Nos territórios palestinos, nada remete às eleições. Pelas ruas de Ramallah ou da Cidade de Gaza, não se veem cartazes ou faixas de candidatos. Mas não foi a apatia generalizada da população palestina que levou ontem ao adiamento do processo que escolheria o sucessor do presidente Mahmud Abbas. ;Lamento anunciar que, infelizmente, as eleições serão adiadas;, declarou o chefe da Comissão Eleitoral, Hanna Nasser. ;Ficou evidente para todos nós que a votação provavelmente não acontecerá na Faixa de Gaza.; Anteriormente marcado para 24 de janeiro, o pleito não tem data para ocorrer.
[SAIBAMAIS];Isso era algo esperado;, afirma ao Correio a palestina Majd Albetlaji, que trabalha como relações públicas no Centro Palestino para a Paz e a Democracia, em Ramallah, capital da Cisjordânia. Pela internet, ela sustenta que a eleição será viável apenas se o Fatah, histórico partido de Abbas, e o movimento fundamentalista islâmico Hamas formarem um pacto de reconciliação. ;Sem unidade entre todos os partidos políticos e a formação de um governo de aliança, não teremos votação, liberação da ocupação israelense ou uma imagem mais forte do povo palestino ante a comunidade internacional.;
Mais ao sul, na Faixa de Gaza, o consultor de tecnologia de informação (TI) Mahmud Hamada diz apoiar Abbas em sua decisão de retirar a candidatura. Ele sabe que o presidente é um trunfo para se alcançar a paz com Israel. ;Abu Mazen está completamente certo em sua resolução, por causa das políticas de Israel em relação às negociações (de paz) e à expansão dos assentamentos judaicos, e das falsas promessas feitas a ele;, comenta. Esse palestino de 41 anos concorda que não existe razão para manter as eleições sem a solução do conflito entre Hamas e Fatah. ;Os partidos precisam amadurecer. Os palestinos comuns estão sofrendo com a discórdia entre líderes comunitários das facções;, critica Hamada.
Desculpa
Os sinais da discórdia se tornaram mais intensos no decorrer das últimas semanas. Depois da convocação das eleições, feita por Abbas no fim do mês passado, o Hamas anunciou que proibiria a votação e chegou a qualificar a decisão do presidente de ;ilegal e inconstitucional;. Em entrevista ao Correio, por e-mail, o palestino Bishara Bahbah ; autor de Israel e América Latina: a conexão militar e ex-diretor do Instituto do Oriente Médio da Universidade de Harvard ; assegura: ;Não há como garantir que as eleições ocorram em Gaza sem a bênção e a permissão do Hamas;. Para o especialista, que já compôs a delegação palestina para os diálogos de paz, Abbas usou as ameaças de proibição do grupo fundamentalista como desculpa para evitar um processo eleitoral deficiente, já que 1 milhão de cidadãos estariam impedidos de votar.
Bahbah aposta que, caso Abbas não dispute o pleito na nova data a ser marcada, uma figura radical poderia ascender ao poder, ameaçando qualquer possibilidade de paz no Oriente Médio. ;Alguém como Marwan Barghuti ; líder do Fatah que cumpre cinco prisões perpétuas em Israel ; poderia facilmente vencer as eleições presidenciais, mesmo estando no cárcere;, alerta. De acordo com ele, se isso ocorresse, a comunidade internacional colocaria Telavive contra a parede, ao demandar a libertação do ativista. ;Essa situação criaria um fosso entre Israel e os Estados Unidos e forneceria um líder bem menos acomodado do que Abbas. Seria uma derrota para israelenses e americanos.;
Inimigos de um lado só
Facções palestinas lutam contra a ocupação israelense, mas travam disputa interna pelo poder
FATAH
Nome completo
Acrônimo de Harakat Al-Tahrir Al-Filistinya (Movimento de Libertação da Palestina). Significa ;conquista; em árabe
Origem
Fundado pelo líder palestino Yasser Arafat, na década de 1950, para promover a luta armada e libertar a Palestina do jugo israelense. Com o tempo, tornou-se facção política que reconheceu o direito de existência de Israel e se engajou em conversações durante os Acordos de Paz de Oslo, nos anos 90
Contingente
Cerca de 70 mil policiais e membros das forças de segurança juram lealdade absoluta ao Fatah
HAMAS
Nome completo
Acrônimo de Harakat Al-Muqawama Al-Islamiya (Movimento de Resistência Islâmica). Em árabe, quer dizer ;zelo;
Origem
O braço palestino da Irmandade Muçulmana mantém compromisso com a criação de um Estado islâmico. Desde sua criação, em 1987, tem perseguido o bem-estar social e a ;resistência armada;. Após uma série de atentados suicidas em Israel, a comunidade internacional passou a considerá-lo terrorista
Contingente
Cerca de 25 mil homens, incluindo membros da unidade de engenharia de bombas e extremistas suicidas
Análise da notícia: divisões
Os ventos de incerteza que pairam sobre a Muqata, a sede da Autoridade Palestina em Ramallah, começaram a soprar depois que o Hamas tomou o controle da Faixa de Gaza, praticamente anulando o Fatah. Era 25 de janeiro de 2006 e as forças políticas se inverteram na região. Na Cisjordânia, o apoio a Mahmud Abbas, sucessor de Yasser Arafat, manteve-se quase que absoluto, transformando os dois territórios em polos opostos. Um prenúncio para o perigo.
