postado em 04/02/2010 09:15
Primeiro, os estudantes. Depois, os jornalistas. Agora, são autoridades e técnicos do setor elétrico na Venezuela que criticam cada vez mais duramente as decisões do governo do presidente Hugo Chávez. Um dia depois de o governante anunciar que o ministro de Tecnologia cubano, Ramiro Valdés, será o responsável pela comissão de energia elétrica na Venezuela, o porta-voz do partido oposicionista Um Novo Tempo, Enrique Márquez, rejeitou ontem publicamente a chegada do cubano ao país.
[SAIBAMAIS]Para Márquez, o novo assessor do ministro de Energia Elétrica, Alí Rodríguez Araque, "não tem capacidade técnica" para a função e chega por uma "decisão puramente política" de Chávez. "Trazem-nos um comandante da revolução (cubana) que jamais pisou numa planta de energia para nos assessorar nessa matéria. Queremos destacar que Valdés só governou Cuba com repressão e um fuzil na mão. Nunca gerenciou questões de energia", disse o porta-voz do partido de oposição, convocando o "povo da Venezuela" a "despertar". O presidente do Partido Popular Copei, Luis Carlos Solórzano, também rechaçou a escolha de Valdés. "Quanto custará seu cargo e quanto já entregamos para financiar Cuba, Nicarágua, Bolívia e Equador?", disparou. Com um relatório da Corporação Elétrica Nacional, Solórzano indicou que apenas oito das 20 turbinas da hidrelétrica de Guri (responsável por 70% da demanda do país) estão operativas. "Dentro de 120 dias terão que apagar a luz da Venezuela por colapso do sistema", arriscou-se a dizer.
Além da presença de Cuba para resolver as questões elétricas, a Venezuela deve receber técnicos da Eletrobrás, conforme já havia anunciado o assessor da presidência Marco Aurélio Garcia. Entre hoje e amanhã, o Ministério de Minas e Energia em Brasília receberá uma comitiva venezuelana e decidirá sobre o envio de técnicos brasileiros à Venezuela. Os brasileiros terão que ensinar os venezuelanos sobre como manter o funcionamento das usinas e não perder energia, mesmo durante a época de seca - conhecimento que o Brasil adquiriu em detalhes depois do racionamento de energia em 2001.
Em Caracas, engenheiros elogiaram a capacidade brasileira, mas também questionaram o papel do ministro cubano na solução da crise energética. O professor de engenharia elétrica da Universidade Simón Bolívar (USB) José Manuel Aller comentou que "não há problema em que pessoas capacitadas do mundo nos ajudem a resolver a crise. Ainda que aqui haja pessoal capacitado, não podemos descartar os especialistas de outros países. Fizemos intercâmbios para o desenvolvimento elétrico do país com franceses, alemães, americanos, brasileiros e colombianos. Em Cuba, essa atividade não está tão desenvolvida", disse o professor ao jornal El Universal. Aller criticou Chávez por não reunir esforços nacionais para resolver a crise. "Não se chamou os profissionais de qualidade, que no país há muitos. Ele continua pensando que o problema tem elementos políticos, quando é de índole técnica." E completou: "Não julgo a capacidade dessa pessoa(Valdés), mas no caso de países vizinhos, o Brasil tem uma enorme experiência".
Desrespeito
O presidente do Colégio de Engenheiros da Venezuela (CIV), Enzo Betancourt, qualificou a decisão de Chávez como um "desrespeito" com engenheiros venezuelanos, sobretudo com os que fazem parte de seu movimento político. "O presidente acaba de decretar a cubanização da energia elétrica na Venezuela. Aqui há suficiente capacidade profissional, técnica, acima da de Cuba. A Venezuela ultrapassou há 50 anos a situação elétrica que Cuba tem hoje." O escritor e analista político cubano Carlos Montaner avalia que o caráter da presença de Valdés na Venezuela não seria de ajuda para solucionar o problema energético, mas teria um fim "repressor", para intimidar a classe no poder. "É uma terrível humilhação para os venezuelanos, para os militares e para o aparato de poder que mandem este senhor impor a ordem na Venezuela", disse ontem à Unión Radio, de Caracas.
Já o deputado do partido oficialista Podemos Juan José Molina buscou ontem um culpado pela escassez energética. Ele entregou à Comissão da Controladoria da Assembleia Nacional documentos sobre a suposta vinculação do ministro de Obras Públicas, Diosdado Cabello, com empresas que não entregaram a tempo obras do setor elétrico. "Três obras estão atrasadas por mais de um ano. Do ponto de vista da controladoria, é um caso de corrupção, porque existe o costume de atrasar as obras para aumentar os preços", disse o legislador.