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Entrevista - Ely Karmon e israelenses acompanham com preocupação aproximação do Irã com o Brasil

"Para Ahmadinejad, essa visita é uma vitória estratégica. Uma vitória que é contra todo o mundo ocidental e que legitima seu projeto nuclear"

postado em 23/11/2009 08:42
O israelense Ely Karmon acompanha com preocupação, como a grande maioria de seus compatriotas, a aproximação do Irã dos países da América do Sul, e, em especial, do Brasil. Quatro dias antes da chegada do presidente iraniano, Mahmud Ahmadinejad, a Brasília, o especialista do Instituto para Contraterrorismo do Centro Interdisciplinar (IDC) em Herzliya, veio à capital para alertar sobre os riscos de ações terroristas na América do Sul. Segundo ele, o grupo libanês Hezbollah, que faz parte de uma coalizão com Teerã, Damasco e o grupo radical palestino Hamas, já possui células na Tríplice Fronteira, em Isla Margarita (Venezuela) e Iquique (Chile), prontas para atuar. "O atrativo da América do Sul é usar as fraquezas da região. Por exemplo, o fato de não ter serviços policiais suficientemente capacitados para tratar com o Hezbollah", afirma. [SAIBAMAIS]Quais são as principais ameaças terroristas no mundo hoje? Há duas ameaças principais: a rede Al-Qaeda e a coalizão Irã-Síria-Hezbollah-Hamas, que tem dois Estados e dois movimentos religiosos que utilizam terrorismo e insurgência. Os islamistas são os únicos que têm se mantido ativos, mesmo antes de 2001, em atentados na Europa, Oriente Médio e Sudeste Asiático. Se falarmos do ETA, no País Basco, e das Farc, na Colômbia, que são as duas organizações mais ativas nacionais, elas não têm nenhuma atividade realmente internacional. As Farc, por exemplo, tem ligações com Chávez, talvez uma presença no Equador e na fronteira com o Brasil, mas eles não vão fazer ações em Paris ou em Nova York contra seus inimigos. Podem até fazer contra os norte-americanos, mas só em território nacional. Qual delas preocupa mais? Se analisarmos os êxitos desses dois grupos nos últimos dez anos, vemos que a coalizão do Irã é muito mais forte. A coalizão da Al-Qaeda é só de grupos sunitas, mas o Irã é um país xiita, que tem aliança com o Hezbollah - composto por xiitas libaneses -, com a Síria - que são sunitas em um regime xiita alauita -, e com o Hamas - cujos membros são sunitas. Neste último caso, apesar de os palestinos do Hamas serem contrários à toda a doutrina xiita, eles se unem ao Irã por ser um país muito forte, que tem uma ideologia muito clara contra os mesmos inimigos - os EUA, o Ocidente e, claro, Israel. Eles veem esses inimigos não só como ameaça estratégica, mas também à toda cultura que eles querem retomar do Islã tradicional. É aqui que se unem xiitas iranianos e sunitas palestinos. Mas, nos últimos anos, a rede Al-Qaeda parece mais ativa. A Al-Qaeda teve o seu maior êxito no 11 de setembro, com o apoio do talibã afegão, que não só permitiu a eles treinar milhares de voluntários jovens, como também fazer operações no exterior. O problema de conter a sua ação hoje é a realidade que se encontra dentro do Afeganistão e Paquistão. O Paquistão, que usou os talibãs para lutar contra a Índia e a Indonésia, perdeu o controle sobre eles. Se o Talibã toma o poder no país, então teremos a mesma situação de 10 anos atrás, só que muito mais perigosa, porque hoje o país tem 80,100 bombas nucleares já. E esses movimentos já falam de uma bomba islâmica. Só no último ano, houve uma decisão de retomar o controle do Waziristão e todas as regiões onde a Al-Qaeda está de novo muito forte. Como se dá a relação entre o governo iraniano e o Hezbollah? O Hezbollah foi formado pelos guardas revolucionários iranianos quando Israel ocupava o Líbano em 1982. Em dois, três anos, eles construíram o grupo, recrutando libaneses e jovens de vários movimentos. Eles ajudaram a formar este politica e financeiramente o Hezbollah, que primeiro era um grupo de terroristas, depois se transformou em guerrilha e hoje é um exército, que é muito mais forte que o Exército do Líbano. Eles estão atuando como um Estado dentro do Estado. O Hezbollah não assume a soberania do Irã sobre os líderes do grupo, mas, no seu programa, está escrito que a autoridade suprema para o Hezbollah é o aiatolá Khamenei, que é o líder supremo do Irã. Não há um secretário-geral do Hezbollah, mas um 'representante pessoal do aiatolá Khamenei no Líbano'. É correto falar que o Irã, como Estado, pratica terrorismo? Sim, claro. Sem o Irã, o Hezbollah seria muito mais fraco. A força que ele tem vem do apoio financeiro, de treinamento do Irã. O Hamas recebeu, depois que tomou o poder em Gaza, US$ 650 milhões do Irã - dinheiro que não é só para construir mesquitas ou hospitais. O (presidente) Ahmadinejad disse, em outubro de 2006, que o povo iraniano pode rapidamente se converter em uma 'potência mundial invencível se conseguir bases para sua tecnologia'. Que tecnologia? Nuclear. Os símbolos do Hezbollah e das Guardas Revolucionárias do Irã dizem tudo: os dois têm uma imagem do globo. Não é uma imagem do Oriente Médio nem do Líbano. E eles se sentem realmente fortes para atuar em todo o mundo. Eles fizeram dois atentados aqui, na América do Sul: em 1992, contra a embaixada de Israel em Buenos Aires, e, em 1994, contra o edifício da comunidade judaica também na capital argentina. Mas o Irã também quer desestabilizar a região para ser um país hegemônico, para subverter os países mais moderados. Um exemplo é que, há seis