O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a colega argentina, Cristina Kirchner, pretendem dar hoje um passo conjunto para melhorar o abastecimento de energia elétrica de ambos os países: assinam notas para avançar nos estudos sobre a construção das hidrelétricas de Garabí e Roncador, sobre o Rio Uruguai. ;Será a primeira interconexão elétrica entre Argentina e Brasil;, destacou ao Correio um funcionário da chancelaria argentina.
O ato demonstrará a vontade política, uma vez que ainda não foram concluídas as análises de viabilidade encomendadas às consultoras Proa, Esin e Cenec (esta última da empresa brasileira Camargo Correa) para o convênio entre as empresas Eletrobrás e Empreendimentos Energéticos Binacionais (Ebisa). Mas, segundo o jornal Buenos Aires Económico, Lula quer dar início à obra antes do fim do mandato. As represas deverão ser capazes de gerar cerca de 8 mil gigawatts-ano, potencial maior que o da represa de Salto Grande, compartilhada por Argentina e Uruguai.
O governo brasileiro propõe que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) assuma 70% do custo dos projetos e 30% sejam bancados diretamente pelos governos, em partes iguais. Anualmente, cada país teria de desembolsar 3% do custo total da construção das represas, avaliado em cerca de US$ 6 bilhões ; valor bem menor que o das obras de Itaipu (cerca US$ 22,5 bilhões) e Yacyretá (US$ 12 bilhões).
Os estudos para a construção das represas poderão contribuir para unir novamente os dois sócios que deram origem ao Mercosul, e que se encontram atualmente divididos por questões comerciais ; que não fazem parte da agenda oficial, mas deverão ser avaliadas pelos dois presidentes. O chanceler argentino, Jorge Taiana, deu mostras na semana passada que a Argentina não cederia nas medidas adotadas em outubro último, e consideradas ;protecionistas; pelo Brasil (leia o Entenda o caso). ;Nós sempre levamos em conta as necessidades do nosso setor produtivo e qualquer avanço será nesse sentido;, afirmou. Já a ministra argentina de Indústria e Turismo, Débora Giorgi, espera obter do Brasil um compromisso para melhorar a integração das cadeias produtivas dos dois países.
Os empresários argentinos também estão na expectativa. ;A princípio, tínhamos os caminhões parados na fronteira e cada dia que nossa região não pode exportar para o Brasil tem um impacto de US$ 300 mil;, diz Marcelo Loyarte, gerente da Câmara Argentina de Fruticultores Integrados (Cafi), que reúne exportadores de Alto Valle (sul do país).
Cooperação
Ao todo, Lula e Cristina discutirão 22 projetos de cooperação nas áreas de energia nuclear, exploração espacial, ciência e tecnologia, infraestrutura e migrações. No setor da indústria naval, os dois países deverão colaborar na construção de navios, inclusive para exploração dos recursos petrolíferos do pré-sal brasileiro. Lula também espera acertar a venda de 20 jatos da Embraer para a frota da Austral, subsidiária da Aerolíneas Argentinas que opera voos domésticos e regionais. De acordo com o secretário de Transportes argentino, Juan Pablo Schiavi, o negócio inclui aeronaves do modelo 190, com capacidade para 96 passageiros, e foi avaliado em US$ 700 milhões. A transação ainda dependeria do aval do BNDES, que financiaria 85% do valor total.
Depois da reunião entre os dois chefes de Estado, os ministros de ambos os governos assinarão convênios de cooperação em turismo, farmacologia e combate a doenças tropicais, como a dengue. Lula e Cristina também analisarão temas mundiais (1)e regionais, como a crise política em Honduras, com a proximidade das eleições convocadas para 29 de novembro; a Cúpula sobre Mudança Climática que será realizada em dezembro, em Cope-nhague (Dinamarca); e a tensão entre os governos do presidente venezuelano, Hugo Chávez, e do colombiano, Álvaro Uribe.
Lula e Cristina Kirchner foram dois dos principais entusiastas da criação do Conselho de Defesa Sul-Americano e defendem que diferenças como as mantidas entre os líderes venezuelano e colombiano sejam debatidas no âmbito da União de Nações Sul-Americanas (Unasul). Brasil e Argentina estão entre os países que se ofereceram para facilitar o diálogo entre Chávez e Uribe. Ambos questionam o acordo militar assinado recentemente pela Colômbia com os Estados Unidos.
