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Mumbai lembra o dia do horror

Um ano após atentados que mataram 166, capital comercial da Índia homenageia vítimas

postado em 27/11/2009 08:44
Desde aquela manhã, Mumbai - centro econômico da Índia - jamais foi a mesma. O radiologista Samir K. (ele pediu ao Correio para não ter o sobrenome identificado) não consegue esquecer o rosto dos terroristas. Os corpos foram necropsiados no hospital em que ele trabalha. "Em suas faces, havia uma expressão congelada de nenhuma clemência, nenhuma piedade", lembra. Ele também busca uma explicação para a inércia dos cidadãos diante de um massacre. "O que mais me chocou foi a atitude covarde da população de 10 milhões de pessoas. Ninguém saiu de casa para varrer esses terroristas", diz. Em 26 de novembro do ano passado, 10 extremistas desembarcaram na cidade e se dividiram, com o objetivo de matar. Às 21h20 (hora local), dispararam granadas de mão e abriram fogo contra usuários da estação ferroviária Chhatrapati Shivaj, antes de invadirem o centro judaico Nariman House. No mesmo instante, um grupo tomou como reféns 380 hóspedes do Oberoi Trident Hotel. O Taj Mahal Palace Hotel também foi alvo do comando islâmico, que travou uma batalha de três dias com os militares. [SAIBAMAIS]Nas mãos de Samir, passaram alguns dos 166 inocentes assassinados pelos terroristas. "Tirei os raios X das vítimas. A maior parte delas tinha sinais de execução, uma única bala disparada na têmpora. Um assassinato cruel", comenta o médico. "Fique abismado com o plano meticuloso do ataque, sem que ninguém soubesse (da operação)". Indagado sobre o que mudou em Mumbai no que diz respeito à segurança, ele é direto. "Honestamente, nada. Podemos parar o terrorismo? Acho que não. Temos de aprender a viver com ele. Amanhã, pode ser você ou eu", comenta. O engenheiro Chiranjiv Mandilwar, 34 anos, estava em Londres quando os tiros amedrontaram Mumbai. O retorno à cidade natal, na Índia, deu-se uma semana depois de a polícia retomar o controle da situação. "Um terrorista (1) foi capturado vivo. Seu vilarejo, sua família, tudo tem conexão com o Paquistão - uma nação falida, presa dentro do túmulo preparado por ela mesma para a Índia", criticou. Segundo ele, Islamabad usa o extremismo com ferramenta da política externa. "Se você percorrer o Paquistão, verá que há muitos centros de terrorismo financiados por fundos do Estado. Crianças e jovens sofrem lavagem cerebral, em nome da religião, e são mandados para além da fronteira, com o objetivo de matar", denuncia. Cerimônias Por volta das 8h (1h30 em Brasília) de ontem, indianos comuns e autoridades se reuniram diante do Portão da Índia para reverenciar os mortos. A cinco minutos dali, Mandilwar acompanhava as cerimônias pela TV. "Uma das cenas mais emocionantes foi a de uma menina de 2 anos tentando consolar a mãe. Ela enxugava as lágrimas da mulher, que se lembrava de seu marido morto", relatou. De acordo com a emissora NDTV, o ódio cedeu espaço à esperança. Em frente ao Oberoi Trident Hotel, o ministro do Interior, P. Chidambran, inaugurou um memorial de vidro "aos mártires". "É para os que deram suas vidas para salvar Mumbai e a ideia da Índia como uma república democrática secular, plural e tolerante", afirmou Chidambran. Uma multidão doou sangue na estação ferroviária Chhatrapati Shivaj, um dos locais atacados. Na Nariman House, o dia foi de orações. O premiê indiano, Manmohan Singh, prestou homenagens às vítimas, durante visita de Estado a Washington. "O governo não descansará até que tenhamos levado os responsáveis por este crime à Justiça", garantiu. Para o paquistanês Imtiaz Gul, autor de A Conexão Al-Qaeda - o Talibã e o terror em áreas tribais, Nova Délhi não terá sossego. "A presença da Al-Qaeda na região fez emergir alianças, também com o Lashkar-e-Tayyiba (2), para enfrentar os EUA. Esses grupos têm capacidade para causar morte e destruição, e talvez levar Índia e Paquistão à guerra", disse. 