postado em 24/11/2009 08:28
Depois de três horas de conversa com o "bom amigo" Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente iraniano, Mahmud Ahmadinejad, parece só ter confirmado as convergências de interesses que o fizeram vislumbrar no Brasil um companheiro para sua empreitada de deslocar o eixo de poder das grandes potências ocidentais. Em breve coletiva à imprensa, o iraniano disse que os dois paÃses "procuram resolver os problemas do mundo, combater as injustiças e buscam um mundo livre de armas de destruição em massa, particularmente armas nucleares". Aproveitou para defender, diante do anfitrião, o ingresso do Brasil como membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
[SAIBAMAIS]"O Conselho de Segurança precisa passar por profundas mudanças. Apoiamos a candidatura de novos membros individuais. Apoiamos a presença do Brasil como membro permanente", disse Ahmadinejad. Além das afinidades no terreno estritamente polÃtico, os dois governos assinaram diversos acordos nas áreas de energia, comércio, ciência e tecnologia e agricultura.
Lula (1) retribuiu a solidariedade sem meias-palavras. "O que o que defendemos para o Brasil, defendemos para os outros", afirmou. "O Brasil tem um modelo de desenvolvimento de energia nuclear reconhecido pelas Nações Unidas e pela AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) e, ao mesmo tempo, sabemos da polêmica que existe em torno do mesmo desenvolvimento acontecido no Irã", disse. "O que nós defendemos é que o Irã tenha o direito de desenvolver o enriquecimento de urânio para produção de energia, portanto, para fins pacÃficos, da mesma forma que o Brasil está desenvolvendo", completou.
Ahmadinejad aproveitou a única pergunta feita pela imprensa brasileira para "desmentir" que a proposta de o paÃs "exportar" seu urânio para enriquecimento no exterior e depois "importá-lo" de volta como combustÃvel para seus reatores, tenha sido feita pela agência da ONU e pelos paÃses ocidentais. As negociações sobre o impasse estão paralisadas pela recusa de Teerã à fórmula apresentada. "A proposta de troca de combustÃvel foi feita originalmente pelo Irã, não pela AIEA. Há quatro meses, o Irã, no intuito de criar uma nova oportunidade para o governo americano e outros paÃses e para mudar esse clima, apresentou uma proposta para o intercâmbio de combustÃvel (nuclear)", afirmou.
Segundo o visitante, seu paÃs "tem condições técnicas de enriquecer urânio até um grau de 20%", porém abriu a mão desse direito em prol do diálogo com o Ocidente. "Dissemos à AIEA que estávamos prontos para comprar esse combustÃvel necessário e comunicamos essa decisão por escrito", explicou. Dias depois, a AIEA enviou carta propondo que Teerã repassasse 1.250kg de urânio enriquecido a 5% para que seja enriquecido a 20% (fora do paÃs) e depois repatriado. "Em princÃpio, concordamos com a proposta apresentada. Mas o outro lado se mostra disposto a continuar com suas tendências hegemônicas, e isso não é aceitável para nós", explicou, alegando que os paÃses que dizem tentar negociar estão fazendo uma "campanha negativa" contra Teerã. De acordo com Ahmadinejad, seu governo também quer "concretizar o acordo", mas não vai permitir que os paÃses ocidentais ignorem sua condição de signatário do Tratado de Não Proliferação. "Não vamos abrir mão dos nossos direitos legais", garantiu.
1 - De olho na terra
A comitiva iraniana chegou a BrasÃlia com a intenção de fechar acordos que permitissem a seus empresários participar na exploração agrÃcola em terras brasileiras. Segundo o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, o Irã não é o primeiro paÃs a sugerir tal proposta, mas o governo brasileiro não aceitou por não ser esse "o nosso modelo". "O que poderia ser discutido é eles fazerem contratos de longo e médio prazo com cooperativas e produtores brasileiros, para ter um fluxo de atendimento (agrÃcola)", afirmou o ministro. O único acordo fechado é de cooperação técnica com a Embrapa, para troca de informações e pesquisa. "Eles estão interessados em tecnologias para utilização no semiárido e cultivo de laranjas", explicou.
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Ataque à intolerância
Apesar da sintonia desfilada com o governo iraniano, o presidente Lula fez questão de destacar, na sua fala inicial, o compromisso da polÃtica externa brasileira com a "democracia e o respeito à diversidade". "Defendemos os direitos humanos e a liberdade de escolha de nossos cidadãos e cidadãs com a mesma veemência com que repudiamos todo ato de intolerância ou recurso ao terrorismo", disse o presidente brasileiro, ainda em tom de justificativa pelo convite feito ao iraniano.
Lula confirmou que deve ir ao Irã em abril ou maio de 2010, mas que antes enviará o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Miguel Jorge, em uma missão para identificar novas oportunidades de comércio, investimentos e cooperação. Ao discursar para um auditório lotado de empresários, durante a tarde, ainda no Itamaraty, o presidente afirmou que o Irã é "um dos maiores mercados para as exportações agrÃcolas brasileiras e, em breve, poderá voltar a ser o principal destino das exportações brasileiras no Oriente Médio". Ahmadinejad veio ao Brasil com uma delegação de quase 200 empresários, que devem ficar no paÃs por mais dois dias. O presidente iraniano, no entanto, segue para a BolÃvia na manhã de hoje, e, de lá, para a Venezuela.