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Otan acena com reforço de 5 mil soldados aos 30 mil anunciados por Obama

postado em 03/12/2009 08:00
Pela internet, as palavras do intérprete Sayed Abdul Wakil, 23 anos, traduziam o sentimento de parte da população de seu país ante o discurso do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. "O Afeganistão é o túmulo dos impérios. Nós matamos 39 mil militares britânicos na segunda guerra anglo-afegã. Os soviéticos assassinaram 2 milhões de guerrilheiros da liberdade afegãos, mas ainda assim fracassaram. Aqui é o fim do império dos Estados Unidos", alertou o morador de Cabul. Na noite de terça-feira, o líder norte-americano delineou sua estratégia para combater a milícia fundamentalista islâmica Talibã, pacificar o Afeganistão e debilitar a rede terrorista Al-Qaeda, de Osama bin Laden.

A apenas nove dias de receber o Prêmio Nobel da Paz, em Copenhague, Obama anunciou ao mundo que pretende iniciar a retirada das tropas em julho de 2011. Para cumprir o cronograma - tido como irreal por analistas -, o presidente decidiu enviar mais 30 mil soldados ao Afeganistão. O plano da Casa Branca envolve três elementos centrais: um esforço militar para criar as condições para a transição; o reforço de ações positivas entre civis, e uma parceria efetiva com o Paquistão.

Horas depois do discurso, Obama obteve importantes vitórias. Além de a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) ter decidido mobilizar mais de 5 mil militares, as Nações Unidas respaldaram sua estratégia. "O secretário-geral, Ban Ki-moon, acredita que a construção de instituições é um processo de longo prazo, que vai assegurar a sustentabilidade dos esforços conjuntos da comunidade internacional no Afeganistão", afirmou nota divulgada por um porta-voz. A reação de Cabul seguiu a mesma linha. "A República Islâmica do Afeganistão considera o cronograma para a redução das forças americanas uma oportunidade para crescer no setor de segurança do Afeganistão e uma oportunidade para a autossuficiência", afirmou o presidente afegão, Hamid Karzai, que prometeu "não poupar cooperação".

[SAIBAMAIS]Se os aliados prometeram ajuda e louvaram a iniciativa de Obama, os inimigos não economizaram ameaças. Talib Mujahid, porta-voz do Talibã, enviou ao Correio, por e-mail, um comunicado oficial da milícia, intitulado Declaração do Emirado Islâmico do Afeganistão a respeito da nova estratégia de Obama. No texto de uma página e meia, a facção considera o plano "colonialista, destinado a assegurar os interesses dos capitalistas americanos". "Obama quer matar dois pássaros com uma pedra. Ele quer diminuir a sensibilidade dos afegãos sobre os 30 mil soldados, por meio do estratagema de iniciar a retirada em 2011. Ele também pretende reduzir a oposição do público americano (ao reforço militar) e encorajar seus aliados a mandarem mais tropas. (;) O resultado disso será mais mortes;, alerta. Em entrevista à agência de notícias France-Presse, Qari Yusuf Ahmadi, outro porta-voz do Talibã, avisou: "Obama verá desfilar muitos caixões de soldados americanos mortos no Afeganistão".

No pronunciamento, Obama rejeitou comparações com a Guerra do Vietnã. O comandante-em-chefe dos EUA lembrou que suas forças não enfrentam uma insurgência popular e, ao contrário daquele conflito, contam com o apoio de uma ampla coalizão de 43 países. "Abandonar a área agora dificultaria nossa habilidade de manter a pressão sobre a Al-Qaeda, e criaria um risco inaceitável de ataques.;

Dúvidas

Por e-mail, o jornalista paquistanês Ahmed Rashid - autor de Jihad - afirmou ao Correio que o prazo de 18 meses dado por Obama "é hercúleo, senão impossível", quando se considera os ganhos do Talibã e a debilidade do governo e do Exército locais. "As esperanças de Obama estão no Exército Nacional Afegão, que soma 93 mil soldados, mais de 70% são analfabetos. Moradores da região vão ignorar a promessa de Obama de um compromisso a longo prazo com o Paquistão e o Afeganistão após 2011", disse. O especialista classificou o discurso como ;pobre em detalhes". "Não houve menção de estratégia regional para unir os vizinhos para estabilizar o país. Houve pouca informação sobre como os EUA ajudariam a reconstruir a infraestrutura."

O estrategista paquistanês Hasan-Askari Rizvi duvida que Cabul cumpra o prazo de 18 meses para controlar o território. "A performance tem sido desapontadora. O mesmo pode ser dito do Exército Nacional Afegão, que tem recebido treinamento dos EUA por quatro anos. Nem de longe ele mostrou-se capaz de encarar o Talibã." Para ele, o apoio do Paquistão facilitaria a agenda americana. "Islamabad deve questionar a tese de que as áreas tribais são um ;paraíso; para a Al-Qaeda e não vai aderir à política da Casa Branca. Isso vai construir uma tensão nas relações entre Paquistão e EUA."

Análise da notícia
Metas pouco confiáveis


A estratégia do presidente norte-americano, Barack Obama, para o Afeganistão mescla promessas factíveis e inteligentes com metas utópicas. A proposta de fornecer recursos substanciais à democracia e ao desenvolvimento do Paquistão pode ser produtiva, se ajudar a estabilizar um país marcado pela insegurança e pela ingerência do governo em regiões tribais. Caso Washington consiga "silenciar as armas" ali, provavelmente impedirá o fluxo de talibãs pela porosa fronteira - os extremistas buscam liberdade para construir campos de treinamento para sua jihad (guerra santa) e recrutar militantes.

Encerrar a ocupação do Afeganistão em 2011, no entanto, parece pouco crível e um desperdício de dinheiro. Os US$ 30 bilhões necessários para suprir o reforço militar de 30 mil soldados não são garantia de sucesso. O Talibã avança a passos largos pelo leste e pelo sul do país, encontra-se às portas de Cabul e já deu mostras de força, com atentados devastadores. Apesar de tudo, o plano de Obama representa um avanço. Sob o mandato de George W. Bush, o Afeganistão estava jogado às moscas. (RC)

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