De repente, um só povo viu-se dividido pela ambição de poder. A luta por um Estado palestino legítimo e soberano praticamente foi relegada ao segundo plano. Não é de causar espanto que o Hamas ; por seu histórico de radicalismo e sua resistência armada ; tenha se recusado a aceitar as mãos estendidas de Abbas. A facção ameaçou proibir a realização das eleições e determinou a prisão de membros do Fatah. Ao acatar o pedido de adiamento da votação, o presidente palestino acenou com o desejo de uma solução política. Abu Mazen sabe que essa saída só será possível caso haja uma coalizão entre as forças dominantes. A paz e a pátria oficializada dependem da união nacional para saírem do plano utópico para o real. (RC)
Eu acho...
;O Hamas está com medo de perder as eleições, depois da guerra. Provavelmente, eles tiveram parte de sua popularidade minada. Se for às urnas, a fação pode ficar sem o poder. Enquanto isso, Abu Mazen tornou-se mais popular. Como a situação é realmente louca e desumana em Jerusalém, com as demolições de casas e despejos de palestinos, Israel não permitirá que o pleito ocorra na cidade.;
Majd Albeltaji, 23, moradora de Ramallah
;O governo do Hamas tem enfrentado, desde o começo, o boicote de políticos estrangeiros e regionais. O grupo ainda não teve a chance de governar. Muitos problemas surgiram aqui, na Faixa de Gaza, depois que eles assumiram o poder. São questões que afetam a população, como impostos, abertura de túneis e a alfândega.;
Mahmud Hamada, 41, morador da Cidade de Gaza
; Peres se reúne com empresários
; Viviane Vaz
Se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda não pôde ir ao Oriente Médio ;acender a luz da paz;, o colega israelense, Shimon Peres, acendeu ontem a vela dos negócios em São Paulo. O apagão da noite de terça-feira e a consequente falta de água na capital paulista não impediram que cerca de 40 empresários israelenses, além do ministro de Turismo, Stas Misezhnikov, participassem de um encontro na sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). A entidade e a Associação de Manufatureiros de Israel assinaram acordo de cooperação econômica e de transferência tecnológica. A parceria servirá de base para as negociações de livre-comércio entre Mercosul e Israel, ratificado até o momento apenas pelo Congresso do Uruguai.
Os brasileiros também tiveram mais uma oportunidade de conhecer os projetos da empresa Eldet, uma das maiores fabricantes de sistemas eletrônicos para aviação e cujos produtos interessam ao governo brasileiro, segundo declarações do ministro da Defesa, Nelson Jobim. Na quarta-feira, em entrevista ao site israelense Globes, Joseph Ackerman, presidente da companhia, revelou que pretende investir em quatro áreas no Brasil: sistemas para aviões e helicópteros, segurança interna, aeronaves não tripuladas e investimentos espaciais.
Em relação à visita do presidente iraniano, Mahmud Ahmadinejad, ao Brasil no fim do mês, Ackerman foi conciso em seu discurso. ;Não me lembro de uma visita política afetar nossa habilidade para fazer negócios. Existe um limite claro. Nossos negócios são baseados naquilo que é bom para ambos os lados.; Ele ressaltou que não vê impacto de eventos políticos no negócio. ;Não afeta a nenhuma indústria em Israel. Acredito que se você tiver um bom sistema, os consumidores vão comprá-lo, mesmo que os políticos digam ao contrário.;
Fenômeno
Peres se reuniu ontem em um hotel de São Paulo com o craque Ronaldo, embaixador da Boa Vontade da ONU. O primeiro encontro entre os dois aconteceu em 2002, no Oriente Médio. ;Em um jogo entre palestinos e israelenses, você é uma estrela no céu. Você é um espelho para os jovens. Lembro-me de sua visita a Israel. Nunca havia visto as crianças com os olhos tão brilhantes. O futebol não tem nação nem religião. Você é uma grande pessoa pelo seu talento e personalidade. Você representa a paz;, disse Peres ao atacante. Os dois trocaram presentes ; uma camisa da seleção israelense e uma camisa do Corinthians. Hoje, Peres se encontra com o governador Sérgio Cabral, no Rio de Janeiro. Aos 86 anos, realizará um sonho: conhecer o Maracanã.