Jornal Correio Braziliense

Mundo

Investigação de perfil dos passageiros pode ser mais reveladora que escâner

A linha que separa hoje as medidas de segurança contra o terror e o respeito à privacidade ficou ainda mais tênue depois do atentado frustrado a um voo para Detroit, no dia de Natal. Se alguns passageiros sentiam-se humilhados por tirar os sapatos e passar por revistas nos aeroportos, após o 11 de setembro de 2001, a nova ameaça intensificará ainda mais o rastreamento de possíveis terroristas, incluindo a ampla utilização do escâner corporal ; que desnuda virtualmente o passageiro ;, não só nos Estados Unidos, mas também em diversos países europeus. Outra medida polêmica é o retorno do profiling, que mapeia passageiros segundo características físicas e sociais, principalmente a origem.

;Viajar está prestes a se tornar mais inconveniente do que nunca. Mas alguém acredita que isso realmente nos deixará seguros contra um próximo Abdulmutallab (Umar Farouk, o nigeriano que tentou detonar um explosivo no voo rumo a Detroit), ou algum outro depois dele?;, argumenta Clifford May, presidente da Fundação para a Defesa das Democracias, um instituto de Washington especializado em terrorismo. A pergunta deve ser feita pelos governantes antes de determinarem vistorias cada vez mais invasivas sobre todos os que voam. Para May, as novas medidas podem ser um começo, mas ;estão longe de ser suficientes;: ;Nós aprendemos, no incidente do Natal, que um sistema de segurança bilionário para um aeroporto pode não funcionar;.

Segundo o especialista, hoje os agentes de segurança se concentram em buscar possíveis armas em ;canivetes suíços, cortadores de unhas e tubos de pasta de dente;, mas não procuram os ;terroristas;. ;Seria necessária uma revista extremamente intrusiva para encontrar o explosivo carregado por Abdulmutallab. Mas teria sido simples reconhecer que ele era de alto risco observando que pagou a passagem em dinheiro e não tinha bagagem, ou ainda pela ascendência;, observa May. Para o especialista, essa opção não seria condenável, por classificar o passageiro segundo um ;perfil de terrorista; que leva em conta a origem, o passado e padrão de comportamento, mas não características raciais.

O cientista político Benjamin Friedman, do Instituto Cato, afirma que, em curto prazo, o foco contra o terrorismo deve ser ;na inteligência e no policiamento;, mas que isso não inclui necessariamente a utilização mais ampla de escâneres corporais. ;Não está claro o quanto esse equipamento teria ajudado no caso do nigeriano. Só a enorme despesa e as preocupações com a privacidade já são bons motivos para abandonar a ideia;, avalia.

Jim Harper, diretor de Estudos de Política de Informação do Instituto Cato, concorda que o escâner ;não é uma mágica;. ;Ainda será possível esconder explosivos no corpo. O equipamento dá uma pequena margem de segurança, mas a um alto custo para a privacidade das pessoas;, argumenta.

Para Robert Turner, diretor do Centro de Segurança Nacional da Universidade de Virgínia, é preciso ;equilibrar privacidade e o pudor com a necessidade de prevenir; ataques terroristas. ;Em um mundo perfeito, não gostaríamos de usar escâneres corporais, mas talvez seja uma medida necessária.;

Longo prazo
Os especialistas ouvidos pelo Correio concordam que quaisquer novas medidas tomadas em aeroportos devem ser acompanhadas de mudanças estruturais, que deem resultados a longo prazo. ;Nossos inimigos atuais são atípicos. Dizer a um terrorista da Al-Qaeda que se ele sequestrar um avião e jogá-lo contra um grande edifício ele será investigado, julgado e colocado na cadeia não funciona: ele sabe que estará morto antes de podermos fazer qualquer coisa;, observa Turner. ;Uma das razões por que é tão fácil para a Al-Qaeda recrutar suicidas é que a qualidade de vida, para milhões de jovens árabes, é muito baixa. Nosso trabalho é identificar os objetivos desses jovens e usar incentivos positivos;, sugere.

Harper, por sua vez, acredita que ;uma luta eficaz contra o terrorismo exige uma política externa que crie menos terroristas;. Na sua opinião, é preciso ;retirar nossos militares do Oriente Médio e do Sul da Ásia e parar de dar às pessoas desses países a ideia de que os americanos estão tentando manipular suas políticas;

Alerta no ar
O nigeriano Umar Farouk Abdulmuttalab, que tentou explodir um avião na rota Amsterdã-Detroit, no Natal, teria confessado em interrogatório que a rede terrorista Al-Qaeda treinou 20 suicidas para ataques durante voos. A revelação teria motivado a decisão dos EUA de reforçar os controles sobre voos originários de 16 países. A embaixada norte-americana em Cartum, no Sudão, alertou ontem em sua página na internet sobre uma ameaça de atentado contra um voo procedente de Uganda e recomendou aos cidadãos que tomem precauções extras de segurança. ;Recebemos informação que indica que extremistas pretendem cometer um ataque a bordo de um avião da Air Uganda entre Campala (capital ugandense) e Juba (no sul sudanês);, diz o texto. Por causa do alarme, um voo que fazia esse trajeto retornou à origem.