Muitas vezes criticada pela falta de resultados imediatos, a construção do Mercosul obteve o apoio da maioria dos uruguaios nas eleições realizadas no início de dezembro. Ao contrário do que ocorre no Brasil, onde a política externa poucas vezes ganha espaço nos debates eleitorais, a integração regional foi um tema predominante nas eleições do Uruguai. E ganhou a disputa o candidato da Frente Ampla, José Pepe Mujica, que assumiu a defesa do Mercosul.
Em entrevista à Agência Senado e à TV Senado, Mujica criticou "as direitas que não querem a integração" e propôs maior aproximação não apenas comercial, mas também cultural, científica e de infraestrutura, entre os quatro países que integram o bloco - Argentina, Brasil, Paraguai e o seu Uruguai. A seguir, os principais pontos da entrevista, que estará no programa Diplomacia às 11h30 de sábado (12), com repetição às 22h30 do mesmo dia e às 9h e 17h de domingo (13).
Como o senhor define a diferença entre antigo guerrilheiro e o novo presidente do Uruguai?
Quatro décadas são muito tempo, muitas coisas aconteceram no mundo, na América. Há quarenta anos, queríamos consertar o mundo. Agora, tentamos melhorar o caminho da nossa casa. Somos mais humildes, mais modestos. O mundo continua esperando.
Como vê as diferenças entre a esquerda representada pelos presidentes do Brasil e do Chile, Luiz Inácio Lula da Silva e Michelle Bachelet, e da Venezuela, Hugo Chávez?
Eu acho que o verdadeiro julgamento se dá a partir de resultados, não com as declarações ou com as medidas. Se favorece as pessoas mais humildes, se contribui para elevar o fundo da sociedade, será de esquerda. Se não consegue isso, será uma boa intenção, mas a esquerda falhou. Porque a esquerda é solidariedade, é lembrar dos mais fracos. Pode haver caminhos e métodos distintos. A verdade é que, no mundo em que estamos, se constroem estereótipos. Por exemplo, no meu caso, de guerrilheiro. Nós não fomos guerrilheiros, éramos políticos com armas. É diferente. Por isso, prefiro respeitar cada um dos países, que têm seus caminhos, seus modelos. O Caribe é diferente, a América Central e o rio da Prata são diferentes. No Uruguai, a vida humana vale muito, no Caribe vale menos.
O Uruguai assume uma postura a favor da integração, após as eleições?
Nós somos um país agrícola pequeno, que está em um lugar importante, porque é a entrada da boca de um sistema de grandes rios. Temos que ser um país ponte. Necessitamos da integração regional, mas a região tem fragilidades porque tem Estados importantes, como o Brasil e a Argentina, que têm muitos problemas internos para resolver. Não são Alemanha e França. Há direitas aqui que não querem o Mercosul, não querem a integração. Queriam que este país fosse em direção ao livre mercado, para viver do comércio e se tornar um grande centro financeiro. Um país muito liberal, muito aberto, que servisse de trampolim para vender aos vizinhos. Entendemos que esse é um projeto muito perigoso, porque os vizinhos teriam de se defender.
E de que forma pode se aprofundar a integração?
Temos que investir muito mais na inteligência. Parece que as universidades não contam no Mercosul. Se não unirmos a inteligência, nunca vamos nos unir. Também a infraestrutura, a energia, as comunicações. O Mercosul tem sido excessivamente mercantilista. Apenas pelo comércio não nos integraremos. Precisamos de outras coisas: pesquisa, ciência, cultura. Aqui se forma um engenheiro que vai trabalhar nos Estados Unidos ou na Espanha, mas não pode trabalhar no Brasil. Os brasileiros não podem trabalhar aqui. Estamos loucos!
O mesmo se aplica à infraestrutura?
No Uruguai há uma área no departamento de Rocha que, há 50 anos, dizem ser indicada para se fazer um porto de águas profundas. Este porto deveria ser do Mercosul, propriedade de todos os governos, para ser utilizado por todas as economias. A esta altura temos que pensar muito adiante, ainda estamos com uma mentalidade muito limitada ao espaço nacional. E fazer negócios com coisas complementares. Nós não vamos fazer uma indústria automobilística. Para quê? Não tem sentido. Mas podemos fazer algo para a indústria brasileira.
O Uruguai é o primeiro país da América do Sul a garantir computadores portáteis para todas as crianças nas escolas. O país pretende investir na economia do conhecimento?
Sim, nossa luta é para nos transformarmos em um pequeno país com muita inteligência. Nós sonhamos que, dentro de vinte anos, todos os jovens tenham formação universitária. O Uruguai não só tem computadores para as crianças, é o primeiro país do mundo que tem todas suas vacas rastreadas eletronicamente, com chips. Temos um registro das vacas mais perfeito que o das pessoas. Temos que desenvolver inteligência aí, nesse setor, e vender esse conhecimento para o Brasil. Quem vai encher os navios de carne será o Brasil. Nós temos que vender a indústria veterinária, produtos, inteligência. E ser úteis ao desenvolvimento do Brasil. Não competir, mas sermos complementares. Fazer algo parecido com o que fazem a Finlândia e a Dinamarca na Europa. São países pequenos, mas que tiram partido do tamanho de seus vizinhos. Vendem inteligência. Por isso nos interessa o Mercosul.
Como o Parlamento do Mercosul pode ajudar o processo de integração?
Acho que ajuda no campo das ideias e dos costumes. Nós vamos ter como vice-chanceler o ex-presidente do Parlasul, Roberto Conde, por isso mesmo. O contato entre os parlamentares, ainda que não tenha uma decisão direta, ajuda a conformar um clima de negociação e de aproximação entre os Estados. Para nós é favorável.