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Haitianos buscam atendimento médico na República Dominicana

Na capital destruída, Porto Príncipe, apenas um hospital ficou de pé

postado em 15/01/2010 07:01
Vários ônibus da capital haitiana, Porto Príncipe, cruzaram ontem a fronteira para a República Dominicana. Nos veículos, cerca de duas mil pessoas buscavam atendimento médico. Elas não conseguiram ser atendidas pelo único hospital em Porto Príncipe que ficou de pé depois do terremoto na terça-feira. Segundo um comunicado do governo dominicano, os três hospitais em Jimani - cidade de 11 mil habitantes a 280 km da capital Santo Domingo- estão coordenando as operações de ajuda humanitária.

No hospital General Meleciano, haitianos de todas as idades chegaram com fraturas em várias partes do corpo. O hospital é simples, mas tem sido referência no Haiti pelo grande esforço humano dos funcionários, que lutam para vencer as limitações e atender os haitianos. "Somos o hospital de referência do Haiti na República Dominicana, porque é o mais próximo. Há muitos atendimentos por traumatismo e também estamos fazendo cirurgias", disse o diretor médico do hospital, Francis Moquete, ao jornal dominicano El Vocero. Segundo um boletim do Centro de Operações de Emergência (COE), 200 pessoas foram operadas na cidade.

Moquete recorda que a única situação similar enfrentada pelo hospital aconteceu em 24 de março de 2004, quando houve uma inundação na área. A diferença é que na época se tratava de feridos nacionais, quando agora os feridos vêm do país vizinho. "Aqui há duplamente uma situação de crise, porque eles chegam feridos e não falam espanhol. Fica difícil a comunicação. Temos que falar com eles em francês", contou o médico Teófilo Pichardo, também do hospital General Meleciano.

Resistência

A viagem de Porto Príncipe dura aproximadamente 45 minutos e exige muita resistência dos feridos. Segundo a enfermeira Analidis Dotel, uma haitiana grávida conseguiu se salvar atirando-se da janela de sua casa no momento do terremoto. "Graças a Deus, se salvou. Já fizemos o ultrassom e o bebê está bem", afirmou.

Os haitianos chegam também em ambulâncias do governo da República Dominicana e em veículos privados, dependendo da gravidade. Os feridos mais graves ficarão em Jimani apenas para os primeiros socorros. Eles devem seguir viagem para Santo Domingo, onde serão atendidos por centros melhor equipados. Outros feridos também serão encaminhados para províncias do oeste, como Barahona.

Apesar de o presidente dominicano, Leonel Fernández, ter ordenado a abertura dos hospitais na fronteira, as autoridades do país mantiveram o controle alfandegário, com receio de que uma onda de imigrantes haitianos e detentos que escaparam da prisão em Porto Príncipe invadam a República Dominicana. Os militares e a polícia dominicana, porém, estão reforçando as equipes de resgate.

A fim de ajudar os vizinhos, um centro logístico foi instalado em Jimani para reunir grupos de assistência humanitária. Os dominicanos enviarão caminhões carregados de alimentos, água e uma cozinha móvel. De acordo com um comunicado oficial, o presidente autorizou ao escritório do Plano Social da Presidência a entrega de 300 mil porções diárias de comida crua, enquanto os Refeitórios Econômicos do Governo levarão também diariamente 10 mil refeições. Além da comida, os assistentes incluirão doses de vacinas contra tétano para os feridos.

; Falta de logística, um pesadelo

Com tanta ajuda financeira e humanitária chegando ao Haiti de todas as partes do mundo, o país encara agora o desafio de organizar esses esforços. As equipes de resgate que chegam pelo ar, por terra ou pelo mar enfrentam o pesadelo logístico de transportar e decidir para onde enviar bombeiros, engenheiros, água, comida e remédios.

Segundo o correspondente da BBC em Porto Príncipe, Andy Gallagher, não se vê nenhum indício de que exista um esforço organizado para coordenar a ajuda. O aeroporto internacional de Porto Príncipe está funcionando em parte devido aos militares americanos, que assumiram o controle do tráfego aéreo.

"Há aviões que estão aterrissando no Haiti por controle manual. Apesar desse obstáculo, a missão da ONU organizou os capacetes azuis no aeroporto para ajudar no manejo dos aviões que chegam", afirmou Mark Katz, especialista do escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA, na sigla em inglês). "O grande desafio será descarregar os mantimentos e enviar a quem precisa", disse Florian Westphal, porta-voz do Comitê Internacional da Cruz Vermelha em Genebra. Segundo ele, alguns aviões de ajuda humanitária aterrissaram, mas não havia equipes para descarregá-los e o ambiente era "pouco seguro".

; Porto inoperante


O principal porto do país está inoperante. O assessor da empresa Terminal Varreux, Richard Lebrun, disse que os dois terminais portuários foram destruídos pelo terremoto. A companhia informou que 30 trabalhadores afundaram quando realizavam uma limpeza nas docas no momento do terremoto.

"Eu acho que será pior do que podemos imaginar", opinou Richard Dupin, vice-presidente da empresa Haiti Shipping Lines, de Miami. O empresário destaca que o Cabo Haitiano, um porto localizado no lado norte da ilha que não foi afetado pelo desastre e fica a cinco horas de carro de Porto Príncipe, deverá se tornar o principal caminho para a chegada dos suprimentos.

No entanto, muitas estradas que não foram destruídas pelo terremoto estão tomadas por sobreviventes. Para complicar ainda mais, as cinco empresas de telecomunicações do Haiti foram afetadas e falta energia elétrica, o que dificulta a comunicação entre as autoridades civis e militares.

"Será o maior desafio logístico", disse Elisabeth Byrs, porta-voz da OCHA. Já o chanceler francês, Bernard Kouchner, manifestou preocupação de que haja "competição" entre as organizações humanitárias e que isso se torne um obstáculo para a entrega da ajuda. (VV)

A imagem da esquerda mostra Porto Príncipe antes do terremoto de terça-feira passada. As casas têm os telhados avermelhados, o Palácio Nacional (1) se destaca na paisagem como o mais importante monumento do Haiti, a Catedral (2) em forma de cruz salta aos olhos. Na fotografia tirada por um satélite anteontem (direita), o cinza revela a destruição do tremor. A maior parte das casas desabou e as ruas ficaram bloqueadas por escombros. O Palácio Nacional ficou praticamente destruído e a Catedral teve o telhado arrancado.

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