postado em 01/01/2010 08:15
Barack Obama venceu as eleições e assumiu a presidência com a promessa de mudar o modo como o mundo vê os Estados Unidos após oito anos de era Bush. Para isso, mostrou-se disposto a reaproximar o país dos aliados e a dialogar com os inimigos, como Irã e Coreia do Norte. Procurou, nos seis primeiros meses, anunciar planos e fazer discursos que demonstrassem um avanço na política externa em relação ao governo anterior, mas especialistas são unânimes em afirmar que o primeiro ano da diplomacia de Obama não foi muito além das palavras.
[SAIBAMAIS]Apoiado por uma secretária de Estado com pouca experiência em política externa, e que também não teve tanta liberdade para tomar decisões, o presidente mais pareceu "tapar buracos" deixados pela administração de George W. Bush. Nos primeiros dias de governo, Obama anunciou o fechamento da controversa prisão de Guantánamo, nomeou enviados dos EUA para o Oriente Médio, o Afeganistão e o Paquistão e exortou outros países a participarem dos esforços contra o aquecimento global. No entanto, ele terminará o ano sem ter conseguido avanço algum no processo de paz entre israelenses e palestinos, sem fechar Guantánamo e com uma participação decepcionante na Cúpula de Copenhague.
"Obama teve uma ofensiva inicial muito positiva, com anúncios e visitas, mas não ofereceu nada de concreto. Não adianta ir para a África sem levar investimento, não adianta ir para a China e não criar uma estrutura de cooperação", afirma a professora Cristina Pecequilo, da Universidade Estadual Paulista (Unesp). De fato, no primeiro semestre de governo, Obama realizou um giro pela Europa, foi ao Iraque e à Rússia, fez uma simbólica visita a Gana e pronunciou discursos "históricos" dirigidos ao continente africano e ao mundo árabe. "Ele primeiro se focalizou nos principais aliados, como os europeus, porque precisa deles no Afeganistão e na Otan. Mas não soube aproveitar, por exemplo, o excesso de boa vontade que os outros países têm para com ele para conseguir apoio em assuntos como Irã e Coreia do Norte", avalia Pecequilo.
O Irã - e seu questionado programa nuclear - foi um dos temas de maior destaque no primeiro ano da diplomacia Obama. O presidente americano não só impulsionou as conversas multilaterais que resultaram em um acordo apresentado pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), como levou sua preocupação com o desenvolvimento do programa nuclear iraniano a praticamente todos os países que visitou. O governo de Mahmud Ahmadinejad, contudo, não aceitou o acordo para enriquecer seu urânio em outros países, e alguns vizinhos da América do Sul, inclusive o Brasil, iniciaram uma aproximação com Teerã, movimento visto por Washington como preocupante.
Para o cientista político William Allen, da Universidade Estadual de Michigan, a dificuldade em avançar no diálogo com Teerã é a evidência mais clara da ineficácia do chamado smart power (poder inteligente) - que seria a combinação da diplomacia (soft power) com o poder militar (hard power) -, adotado como uma das diretrizes na política externa do democrata. "Obama tentou encontrar o meio-termo entre dialogar com o governo do Irã e apoiar a mudança do regime, mas finalmente reconheceu que não é boa ideia tentar abraçar duas opções incompatíveis", destaca Allen.
Prioridade
Mesmo nas duas guerras, que foram claramente prioritárias na política externa, Obama fez menos do que se esperava dele - e, para os seus eleitores mais liberais, decepcionou ao ordenar o envio de mais 47 mil soldados ao Afeganistão. "As mudanças na política externa de Obama, em relação a Bush, têm se centrado na redefinição da %u2018guerra contra o terrorismo%u2019. Esse processo começou com uma tentativa de privilegiar o engajamento ao invés do confronto, mas as negociações ainda não produziram resultados", afirma Allen. Para Pecequilo, o presidente pecou ao não conseguir "imprimir uma doutrina Obama". "Tem uma ou outra declaração que dá uma ideia da postura que ele pretende seguir, mas a estratégia que está vigente é uma revisão de 2006 da doutrina Bush", observa a especialista.
