postado em 25/02/2010 08:25
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva iniciou em Cuba uma visita de despedida de Fidel e Raúl Castro e de apoio a investimentos brasileiros na ilha, mas sua agenda foi atravessada pela morte de um preso político que manteve uma greve de fome por 85 dias e expirou horas antes da chegada do visitante, na noite de terça-feira. Reina Tamayo, mãe do dissidente Orlando Zapata Tamayo, chorava ontem a perda do filho, que tinha 42 anos e cumpria pena de até 36 anos por ;falta de respeito;, ;desordem pública;, ;resistência; e ;desobediência;. O presidente Raúl Castro, em gesto inédito, viu-se constrangido a comentar o assunto na coletiva que concedeu ao lado de Lula, ao fim de uma reunião de trabalho. Ele ;lamentou; a morte, mas atribuiu o desfecho trágico da greve de fome ;às relações (de Cuba) com os Estados Unidos;.;Orlando Zapata Tamayo sentiu que não tinha outra saída senão morrer de fome, em sinal de protesto, o que representa uma terrível amostra da contínua repressão política de que são objeto os dissidentes em Cuba;, disse em comunicado a organização humanitária Anistia Internacional. O texto reitera o pedido pela libertação incondicional de todos os prisioneiros políticos em Cuba. Só em 2003, na operação Primavera Negra, o regime comunista prendeu 75 ativistas que pediam mudanças políticas.
A Comissão Cubana de Direito Humanos e Reconciliação Nacional (CCDHRN), formada por opositores, relatou que 50 dissidentes foram detidos ou retidos em casa para evitar que assistissem ao funeral de Zapata. ;Desatou-se uma onda de repressão política; denunciou o porta-voz da comissão, Elizardo Sánchez.
Raúl Castro, questionado pela imprensa brasileira durante a coletiva que concedeu ao lado de Lula, lamentou a morte de Zapata, mas garantiu que o dissidente recebeu atendimento médico. ;Levamos (o preso) ao hospital várias vezes;, garantiu o presidente cubano, que não apenas culpou os EUA, mas empurrou para Washington as acusações de tortura feitas pela mãe do opositor. ;Em Cuba não se pratica tortura. Isso acontece em Guantánamo;, afirmou, em referência à base americana que opera na ilha.
O Departamento de Estado dos EUA respondeu, em comunicado, que a morte de Tamayo destaca a ;injustiça de Cuba por manter na prisão mais de 200 presos políticos;. Enquanto isso, a blogueira Yoani Sánchez (1) ; atualmente uma das mais notórias opositoras do regime ; divulgava um vídeo no qual Reina Tamayo expressa sua ;dor profunda;. ;Meu filho perdeu a vida. Um assassinato premeditado. Meu filho foi torturado todo o tempo em que esteve na prisão;, acusa a mãe de Zapata.
Lula fez sua quarta e última visita como presidente aos irmãos Castro. Como nas três anteriores, o presidente brasileiro excluiu da agenda encontros com a oposição cubana. Desta vez, 50 presos dissidentes enviaram cartas pedindo a Lula que intercedesse por eles nas conversas com Raúl, mas o governante alegou que não as recebeu.
Após a morte de Zapata, o líder do Movimento Cristão pela Libertação, Oswaldo Payá, criticou Lula duramente, em carta aberta: ;Denunciamos a todos os governos e Estados que, neste continente e no mundo, preferem a relação harmoniosa com a mentira e a opressão à solidariedade aberta com o povo cubano. Todos são cúmplices do que ocorre e do que venha a ocorrer;.
Reações
Na Espanha, o premiê José Luis Rodríguez Zapatero se referiu de forma velada à morte de Zapata, ao dizer no Congresso Mundial contra Pena de Morte que ;ninguém tem o direito de arrebatar a vida de outro ser humano;. A declaração não impediu que o oposicionista Partido Popular (PP) pedisse que o governo ;redefina suas relações; com Cuba, uma vez que a política externa de Zapatero reaproximou a Espanha do regime de Havana.
O assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, que acompanhou Lula, também qualificou de lamentável a morte do dissidente, mas justificou: ;Há problemas de direitos humanos no mundo inteiro;. Evitando falar sobre o assunto, Lula se encontrou com Fidel Castro, acompanhado do ministro da Secretaria Especial de Comunicação da Presidência, Franklin Martins, e comentou que o ex-presidente está ;excepcionalmente bem;.
Horas antes, Lula visitou com Raúl o Porto de Mariel, a 50km da capital, onde o Brasil ajuda a financiar obras de ampliação e modernização. Serão US$ 450 milhões para a construção ou reforma de estradas, ferrovias e depósitos do complexo portuário. A obra foi encarregada à construtora brasileira Odebrecht, que deve começá-la no primeiro trimestre deste ano. Lula também conversou sobre o projeto de prospecção de petróleo em águas cubanas do Golfo do México pela Petrobras.
1 - Blogueira barrada
A premiada blogueira Yoani Sánchez, 32 anos, não poderá participar do 5; Congresso Internacional da Língua Espanhola, de 2 a 5 de março, na cidade chilena de Valparaíso. Convidada para falar sobre o uso do espanhol e as novas tecnologias, Yoani revelou ontem que já tem o visto chileno, mas lhe falta o mais difícil e ;angustioso;: a permissão de saída das autoridades de seu país. A Academia de Letras Cubana considerou que ;foram convidadas pessoas que não contam com aval para refletir e discutir sobre o destino do espanhol, e cuja presença no conclave só pode ser interpretada como uma provocação política;. Yoani chegou a pedir ajuda da presidenta chilena, Michele Bachelet, e do rei Juan Carlos, da Espanha, mas os apelos não deram resultado.