Oriente Médio
Assim como o Brasil, a Argentina também se oferece para ajudar o processo de paz no Oriente Médio, como disse Cristina Kirchner ao presidente de Israel, Shimon Peres, com quem se reuniu na segunda-feira. A presidenta argentina receberá no domingo o presidente da Autoridade Palestina (AP), Mahmud Abbas, que na sexta se encontra com Lula em Salvador. Mas não será visitada pelo presidente do Irã, Mahmud Ahmadinejad, que chega a Brasília na próxima segunda-feira. Cristina insistiu na prisão e extradição de altos funcionários iranianos ; entre eles o atual ministro da Defesa ; acusados de envolvimento em dois atentados cometidos em Buenos Aires contra a embaixada israelense, em 1992, e uma associação judaica, em 1994.
Entenda o caso
Comércio travado
Lula e Cristina Kirchner devem aparar as arestas sobre diferenças alfandegárias no comércio bilateral. O fluxo do comércio entre Brasil e Argentina caiu cerca de 30% no início do ano devido ao impacto da crise global. Para piorar a situação, no fim de outubro o governo de Buenos Aires implantou um sistema de licenças não automáticas para limitar a entrada de produtos brasileiros, e assim proteger milhares de empregos na indústria argentina.
Os prazos de aprovação das licenças excederam o limite de 60 dias definido pela Organização Mundial do Comércio (OMC) e prejudicaram o ingresso na Argentina de produtos têxteis, calçados e móveis fabricados no Brasil. O governo Lula adotou o princípio diplomático da reciprocidade, e com isso dezenas de caminhões carregados de peras, maçãs, farinha, alho, cebolas e vinhos argentinos foram barrados na fronteira. O chanceler argentino, Jorge Taiana, comunicou ao então embaixador brasileiro em Buenos Aires, Mauro Vieira, que a medida era ;inaceitável;.
A tensão começou a ser atenuada na segunda-feira passada, no Rio de Janeiro, quando Taiana e o colega Celso Amorim puderam conversar sobre o assunto. Eles analisaram algumas opções para acabar com o conflito comercial, que serão avaliadas hoje por Lula e Cristina. O Itamaraty quer ;restabelecer a fluidez do comércio bilateral;. Segundo números oficiais, em 2008 as trocas entre a Argentina e o Brasil somaram US$ 31 bilhões, dos quais US$ 17,6 bilhões correspondem a exportações brasileiras.
Mediação recusada
O governo venezuelano agradeceu a disposição manifestada por vários países, inclusive o Brasil, mas recusou a oferta de mediação em seu último entrevero diplomático com um vizinho. ;Não necessitamos de mediadores, porque não há crise com a Colômbia;, disse o vice-chanceler Francisco Arias Cárdenas depois de receber em Caracas uma delegação parlamentar brasileira. Arias aproveitou a ocasião para, uma vez mais, apontar como pivô da situação os Estados Unidos ; outro dos países que se propõem a interceder. ;Temos uma situação muito séria, que tem a ver com a decisão do governo colombiano de estabelecer bases ianques;, afirmou.
A temperatura subiu mais uma vez entre os dois vizinhos no último fim de semana, depois que o presidente venezuelano, Hugo Chávez, falou sobre um ;estado de pré-guerra;. Ele acusa o colega Álvaro Uribe de ;cumplicidade; com os EUA em planos que incluiriam a invasão da Venezuela para depor seu governo. O objeto direto de suspeita é um acordo recém-firmado pelo qual militares americanos terão acesso operacional a pelo menos sete bases (aéreas, navais e terrestres) colombianas, onde planejam estacionar aviões com autonomia de voo e capacidade para transportar tropas praticamente a toda a América do Sul sem necessidade de reabastecimento.
O vice-chanceler venezuelano relatou que durante a reunião com a delegação brasileira, chefiada pelo deputado Raul Jungmann (PPS-PE), teria sido abordada a ;necessidade de que a América do Sul aponte claramente não apenas a Colômbia, mas aqueles que procuram impor suas bases militares em nossas terras; e ;o perigo que isso representa;. A missão brasileira visitará também a Colômbia e o Equador, outro país cujo governo, assim como o de Chávez, tem relação difícil com o de Álvaro Uribe e o critica duramente pelo acordo de cooperação com os EUA.
A questão das bases colombianas já foi levada ao Conselho de Defesa Sul-Americano. O Brasil e outros países exigiram garantias legais de que, como alegam os governos de Bogotá e Washington, as atividades dos militares americanos serão restritas a território colombiano e sujeitas a aprovação do governo local. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que insiste com Uribe na exigência dessas garantias, pretende promover uma reunião entre os colegas colombiano e venezuelano no próximo dia 26, quando ambos são esperados em Manaus para o encontro de cúpula da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica.
Francisco Arias, vice-chanceler da Venezuela