postado em 24/11/2009 08:43
Quando chegou ao Congresso Nacional, no fim da tarde de ontem, o presidente do Irã, Mahmud Ahmadinejad, não encontrou qualquer celebração. Os parlamentares mais ponderados, como o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), classificaram a fria recepção como o cumprimento de um "dever protocolar". Na realidade, o que se assistiu durante a rápida passagem do polêmico líder iraniano pelas duas Casas que representam o Poder Legislativo em Brasília foi um desfile de sorrisos amarelos e um festival de críticas. O clima não foi de festa, mas de constrangimento.
[SAIBAMAIS]Ao fim da rampa do Congresso, além de Sarney, apenas o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), e mais três parlamentares aguardavam Ahmadinejad. Sarney e Temer eram obrigados a comparecer ao evento por conta do protocolo que rege os encontros de Estado. Os demais preferiram se ausentar a posar com o iraniano. A má vontade ficava evidente quando se comparava o quorum de ontem, ao do dia da visita do presidente de Israel, Shimon Peres, que chegou a discursar no plenário do Senado. "Essa é a chamada visita de Estado. Não há como não seguir o protocolo. Não cogitamos levá-lo ao plenário porque não há sessão", justificou Temer.
Do lado de fora, a poucos passos da entrada do Congresso, dois deputados esperavam o presidente do Irã ostentando uma faixa com os dizeres "Holocausto nunca mais". Marcelo Itagiba (PMDB-RJ), que é judeu, e o companheiro de plenário Zenaldo Coutinho (PSDB-PA) protestaram contra a visita. "Isso é uma violência contra o povo brasileiro. Ele não só nega o Holocausto como também discrimina minorias. É o Hitler dos tempos modernos", classificou Itagiba.
No Salão Verde da Câmara dos Deputados, às vésperas de completar 88 anos, o polonês Ben Abraham, sobrevivente dos campos de concentração da Segunda Guerra Mundial, também protestava contra o que chamou de "visita lastimável". "Como um país como o Brasil pode receber um homem que minimiza os danos provocados pelos nazistas e o Holocausto? Ele me ofende. Eu vi a fumaça preta das chaminés dos campos de concentração e senti o cheiro de carne queimada nas minhas narinas", disse Ben, que está no Brasil desde 1955.
A oposição aproveitou a visita para criticar o presidente Lula. "As atitudes do presidente do Irã ferem a índole pacifista do povo brasileiro. Os índices de importação e exportação não justificam isso. Tê-lo recebido assim, com pompa e circunstância, estimula a ditadura iraniana. Não irei à recepção. Se é protocolar, neste momento, deveríamos rasgar o protocolo", discursou o senador Álvaro Dias (PSDB-PR). O Democratas chegou a pedir, em nota, que a visita do iraniano ao Congresso fosse revista. O governador de São Paulo, José Serra (PSDB), publicou artigo em que chamou Ahmadinejad de "chefe de regime ditatorial e repressivo".
Discurso e atraso
A dificuldade de Ahmadinejad em cumprir a agenda aumentou o clima de tensão. Sua chegada estava prevista para as 15h30. Depois, 16h. Ele chegou às 18h, escoltado por uma comitiva maior do que a que o aguardava. O presidente José Sarney chegou a questionar se o líder iraniano ainda apareceria. Ficou 15 minutos de pé, na porta do Congresso, à espera de que ele chegasse. Foi obrigado a entrar e aguardar mais 20 minutos, sentado. Ahmadinejad ficou menos de uma hora no Congresso Nacional. Em discurso ao lado de Sarney e Temer, evitou polemizar. Não falou dos judeus, mas disse que o povo palestino não poderia pagar pelo que foi feito durante a Segunda Guerra. "Para se ter uma relação de paz, é preciso primeiro conhecer as falhas dessas relações. Sessenta milhões de pessoas morreram na Segunda Guerra Mundial. Um país não pode ser culpado pelo erro de outros. A história não pode parar".
O iraniano falou sobre o fomento das relações comerciais entre o Brasil e o Irã. "Podemos nos ajudar muito nas áreas de energia, tecnologia, transporte e turismo". Ahmadinejad disse ainda que o povo brasileiro é "amável e pacífico". O único senador que minimizou o impacto da visita surpreendeu ao falar em favor de Ahmadinejad. Defensor dos direitos humanos, Eduardo Suplicy (PT-SP) disse que o diálogo é importante para as relações exteriores. "Para o Brasil é importante desenvolver relações com os mais diversos países, ainda que com governos que não estejam na nossa predileção", disse.