postado em 26/02/2010 07:00
Pouco antes das 7h (hora local) de ontem, cerca de 200 pessoas entoaram La Bayamesa, o Hino Nacional de Cuba. No cemitério La Güira, em Banes ; na província de Holguín, 840km a leste de Havana ;, ecoou a letra oportuna: ;Não temai uma morte gloriosa, que morrer pela pátria é viver;. Enquanto o caixão com o corpo do cubano Orlando Zapata Tamayo, 42 anos, baixava à sepultura, amigos e familiares do pedreiro gritavam, em homenagem ao preso político morto na última terça-feira, ao completar 86 dias de greve de fome. ;Orlando Zapata vive em nossos corações. Orlando não morreu!”Entre eles, Reina Luisa Tamayo tinha a certeza de que seu filho acabara de se transformar em um mártir. ;O discurso de despedida foi feito pelo ex-preso político Daniel Mesa Castillo, com frases bonitas, como a que Orlando merecia;, contou a mãe do dissidente (leia a entrevista nesta página). ;Meu filho lutou pacificamente pela democracia e pela liberdade do povo cubano;, acrescentou, antes de desabafar: ;Cuba tem que pagar por qualquer preço;.
A conquista da democracia e da liberdade, no entanto, pode ter um preço muito alto. Desde terça-feira, as forças de segurança cubanas detiveram ao menos 100 dissidentes ; a maior parte em Banes ; e impuseram uma espécie de estado de sítio na cidade de 80 mil habitantes. ;Estávamos no cemitério, a um quilômetro da casa de Reina. A polícia não permitiu que as pessoas chegassem à residência. Muitas foram detidas pelo caminho e conduzidas a Intrucciones, a 80km. Somente em Banes, foram mais de 20 opositores presos ontem;, relatou ao Correio a ativista Marta Días Rondon, 46 anos, vice-presidenta do movimento feminista. ;Um casal foi preso com um bebê de 11 meses por mais de quatro horas. Outro menino ficou sob poder da polícia por nove horas e reclamava de dores no estômago.;
Por telefone, de Havana, o ativista Elizardo Sánchez, fundador da Comissão Cubana de Direitos Humanos e Reconciliação Nacional (CCDHRN), disse à reportagem que a ilha enfrenta a pior situação de direitos civis, econômicos, políticos e culturais em toda a Iberoamérica. ;A morte de Orlando Zapata Tamayo é um crime horrendo, de absoluta responsabilidade do governo dos irmãos Castro;, afirmou. Ele acusou o presidente Raúl Castro de entregar um ;presente macabro; ao brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, que esteve anteontem em Havana. ;Orlando Zapata era um operário de 42 anos, tinha 35 ao ser encarcerado e foi rapidamente considerado prisioneiro de consciência pela Anistia Internacional;, explicou Sánchez. A organização não governamental inseria nessa categoria 55 dos 200 presos políticos de Cuba.
Apelos
A Igreja Católica de Havana considerou o episódio ;uma tragédia para todos; e exortou o governo a evitar que se repitam ;situações como essa;. Em nota da Conferência Episcopal, os bispos cubanos pediram a Raúl Castro a criação de ;condições de diálogo e entendimento idôneo;. Eles também manifestaram a oposição às greves de fome ; ;uma forma de violência que a pessoa exerce sobre si mesma;. A reação do próprio presidente cubano causou surpresa e repulsa da comunidade internacional. Em uma atitude sem precedentes, Raúl afirmou anteontem ;lamentar; a morte de Zapata. A imprensa oficial cubana, no entanto, preferiu o silêncio e não publicou sequer uma linha sobre Zapata. Os jornais Granma e Juventud Rebelde dedicaram suas capas ao encontro de Lula com Raúl Castro e seu irmão Fidel Castro, além de textos elogiosos.
A comunidade internacional criticou nos mais fortes termos a morte de Zapata. O presidente eleito do Chile, Sebastián Piñera, expressou ;enérgica condenação; às circunstâncias do incidente e pediu ;a imediata libertação dos mais de 200 presos políticos de Cuba e o fim de toda forma de opressão política na ilha;. O primeiro-ministro espanhol, José Luis Rodríguez Zapatero, ;deplorou profundamente; o desfecho da greve de fome. ;Podemos assumir a péssima situação dos prisioneiros políticos cubanos e pedimos ao regime para retornar a liberdade aos prisioneiros de consciência e o respeito aos direitos humanos;, declarou.
; Entrevista - REINA LUISA TAMAYO
;Meu filho entregou-se de alma e coração;
Apenas seis horas depois de enterrar o próprio filho, Reina Luisa Tamayo era a expressão da dor em sua forma mais cruel. A cubana que viu Orlando Zapata Tamayo, 42 anos, definhar até a morte agarrou-se a um fio de força, ao falar com exclusividade ao Correio, por telefone, de Banes. Por alguns momentos, as palavras quase deram lugar às lágrimas e foram preenchidas com a revolta. A cubana de 60 anos voltou a denunciar um assassinato premeditado e avisou que o regime de Raúl Castro terá que ;pagar caro; pela morte de Zapata. Também enviou um recado ao Brasil: os países que mantêm relações com Cuba precisam abordar o assunto com o regime castrista. ;Levaremos as palavras de meu filho até os mais distantes locais do país;, prometeu Reina, que se disse uma mãe ;enferma e desnutrida, cujo coração chora;.
