital francesa. Cerca de 100 artistas representaram o caminho da divisão da Europa até a reunificação. O doutorando em filosofia da Universidade Livre de Berlim Adrian Mengay, 29 anos, nasceu em Stuttgart e vive em Berlim há 10 anos. O filósofo alemão preferiu celebrar o aniversário da queda do muro em Paris, onde 27 violoncelistas tocaram na Praça da Concórdia. Para ele, a queda do muro não significou a vitória do livre mercado, mas a liberdade para construir outros caminhos. "Significa uma nova porta. Temos a possibilidade de pensar uma outra sociedade mais justa, mais social, mais democrática", afirmou ao Correio, por telefone. O prefeito de Roma, Gianni Alemanno, acredita que a queda do muro marca o "ano zero" da época atual. Na Praça da Espanha, na capital italiana, foi montada uma instalação multimídia com a canção Another brick in the wall, da lendária banda britânica Pink Floyd. Protesto Na Cisjordânia, palestinos e estrangeiros aproveitaram as celebrações para demonstrar o rechaço à construção de outro muro que horroriza a comunidade internacional. Com um caminhão, eles derrubaram pedaços da barreira erguida por Israel em território palestino. O protesto foi no campo de refugiados de Al-Amari, em Ramallah, e reuniu 100 manifestantes. Para lembrar o que houve em Berlim, em 9 de novembro de 1989, eles subiram no muro com bandeiras da Autoridade Palestina (AP). A polícia israelense chegou ao local e usou gás lacrimogêneo para dispersar os manifestantes. "Esse é o início das atividades para expressar nosso apego à terra e rejeição ao muro", disse Abdullah Abu Rahma, um dos coordenadores do ato. Israel alega que o muro é uma barreira de segurança para defender os cidadãos de ataques de palestinos. Um relatório recente da ONU indicou que os israelenses já construíram 413km dos 709km planejados. Em 2004, a Corte Internacional de Justiça, de Haia, na Holanda, emitiu um parecer no qual considerou que a barreira é ilegal e deve ser removida.

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