postado em 11/02/2010 09:01
Dessa vez, ele caminhará pelos corredores e visitará as celas da prisão de Victor Verster como um homem livre. Aos 91 anos, precisará de apoio durante o percurso simbólico de 500m. O retorno do ex-presidente sul-africano Nelson Rolihlahla Mandela ao cárcere coincide hoje com o 20º aniversário de sua libertação. Será mais um ato de um líder que soube usar o perdão e a paciência para combater o apartheid - o regime de segregação racial encampado pelo Partido Nacional da África do Sul entre 1948 e 1994.
[SAIBAMAIS]No último dia 4, Mandela recebeu em sua casa um seleto grupo de convidados para um jantar alusivo à data. Entre eles, estavam Christo Brand, o guarda de Robben Island - onde esteve aprisionado entre 1978 e 1987 - que tornou-se amigo e admirador do ex-líder. Frederik Willem De Klerk, o último presidente sul-africano da era do apartheid, lembrou durante o encontro que sua decisão de libertar Mandela "evitou uma catástrofe". "Nós seríamos, sem dúvida, capazes de manter o controle por muitos anos, mas sob circunstâncias repugnantes e inaceitáveis", afirmou, citado pela agência France-Presse. De Klerk e Mandela dividiram o Prêmio Nobel da Paz, em 1993, "por seu trabalho pelo fim pacífico do regime do apartheid, e pela fundação das bases de uma nova África do Sul".
De acordo com o sul-africano Dirk Kotzé, cientista político da Universidade da África do Sul (Unisa), Nelson Mandela foi o principal símbolo do Congresso Nacional Africano (ANC, pela sigla em inglês), o partido majoritário do governo. "O decreto do fim da clandestinidade do ANC, em 2 de fevereiro de 1990, e a libertação de Mandela, nove dias depois, indicaram o início de um processo de negociação e de normalização da política", explica o especialista ao Correio, por e-mail.
Kotzé lembra que Mandela era visto como elemento-chave para o retorno do país à comunidade internacional. "Sua reputação internacional era tão grande que ele foi crucial para liderar o processo de transição", comenta. "Mandela também organizou a integração do ANC a organizações políticas internas, como a Frente Democrática Unida (UDF)", acrescenta. Mas isso não foi fácil, em meio a diferentes tradições e culturas organizacionais. "A desmobilização do Umkhonto we Sizwe, braço armado do ANC, também foi difícil", diz o analista.
O cientista político acredita que o legado de Mandela para as gerações futuras será a transição negociada e pacífica na África do Sul. "Mas também ele é um símbolo da reconciliação e do perdão", admite Kotzé. "Ele marcou por sua insistência em construir uma nação multicultural, baseada na ideia da não segregação."
Durante parte do tempo na cadeia, Mandela cultivou o hábito de ler poemas. Tinha preferência por um deles, intitulado Invictus, de autoria do britânico William Ernst Henley. "Eu sou o dono e senhor de meu destino. Eu sou o comandante de minha alma", afirmam os versos recitados pelo sul-africano atrás das grades. Parecia um prenúncio de que Mandela deixaria a prisão para se eternizar como o guardião da liberdade de seu povo.