Três dias depois de anunciar a desvalorização da moeda venezuelana, o bolívar, o governo do presidente Hugo Chávez anunciou ontem um plano de racionamento de eletricidade em todo o país, com cortes de fornecimento durante quatro horas por dia. Desde dezembro, os venezuelanos enfrentam medidas de restrição do consumo de energia, como a redução do horário de funcionamento de centros comerciais e indústrias. ;Em 11 anos de desgoverno, o comandante (Chávez) e seu séquito fizeram todo o possível para deixar-nos na escuridão;, desabafou ontem um leitor do jornal venezuelano El Nacional. A oposição já prepara uma grande marcha de protesto contra as medidas econômicas do governo, de olho nas eleições legislativas deste ano.
O plano de racionamento determina que os órgãos públicos funcionem apenas entre 8h e 13h. O ministro da Energia Elétrica, Ángel Rodríguez, acredita que a administração direta reduza de 50% a 75% o consumo habitual de eletricidade. A princípio, os cortes seguirão até maio, quando se espera a temporada de chuvas no país. O Ministério da Energia estima que o nível de água na principal hidrelétrica do país, a de Guri, com 261,7m, poderia cair abaixo do mínimo operacional antes do fim da seca, se o país continuasse consumindo energia no padrão atual. ;Estamos tratando de evitar uma situação bem no fim de fevereiro, um apagão geral no país;, enfatizou Rodríguez. A hidrelétrica de Guri gera 70% da eletricidade fornecida ao país.
Os detalhes do racionamento foram expostos pelos diretores das subsidiárias regionais da Corporação Elétrica Nacional (Corpoelec), responsável pelo fornecimento de energia no país. As autoridades contam com o Partido Socialista Unido da Venezuela (Psuv, pró-Chávez) para estimular o uso de lâmpadas de baixo consumo em todo o território. Até o fim do ano passado, o governo calcula que foram instaladas 8 milhões de unidades, o que propiciou poupar 420 megawatts. ;Se colocarmos as 50 milhões de lâmpadas que estimamos, haverá uma economia energética considerável;, disse o ministro.
Desvalorização
Desde o fim de semana, antecipando-se ao impacto da depreciação do bolívar, os venezuelanos lotaram lojas e supermercados para comprar aparelhos elétricos. ;As pessoas compram eletrodomésticos como forma de proteger o dinheiro, porque, com uma desvalorização dessa magnitude, os preços aumentarão notavelmente;, disse ao Correio, de Caracas, o analista de mercados financeiros Carlos Jiménez.
Em novembro passado, Chávez tinha pedido à população para reduzir o tempo no banho a três minutos a fim de diminuir o consumo de água e eletricidade. ;Um minuto para se molhar, outro para se ensaboar e o terceiro para se enxaguar. O resto é desperdício;, disse o presidente. Neste cenário, não é só a moeda que diminui de valor, mas também a popularidade do governante. Segundo pesquisa da consultoria Datanálisis, a taxa de aprovação de Chávez está abaixo de 50%. O diretor da empresa, Luis Vicente León, acredita que não foi o tema da insegurança que afetou a imagem do chefe de Estado, mesmo depois de Caracas ser considerada a quarta cidade mais violenta do mundo. Para León, o racionamento de energia teve impacto pior, pois demonstrou que ;a crise se instalou nos lares;.
Com eleições legislativas marcadas para setembro, Chávez terá de se preparar para manifestações. A oposição, reunida na coalizão Mesa da Unidade, convidou ;todos os que acreditam na liberdade e na democracia; para marchar em Caracas, no próximo dia 23. O prefeito metropolitano, Antonio Ledezma, um dos líderes oposicionistas, disse que a mobilização servirá para expressar a rejeição às recentes medidas econômicas adotadas pelo governo.
Dólar dispara no câmbio paralelo
A Venezuela, que registrou em 2009 a maior inflação da América Latina, tornou-se também o país com o maior número de tipos de câmbio do mundo. Na última sexta-feira, o presidente Hugo Chávez decretou a desvalorização do bolívar e o fim do câmbio fixo para a moeda nacional. Agora, os venezuelanos terão uma taxa de conversão preferencial para alimentos, remédios e produtos de primeira necessidade (2,60 bolívares por dólar). Para os demais produtos, a taxa saltou de 2,15 bolívares por dólar (valor registrado desde 2005) para 4,30. Além das duas taxas oficiais, o mercado paralelo registra cotação de 6,20 bolívares por unidade da moeda americana.
"A medida caiu de surpresa, porque fazia anos que o câmbio estava fixo em 2,15. Como teremos eleições em setembro, não se esperava isso", disse ao Correio o analista Carlos Jiménez. Ele avalia que a taxa no mercado paralelo subiu um pouco pelo " dos investidores, mas acredita que a cotação do dólar para importação de alimentos continuará muito controlada pelo governo.
Para o ministro do Planejamento, Jorge Giordani, o novo sistema de câmbio oferece uma grande chance para o setor produtivo nacional: o governo espera reduzir em até 40% as importações. setor privado tem uma oportunidade de ouro para criar uma economia interna mais forte", disse Giordani. Jiménez, porém, não concorda com o ministro. teoria é assim, mas não há capacidade de produção. Aqui, a indústria local foi muito golpeada pelas próprias políticas governamentais", argumenta o analista.
Depois de anunciar a desvalorização, Chávez avisou que o governo e o Banco Central (BCV) intervirão no mercado paralelo para evitar manejo especulativo das divisas. Domingo Maza, ex-diretor do BCV, acredita que o dólar paralelo tendo uma grande importância na fixação dos preços, caso se mantenha o esquema de limitação e a demora na liquidação de dólares oficiais", que caracterizaram o sistema de administração de divisas. Analistas concluem que, no curto prazo, a desvalorização deve dobrar o valor nominal das receitas de exportação de petróleo ; o que servirá para financiar os gastos de Chávez em um ano eleitoral. No entanto, aumentará também a inflação, que fechou 2009 em 25%, e prejudicará o consumo dos venezuelanos.
Enquanto o preço não sobe...
Desde o fim de semana, os supermercados e lojas de eletroeletrônicos de Caracas estão às voltas com uma invasão de consumidores dispostos a arrematar os equipamentos disponíveis pelos preços em vigor antes da desvalorização do bolívar em 50% para mercadorias que não sejam consideradas de primeira necessidade. Os comerciantes foram duramente advertidos pelo governo para não remarcarem os preços dos produtos, sob pena de terem os estabelecimentos expropriados e ;entregues aos trabalhadores;. A ameaça foi feita por Hugo Chávez no domingo, pela TV, e logo na segunda-feira as autoridades determinaram o fechamento temporário das lojas da rede de supermercados Exito, acusada de ;especulação;. Cumprindo o prometido, o governo enviou soldados da Guarda Nacional para fiscalizar o comércio e coibir qualquer ;abuso; por parte dos empresários.