Mundo

Barack Obama recebe o prêmio em Oslo com discurso em que justifica o recurso às armas

Comitê julgador elogia %u201Ccoragem%u201D do presidente americano

postado em 11/12/2009 07:00
O discurso proferido pelo ganhador do Nobel da Paz de 2009 na cerimônia de premiação, em Oslo, foi recheado de guerra. Em pouco mais de 20 minutos, Barack Obama pronunciou 18 vezes a palavra, numa tentativa de convencer o mundo da necessidade de combater o terror para garantir a paz no futuro. O presidente dos Estados Unidos sustentou que "os instrumentos da guerra têm um papel a desempenhar na preservação da paz" e afirmou que não ficará "imóvel ante as ameaças" ao povo americano. Para o secretário do Comitê Nobel, Geir Lundestad, é "totalmente aceitável" que Obama defenda a guerra ao receber a maior honraria entre os que lutam contra ela. "Estamos em guerra, e sou responsável pelo envio de milhares de jovens americanos à batalha numa terra distante. Alguns vão matar. Alguns serão mortos. E vim aqui com o senso aguçado do custo de um conflito armado", disse Obama, que revelou estar "tomado de questionamentos" sobre a relação entre guerra e paz e sobre como substituir uma pela outra. "A guerra em si nunca é gloriosa, e nós nunca devemos proclamá-la como tal. (%u2026) Mas também sei que a paz desejável é raramente alcançada. A paz requer responsabilidade. A paz implica sacrifício", declarou o comandante em chefe dos EUA, que travam guerras no Iraque e no Afeganistão (1). Obama citou exemplos históricos da importância de pegar em armas em nome da paz - como na guerra contra a Alemanha de Hitler. Chegou a alegar uma quase inerência bélica do ser humano. "A guerra, de uma forma ou de outra, surgiu com o primeiro homem. (%u2026) Dizer que a força é às vezes necessária não é uma convocação para o cinismo. É o reconhecimento da história, das imperfeições do homem e dos limites da razão", afirmou o Nobel. Ele, no entanto, garantiu que os EUA "nunca travaram uma guerra contra uma democracia". Comitê julgador elogia %u201Ccoragem%u201D do presidente americano Diante das críticas (2) à defesa da guerra feita por Obama, o secretário do comitê que lhe concedeu o título enalteceu o discurso "absolutamente fantástico". "Ele se atreveu a apresentar questões difíceis, assinalando o delicado equilíbrio entre guerra e paz e por que, em determinadas circunstâncias, não se pode fugir da guerra", disse Lundestad. O secretário ressaltou ainda que, em sua fala, o presidente dos EUA não deixou de explorar soluções para evitar a guerra, como o uso de sanções. Deslize Para Ivan Eland, especialista do The Independent Institute, embora Obama seja menos beligerante do que George W. Bush, ele tem deslizado no "clássico argumento orwelliano de justificar a guerra em curso como garantia de paz para o futuro". "Se Obama quer a paz, ele poderia apenas obter a paz mediante a retirada imediata das forças dos EUA do Iraque e Afeganistão", afirmou Eland ao Correio. A coordenadora da Stop the War Coalition, Lindsey German, também lamentou os argumentos usados por Obama. "Ele tem frustrado todas as expectativas depositadas nele pela sua determinação em continuar essa guerra injustificada e invencível, que está custando a vida de milhares de pessoas. Suas ações não são motivadas pela preocupação com o povo afegão, mas por seus interesses econômicos, estratégicos e militares." Obama, contudo, não falou apenas em guerra. Ele se mostrou humilde na comparação com os "gigantes da história" que já receberam o Nobel da Paz, defendeu o uso da diplomacia como opção contra regimes repressivos e pediu união para confrontar as mudanças climáticas. "Há pouca controvérsia científica sobre o fato de que, se nada fizermos, enfrentaremos mais seca, mais fome e deslocamentos em massa que gerarão mais conflitos, por décadas", afirmou. E como tudo nos discursos de um notável orador é extremamente avaliado e calculado, a palavra "guerra" foi muito usada, mas não foi a mais repetida pelo americano. Quem ganhou foi a pequena "paz", pronunciada por mais de 30 vezes pelo atual comandante das duas guerras. 