postado em 07/12/2009 08:51
Em clima de "tranquilidade, alegria e paz" - segundo observadores da Organização dos Estados Americanos (OEA) -, a Bolívia foi às urnas ontem para reeleger Evo Morales, o primeiro presidente indígena de sua história. O líder cocaleiro que se tornou chefe de Estado votou na região de Chapare, no departamento de Cochabamba, e deixou a modéstia de lado. Em entrevista coletiva, ele assegurou que seria reeleito com 70% dos votos e chegou a especular sobre um terceiro mandato, em 2015. "Agora, se vota com base nessa nova Constituição, e se sente, de verdade, que falamos da nova Constituição como uma primeira eleição de Evo Morales", afirmou.
Às 18h (20h em Brasília), o Órgão Eleitoral Plurinacional (OEP) divulgou os resultados de boca de urna. De acordo com os números iniciais, Morales errou por pouco em sua estimativa: o instituto de pesquisa Mori dava ao presidente 62% dos votos, contra 23% para o ex-governador de Cochabamba Manfred Reyes Villa e 9% ao magnata de centro-direita Samuel Doria Medina, com 9%. Por sua vez, a consultora IPSOS estima que Morales teve 63,2% contra 24% para Villa e 7% para Medina. Já a Captura Consult considera que o mandatário ganhou com 61% contra 25% para Villa e 10% para Medina. Pelo menos 5,1 milhões de bolivianos estavam aptos a eleger presidente, vice-presidente, 130 deputados e 36 senadores. Com a vitória, Morales rompeu a chamada "meia lua" - território no qual a oposição mantinha, desde 2005, um poder impenetrável ao partido governista Movimento ao Socialismo (MAS) -, ganhando em sete dos nove departamentos: Tarija, La Paz, Oruro, Potosí, Cochabamba, Chuquisaca e Pando.
O líder indigenista Felipe Quispe, 67 anos, candidato a deputado pela coligação Gente, disse ao Correio que será uma "pedra no sapato" de Morales, caso eleito. Ele acusou o presidente de aprofundar o fosso entre o leste (predominantemente branco) e o oeste (indígena) da Bolívia. "Nós, da parte ocidental, estamos totalmente esquecidos por Morales. Os departamentos do leste têm recebido dinheiro. Por isso, pode acontecer um golpe de Estado da direita a qualquer momento", disse o oposicionista. Quispe acusa o presidente de perpetuar-se no poder, amparado por uma "pequena minoria colonial, totalmente esquerdista". "Nós, os pequenos agricultores, estamos esquecidos em nossos ayllus (forma de unidade familiar que trabalha a terra coletivamente) e em nossas comunidades", desabafou.
Morador de Cochabamba, o engenheiro Alex Quiroga, 41 anos, concorda com Quispe. "Vejo a vitória de Morales com pessimismo, porque grande parte dos indígenas não têm representatividade, mesmo sendo o motor do país", afirmou, pela internet, o eleitor, que preferiu omitir seu voto ao Correio. "Queremos um presidente que não se esqueça dos indígenas, mas apoie o desenvolvimento, como Lula fez". Depois de votar em Manfred Reyes Villa, "pela necessidade de um oposição mais consistente", o engenheiro industrial Pablo Barriga, 22 anos, disse à reportagem que está preocupado. "Morales obteve a maioria no Congresso e não existe uma oposição marcante. Além disso, seu governo é um pouco violento e trata de impor tudo à força", criticou o morador de La Paz.
O triunfo de Morales abre a possibilidade para que o presidente obtenha o chamado "senador de ouro", consolide a reforma na Constituição e torne realidade a construção de um Estado plurinacional. "O presidente pretende dividir ainda mais este país. Reclamar algo para os 'indígenas', se já não existem, vai nos tornar todos 'mestiços'", atacou Pablo. O plano de Morales ambiciona criar a Assembleia Legislativa Plurinacional, substituindo o atual Congresso. Os resultados oficiais devem ser divulgados até amanhã.
A base das leis
A Assembleia Legislativa Plurinacional é um órgão legislativo formado por duas câmaras. Seus integrantes serão responsáveis pela elaboração da estrutura jurídica de outros dois poderes, o Executivo e o Judiciário. Também terão a tarefa de colocar em prática as autonomias, um novo tipo de jurisdição política previsto na nova Constituição. O presidente Evo Morales pretende "avançar em suas revoluções indigenistas e socialistas".