postado em 01/02/2010 09:13
Renato Alves
Enviado Especial
Porto Príncipe - Cidade mais atingida pelo terremoto de 7.1 graus de magnitude na escala Richter, a capital do Haiti, Porto Príncipe, abriga 3 milhões dos cerca de 9 milhões de habitantes do pequeno país. A metrópole cresceu rápida e desordenadamente. O modelo econômico adotado durante décadas teve efeitos devastadores para todo o país. As chamadas sweatshops - fábricas onde eram feitas roupas de grifes famosas, vendidas nos Estados Unidos - causaram uma maciça migração interna. Atraíram a mão de obra barata e desqualificada dos pequenos agricultores que já não tinham muita terra fértil para plantar. Essa gente saída do interior se instalou em favelas na capital.
O governo haitiano estima que 70% da cidade se foi com o tremor. Casas grandes, nos bairros ricos, estão totalmente destruídas. Já nas favelas, à beira-mar, como Cité Soleil, quase não se vê escombros, pois suas construções são de papelão e madeira. Nas ruas comerciais, contudo, onde ficam os edifícios mais altos, um colado ao outro, o cenário é de guerra. Parece que várias bombas caíram por lá. O padrão de construção no Haiti é inaceitável para uma cidade situada sobre uma falha tectônica. Combinação fatal.
O gourde, a moeda local que quase não tinha valor, virou pó com o terremoto. Todos agora só aceitam dólar americano no Haiti. O serviço de guia, por exemplo, sai a US$ 20 por dia. Com o carro, salta para US$ 100. Uma fortuna para os haitianos. Mas, com o país devastado, os sobreviventes não têm acesso a bens e produtos mais básicos. O pouco que resta em Porto Príncipe ou chega via República Dominicana ou é vendido a peso de ouro. Quem consegue juntar grandes quantidades de água, comida ou gasolina ganha muito dinheiro no mercado negro.
No centro da capital, o combustível passou a ser vendido por ambulantes, em todo tipo de recipiente, a preços 200% mais caros do que antes do terremoto. Donos de caminhonetes transformadas em ônibus - as coloridas, inseguras e desconfortáveis tap-taps - transportam galões de gasolina no lugar dos passageiros, que pagavam centavos de dólar por uma viagem. Os poucos hotéis poupados pelo forte tremor cobram diárias de US$ 200, com uma refeição básica a US$ 30, o dobro do período normal.
Sobreviventes menos gananciosos e sem um carro ou o conhecimento de outra língua para oferecer aos estrangeiros buscam o sustento nos escombros. Não são saqueadores de lojas. Eles tiram a madeira e, principalmente, as vigas de aço das casas e dos prédios destruídos para vender a um ferro-velho. O receptor do material tem esperança de revender o produto à população em uma futura reconstrução dos imóveis. "A gente tira até uns US$ 10 por dia. Dá para alimentar a família toda", conta Jean-François, dono de uma borracharia destruída, casado, pai de sete crianças.
Esgoto e comida
Nas feiras livres, há um aglomerado de comida e lixo a céu aberto. Ambulantes e clientes convivem com porcos, cachorros sarnentos, cavalos e ratos. Desabrigados compram esteios arrancados de árvores para erguer suas tendas no meio da rua. Fazem isso usando lençol e qualquer pedaço de plástico que sobrou depois do terremoto. Para cozinhar a comida que conseguem, usam carvão, praticamente a única fonte de energia do país - por isso, só 0,5% da cobertura vegetal nativa resistiu às queimadas. Os principais recursos naturais são o mármore e o calcário, cujas explorações estão estagnadas. Os rios não são perenes.
O salário mínimo no Haiti é de 120 gourdes na indústria têxtil (pouco mais de R$ 100). O desemprego de 80% pressiona os trabalhadores a aceitarem o que lhes oferecem. Grandes empresas têxteis norte-americanas pagam salários mais baixos que os chineses, para produzir jeans e malhas. Para essas empresas, a miséria haitiana é uma grande fonte de lucros. O único grande moinho de trigo do Haiti foi severamente danificado pelo terremoto, o que prejudicou a fabricação de farinha e complicou os esforços para alimentar a população.