1 - Morte como punição Mohammad Ajmal Amir Qasab, o único terrorista capturado vivo, responderá a 86 acusações, incluindo incitação à guerra contra a Índia, assassinato e posse de explosivos. As autoridades acreditam que ele enfrentará a pena de morte. Segundo o jornal The Times of India, o governo já gastou US$ 370 mil para manter o rapaz de 21 anos na cadeia, em segurança. Na quarta-feira passada, uma corte paquistanesa decidiu indiciar sete suspeitos de envolvimento com o complô terrorista, inclusive Zakiur Rehman Lakhvi, chefe operacional do grupo islâmico Lashkar-e-Tayyiba (LeT). 2 - Ideologia fanática O especialista em terrorismo MJ Gohel, da Asia Pacific Foundation (em Londres), contou ao Correio que o Lashkar-e-Tayyiba (LeT), principal suspeito dos atentados em Mumbai, surgiu em 1987 como a ala militar do grupo Markaz-ud-Dawa-wal-Irshad (MDI), uma organização fundamentalista paquistanesa. O LeT foi fundado por Hafiz Sayeed, professor do Departamento de Estudos Islâmicos da Universidade de Engenharia e Tecnologia de Lahore. A facção defende abertamente um governo pan-islâmico. Para isso, encoraja seus seguidores a realizarem uma jihad global. Com caráter antissemita, acusa Israel de apoiar a Índia e é considerada por alguns analistas como mais perigosa que a rede Al-Qaeda. Eu acho... "No decorrer do último ano, algumas coisas mudaram em Mumbai, mas nada drasticamente. A costa teve a segurança reforçada e nenhum barco não identificado tem autorização para se aproximar da terra. Mumbai é uma megacidade, que se mantém ativa, apesar dos incidentes daquela magnitude. Com certeza, há uma maior consciência entre os cidadãos comuns, que agora conseguem discernir entre um suspeito de terrorismo e um homem normal. Tendemos a ser mais cuidadosos. Quando viajamos, por exemplo, denunciamos às autoridades se alguém coloca uma bagagem em um local e a abandona depois" Chiranjiv Mandilwar, 34 anos, engenheiro, morador de Mumbai Entrevista - Hasan-Askari Rizvi Ataque usado como meio de propaganda O paquistanês Hasan-Askari Rizvi, analista de defesa baseado em Lahore, acredita que a Índia utiliza os atentados em Mumbai para manchar a imagem do Paquistão no cenário internacional. De acordo com ele, o governo indiano está mais cauteloso em relação a medidas de antiterrorismo, mas não reconhece os avanços de Islamabad na luta interna contra o extremismo. O senhor acredita que extremistas paquistaneses ainda têm interesse em operar em solo indiano? O grupo Lashkar-e-Tayyiba e outras facções não costumam anunciar seus planos. No entanto, o fato de que eles não terem feito nada durante o último ano, na Índia, indica que talvez as autoridades paquistanesas tenham sido capazes de reprimir os grupos terroristas e extremistas. Que lições a Índia pode ter extraído dos ataques? O governo indiano está prestando mais atenção a medidas de contraterrorismo. Esse esforço poderia ter sido mais eficiente, se Índia e Paquistão tivessem firmado uma cooperação. A Índia usa o incidente em Mumbai como propaganda contra o Paquistão, em âmbito internacional, e se recusa a reiniciar o diálogo com Islamabad. A Índia não está preparada para reconhecer sucessos do Paquistão no combate ao terror no Vale do Swat e no Waziristão do Sul. Por que o Paquistão é, hoje, celeiro do terror? Os grupos extremistas religiosos e terroristas datam da década de 1980, quando os Estados Unidos e o Paquistão trabalharam juntos para construir a resistência islâmica contra as tropas soviéticas no Afeganistão (1979-1989). Os EUA deixaram a região em 1990 e o Paquistão foi obrigado a lidar com essas facções. Alguns grupos surgiram na década de 1990 com agendas diferentes, incluindo o apoio ao movimento pela independência da Caxemira indiana. O Paquistão gerenciou esses grupos; até os ajudou em suas ações na Caxemira. Agora, a maior parte deles saiu do controle. A situação nas áreas tribais paquistanesas ficou tão insustentável que o Talibã e a Al-Qaeda se entrincheiraram ali. Também estabeleceram centros de treinamento na região, a fim de receberem estrangeiros. (RC)

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