meses, os xiitas do Iêmen são apoiados pelo Irã na guerra civil contra os sunitas. O que alimenta o terrorismo no caso do Hezbollah? O Hezbollah, segundo o seu programa, quer expulsar toda a influência ocidental, a influência dos cristãos, e transformar o Líbano em um país islamista, com um regime, como acontece no Irã. Só que o Líbano é constituído por xiitas, sunitas, cristãos e druzos, em menor quantidade. Então não há como chegar a um regime como o do Irã. Então, eles decidiram, junto com os iranianos, que para conseguirem legitimidade, deveriam participar da liberação da Palestina e de Jerusalém. E por isso que o Hezbollah é tão envolvido na sua luta contra Israel, não é por amizade aos palestinos. São coisas muito mais estratégicas, muito mais ideológicas do ponto de vista do Hezbollah. É tentar receber o apoio tanto do mundo muçulmano como do mundo árabe para tomar controle total do Líbano. Exatamente como o Hamas tomou conta de Gaza, e quer tomar o controle da Cisjordânia e de toda a Autoridade Palestina. E como se dá a ligação do Hamas com o Irã? Do ponto de vista religioso, o Hamas está do lado oposto ao xiismo do Irã. Mas, do ponto de vista estratégico, eles chegaram à conclusão que são os melhores aliados contra a influência americana, contra Israel. Muito da sofisticação dos mísseis do Hamas é consequência do apoio do Irã, que transferiu tecnologia. Já sabemos que o Hamas tem novos mísseis, mandados pelo Irã, que podem chegar a Telavive, onde Israel tem seu único aeroporto internacional. Isso significa que, se antes eles tinham como reféns 200 mil, 300 mil pessoas no sul de Israel, em breve poderão ser 2 milhões de pessoas. Que interesse o Irã tem na América do Sul e América Latina? O interesse é transformar a América do Sul em uma frente contra as pressões da coalizão americana, dos estados europeus sobre seu programa nuclear. Eles sabem que Hugo Chávez também se sente ameaçado pelos EUA, e que, então, tem aqui um aliado para combater os EUA. Os dois presidentes já falaram em uma aliança de países revolucionários, que seria formado com a influência que Chávez tem no Equador, nos regimes bolivarianos. A Bolívia, por exemplo, que tinha apenas uma embaixada na região, localizada no Egito, um país moderado e o maior do mundo árabe, a transferiu para Teerã. A Bolívia também aceitou que o Irã abrisse uma televisão por satélite, em espanhol, para toda a América Latina, como uma arma de propaganda de Teerã. Hoje a TV do Hezbollah tem um grande site em espanhol. Onde o Brasil entraria nessa "estratégia"? O Brasil nunca fez parte disso. Sempre manteve boas relações políticas e econômicas (com o Irã), mas nunca havia feito esse tipo de convite (de visita de um presidente iraniano). Hoje, Ahmadinejad não visita nenhum país ocidental, porque é visto como um ditador, é visto como o líder do país que está se transformando num país nuclear com motivações agressivas. Não tenho dúvidas que Ahmadinejad está disposto a avançar sua posição internacional. E o peso que o Brasil tem no mundo, com a sua visão democrática, com a personalidade muito forte do presidente Lula - tudo isso tem um peso muito político e moral sobre outros países. É por isso que Ahmadinejad está tão feliz de visitar o Brasil. Para ele, essa visita é uma vitória estratégica. Uma vitória que é contra todo o mundo ocidental e que legitima seu projeto nuclear. Há presença do Hezbollah na América do Sul? Na América do Sul, sabemos que há, com certeza, uma estrutura ativa do Hezbollah desde os anos 1980. E ela, pouco a pouco, se desenvolveu com a chegada de imigrantes xiitas do Líbano. Hoje, depois de um grande número de prisões entre 2002 e 2003, eles são mais cautelosos e um grupo mais descentralizado - o que torna mais difícil o seu acompanhamento. É claro que não são todos os libaneses, mas o Hezbollah utiliza essa comunidade para recrutar militantes e hoje tem, claramente, uma presença, principalmente na Tríplice Fronteira, em Isla Margarita (Venezuela) e Iquique (Chile). No caso da Tríplice Fronteira, temos um organograma, com alguns nomes conhecidos. E essas células foram envolvidas nos ataques em Buenos Aires contra a embaixada israelense, em 1992, e, em 1994, contra a comunidade judaica. Sabemos que a Justiça argentina tem gravações de conversas durante o atentado de 1994 feitas a partir de Ciudad de Leste para Buenos Aires. Mas, como não há controle da polícia local, nada foi feito. Que risco representa essa presença do Hezbollah na região? Hoje eles não têm ações, mas esperam uma decisão. Se o Irã ou o Hezbollah decidem que tem interesse em fazer uma ação, eles estão preparados. O atrativo da América do Sul é usar as fraquezas da região. Por exemplo, o fato de não ter serviços policiais suficientemente capacitados para tratar com o Hezbollah. Na sua opinião, o povo brasileiro tem de se preocupar com a aproximação entre os governos brasileiro e iraniano? O Brasil não pode permitir, a partir de suas relações com o Irã, que Teerã continue a ser o mesmo agressor, que chegue à capacidade nuclear sem nenhuma sanção. Essa não é a vontade do governo brasileiro, mas o resultado prático pode ser esse. Não acho realista que o Brasil consiga mediar um diálogo do Irã com os EUA. Todas as tentativas que os países europeus fizeram de dialogar não tiveram sucesso, e eu não vejo como o Brasil pode convencer o Irã a conversar com o Ocidente. Boa vontade não foi suficiente com o Irã nos últimos anos.

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