Se na sua prioridade o presidente obteve resultados insatisfatórios, na América Latina a diplomacia Obama não foi mais eficaz. Não fosse pela crise em Honduras, que chamou a atenção de Washington, talvez o continente ficasse mais uma vez esquecido pelos EUA. "Cada novo presidente americano diz que vai dedicar mais atenção à América Latina, mas depois fica mais preocupado com crises imediatas em outros lugares. Obama não é uma exceção", ressalta o professor Mark Katz, da George Mason University. A demora em aprovar o novo subsecretário de Estado para a região, Arturo Valenzuela, prejudicou ainda mais a relação, arranhada pelo acordo sobre o uso, pelos EUA, de bases militares na Colômbia. Na opinião de Katz, os latino-americanos não devem esperar em 2010 maior atenção de Washington, "a menos que algo verdadeiramente desastroso ocorra na região".
DIPLOMACIA IN LOCO
O mundo visto por Obama
Iraque e Afeganistão
Um mês depois de assumir, o presidente prometeu retirar a maior parte das tropas do Iraque até agosto de 2010 e concluir a retirada no fim de 2011. Em junho, os militares americanos começaram a deixar a segurança das cidades do país a cargo das forças iraquianas, e a violência disparou. Em novembro, anunciou o envio de mais 30 mil soldados para o Afeganistão a partir
do início de 2010.
Europa
Foi o continente mais visitado por Obama e Hillary neste primeiro ano. A %u201Ccampanha de aproximação%u201D deu resultado: ele termina o ano aprovado por 77% dos europeus.
Rússia
Após a visita do presidente americano a Moscou, iniciaram-se negociações para substituir o acordo de desarmamento nuclear Start-1, da época da Guerra Fria, que expirou há um ano. Mas ainda não foi inciada a redução dos arsenais.
Irã
Em março, Obama enviou mensagem "à República Islâmica", propondo um "novo começo" nas relações, mas recebeu como resposta a exigência de "medidas concretas" para abrir um diálogo. Os dois países entraram em conversações diretas sobre o programa nuclear iraniano, mas o impasse persiste. No fim do ano, Hillary alertou os governos da região, inclusive o brasileiro, sobre as consequências de %u201Cflertar%u201D com o Irã.
Oriente Médio
Inicialmente, parecia que o novo governo se empenharia a fundo no processo de paz entre israelenses e palestinos. Contudo, embora tenha estendido a mão ao mundo islâmico, com um discurso pronunciado no Egito, Obama não dobrou resistências. Em setembro, mediou um encontro entre o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, e o presidente da Autoridade Palestina (AP), Mahmud Abbas, que não passou da retórica.
China e Ásia
Em sua visita ao Sudeste Asiático, Obama enfrentou protestos no Japão por conta da presença de uma base militar dos EUA. Em Pequim, ouviu que EUA e China devem evitar as barreiras protecionistas. Obama levará para os próximos anos de governo o desafio de manter boas relações com os chineses, a exemplo do que fez o governo Bush. Na Coreia do Sul, ele exigiu que Pyongyang retome o diálogo nuclear com o Ocidente. Um mês depois, enviou um representante à Coreia do Norte para iniciar um diálogo.
América Latina
Se não fosse pela crise em Honduras e pela polêmica sobre o uso pelos EUA de bases militares na Colômbia, a América Latina teria passado em branco. Obama foi à Cúpula das Américas e trocou apertos de mão com Hugo Chávez, mas a aproximação ficou nisso. Em relação a Cuba, o novo governo apenas eliminou restrições a viagens e envio de dinheiro dos exilados para a ilha, mas o embargo econômico continua.
África
O primeiro descendente de africanos a chegar à Casa Branca despertou uma onda de entusiasmo e simpatia no continente, mas de concreto fez apenas uma viagem simbólica a Gana, onde pronunciou um discurso endereçado ao continente. Hillary percorreu oito importantes países e condenou a corrupção e a repressão política.
Mudanças climáticas
Talvez o fracasso internacional de Obama que será mais lembrado, seja pelas expectativas que alimentou sobre um compromisso com a redução de emissões de gás carbômico, seja por ter culminado com a discreta participação na Conferência de Copenhague,
que terminou sem acordo.