Como mãe e como cubana, que sentimentos passam agora por seu coração?
A morte de meu filho foi muito triste. Meu filho morreu após uma greve de fome de 86 dias, produzida por tortura física e psicológica, constantes durante toda a prisão. Ele fez um protesto ao governo cubano, para poder sentir um pouco mais de alívio em sua condenação. O governo não cedeu em dar-lhe a petição. O que ele pediu não era algo de outro mundo. Que lhe dessem um televisor, um rádio, um ferro de passar roupa, um aquecedor e um fogão para poder conviver normalmente com os 25 anos que ainda teria de cumprir. A segurança do Estado, da Secção XXI, nunca deu resposta a essa mãe. Então, eu afirmo: agora, Raúl envia mensagens de condolências a essa mãe, quando seu filho está sepultado, quando seu filho de pele negra está morto. Como vai ser? Essa é uma imagem para o mundo, para que digam: como se compadece essa mãe! A Secção XXI, que é o corpo da segurança de Estado, não informou-me a gravidade do estado de saúde do meu filho, nem deu uma resposta sobre a petição. Já haviam feito isso na prisão provincial de Holguín. Eles sabiam que iriam matá-lo.
Quem era Orlando Zapata? Como a senhora definiria seu filho?
Meu filho era um homem como poucos, de princípios, que nunca se rendeu, nem nos últimos momentos de sua vida. Sempre encarou de frente sua situação, em nome do povo cubano. Meu filho não queria benefícios para ele, mas para as crianças e os idosos. Meu filho entregou-se de toda a sua alma e seu coração. E eles o torturaram e o assassinaram. Um assassinato premeditado, por sua postura contestadora. As condolências de Raúl Castro são imagens para o mundo. Mas para essa mãe que passou sete anos atrás de seu filho e para essa família que tem lutado tanto por seu filho; Não aceitamos (as condolências). Reclamo ao mundo que a vida de minha família corre perigo. Eles (as autoridades cubanas) levaram bicicletas, roubaram meus móveis, roubaram meu dinheiro, aproveitando um momento de alteração que tive, com o problema do meu filho.
Raúl Castro enviou-lhe condolências? Sua família recebeu alguma carta?
Nossos irmãos me informaram isso. Agora mesmo, estou com irmãos que viajaram com um casal até aqui. Eles foram pressionados duas vezes pela segurança do Estado e detidos. Não puderam entrar no cemitério. São irmãos que lutaram pela vida de meu filho e não puderam conhecer como era ele para dar-lhe a última despedida.
Nos últimos dias em que Orlando estava consciente, ele chegou a expressar preocupação com a política em Cuba?
Sim, ele falava muito comigo. Durante a greve de fome, ele me disse que o fizeram ficar 18 dias sem beber água, para que ficasse desidratado. Também me mostrou todos os hematomas que trazia em seu corpo, inclusive as cicatrizes da última tortura, de 26 de outubro. Possuo um poema que ele dedicou a mim, onde se encontra o sangue derramado após a tortura. Também escreveu muitas coisas aos cubanos.
A morte de Orlando pode forçar uma abertura de Cuba rumo a um maior respeito aos direitos humanos?
Eu peço aos países que têm relações com Cuba e aos que não têm laços: vocês precisam fazer com que Cuba pague, a qualquer preço, a morte de Orlando Zapata Tamayo. Um jovem negro de 42 anos; Isso não pode ficar assim. Aqueles que causaram a morte premeditada não podem ficar impunes. A morte de meu filho; Meu coração chora, ao reclamar dessa tortura premeditada. Essa família pede que chegue às suas mãos um grito que ecoa. Tem que haver responsáveis pela morte de Orlando Zapata Tamayo. Que façam uma pressão! O governo de Cuba assinou a morte de meu filho, ao negar sua petição. Os países que têm relações com Cuba precisam estar certos de que perdemos uma vida humana, um homem honrado. Que esteja bem claro: que os países se engajem em conversações factíveis (com Cuba) e que incluam a morte de Orlando Zapata Tamayo. O coração de Reina Luisa chora. Quero respostas daqueles que mataram Orlando Zapata Tamayo.
Como a senhora espera atuar dentro de Cuba para perpetuar a memória de Orlando?
Atuaremos com uma luta pacífica e incansável, com a mesma potência, com o mesmo coração, com os mesmos valores. Não recuaremos jamais. Levaremos as palavras de meu filho até os mais distantes locais do país. A família de Orlando Zapata Tamayo pegará emprestada sua mente e sua luta pacífica. Não nos entregaremos jamais e nos envolveremos rumo à democracia e à liberdade do povo cubano. (RC)