1- US$ 10 bi por ano O general David Petraeus, que comanda as operações militares dos EUA no Iraque e no Afeganistão, revelou à Comissão de Relações Exteriores do Senado que o envolvimento do país no Afeganistão deve durar "anos" e custar mais de US$ 10 bilhões anualmente - só para financiar uma força de segurança local adequada. Ontem, o premiê da Noruega, Jens Stoltenberg, anunciou que seu país destinará mais US$ 110 milhões à formação das tropas afegãs. 2- "Cinismo" O ex-presidente cubano Fidel Castro chamou Barack Obama de "cínico" por aceitar o Nobel da Paz no momento em que decide enviar mais soldados para o Afeganistão. Fidel chegou a elogiar a escolha do Instituto Nobel assim que o nome de Obama foi anunciado como ganhador. Agora, o tom mudou. "Por que Obama aceitou o prêmio, quando já havia decidido lutar até o fim na guerra do Afeganistão? Ele não era obrigado a cometer um gesto cínico", escreveu o veterano líder em novo artigo publicado pela imprensa oficial cubana. Os principais trechos do discurso do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, ao receber o Prêmio Nobel da Paz, em Oslo LUGAR NA HISTÓRIA "Comparado a alguns gigantes da história que receberam este prêmio... minhas realizações são mínimas" SOBRE O SEU PRÊMIO "A questão mais profunda acerca de minha aceitação deste prêmio é o fato de eu ser o comandante-em-chefe de uma nação em meio a duas guerras" EUA EM GUERRA "Estamos em guerra, e sou responsável pelo envio de milhares de jovens americanos à batalha numa terra distante. Alguns vão matar. Alguns serão mortos. E vim aqui com o senso aguçado do custo de um conflito armado... tomado de difíceis questionamentos sobre a relação entre guerra e paz, e nosso esforço para substituir uma pela outra" OS HORRORES DA GUERRA "A coragem e o sacrifício do soldado são cheios de glória, expressando devoção ao país, à causa e aos companheiros de armas. Mas a guerra em si nunca é gloriosa. E nós jamais devemos exaltá-la dessa forma" O USO DA FORÇA "Haverá vezes em que as nações - agindo individualmente ou em consenso - acharão o uso da força não apenas necessário, como moralmente justificável... como comandante-em-chefe jurei proteger e defender minha nação, e não posso ser guiado apenas por esses exemplos. Eu encaro o mundo como ele é, e não posso ficar imóvel ante as ameaças ao povo americano" MANDATOS MILITARES "Eu acredito que a força possa ser justificada em termos humanitários, como foi nos Balcãs ou em outros lugares arrasados pela guerra. A falta de ação aflige nossa consciência e uma intervenção tardia pode ser mais onerosa. É por isso que todas as nações responsáveis devem aceitar que o papel de militares com um claro mandato pode ser decisivo para manter a paz" O PREÇO DA PAZ "Eu entendo por que a guerra não é popular. Mas também sei de uma coisa: a crença de que a paz desejável é raramente alcançada. A paz requer responsabilidade. A paz implica sacrifício. É por isso que a Otan continua a ser indispensável. É por isso que devemos fortalecer as Nações Unidas e as forças de paz regionais, e não deixar a tarefa para alguns poucos países" GUERRA E RELIGIÃO "Uma visão distorcida da religião não é apenas incompatível com o conceito da paz, como também com a fé. De acordo com a regra que está no cerne de toda grande religião, devemos agir em relação ao outro como desejamos que ajam em relação a nós" MULTILATERALISMO "O compromisso dos Estados Unidos com a segurança global nunca esmaecerá. Mas num mundo no qual as ameaças são mais difusas e as missões mais complexas, os Estados Unidos não podem agir sozinhos" ARMAS NUCLEARES "Tenho o compromisso de manter esse tratado. É uma peça chave da minha política externa. Estou trabalhando com o presidente Dimitri Medvedev para diminuir o estoque de armas americanas e russa" TORTURA "Nós nos perdemos quando comprometemos os ideais que lutamos para defender. E nós honramos esses ideais conservando-os não apenas quando é fácil, mas quando é difícil" OPRESSÃO "Quando há genocídio em Darfur; estupros sistemáticos no Congo; ou repressão em Myanmar %u2014 deve haver consequências. E quanto mais unidos estivermos, menos ficaremos fragilizados ante a escolha entre a intervenção armada e a cumplicidade com a opressão" CLIMA "O mundo deve se unir para confrontar as mudanças climáticas. Há pouca controvérsia científica sobre o fato de que, se nada fizermos, enfrentaremos mais seca, mais fome e deslocamentos em massa que gerarão mais conflitos por décadas"

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação