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Testemunhas contam o horror que presenciaram no Chile

postado em 02/03/2010 08:35
No período de férias, Pelluhue era bastante disputada pelos surfistas e por turistas da região do Maule, que buscavam as águas do Pacífico. O chileno Rogelio Soto Lara, 56 anos, viu parte da cidade - a 322km a sudoeste de Santiago - desaparecer na madrugada de sábado. "Às 3h28 de sábado, todas as casas situadas a 200m do mar se foram", contou ao Correio, por telefone, a partir de Talca. "O que estava 30m acima do nível do mar não sofreu consequências. Mas a água avançou por cerca de dois quilômetros pelo terreno plano", acrescentou. Logo depois de a terra tremer com uma força descomunal, o funcionário público e sua família foram até a praia. "Fui ver como estava a situação do mar. Tudo parecia normal e tornei a subir para casa", lembra. No caminho, percebeu a elevação abrupta do oceano, uma "tremenda massa de água". De acordo com ele, o tsunami destruiu algumas casas e avançou por cerca de cinco segundos até chegar a apenas 150m de sua casa. No domingo passado, o estudante chileno Henrick Merino Valenzuela, 16 anos, acompanhou os pais até Pelluhue, em uma viagem de 40km desde Cauquenes. O objetivo era inspecionar a casa de veraneio da família, construída sobre uma encosta. "A água subiu por onde pôde pelas ruas, arrasou a maior parte das casas de madeira; as tábuas ficaram espalhadas por toda a costa", descreveu à reportagem, pela internet. "O estádio municipal desapareceu. Não há mais grama e apenas quatro luminárias que estavam nas torres ficaram de pé", acerescenta. Ele confirmou que um rio que desembocava no mar desapareceu depois do tsunami da madrugada de sábado. O tsunami só não foi mais devastador, em termos de mortes, porque uma menina de 12 anos percebeu que algo estava errado, no Arquipélago de Juan Fernández. De acordo com o jornal chileno La Tercera, Martina Maturana viu os barcos se chocando em alto-mar e avisou o pai, que correu pela praça e acionou um alarme. As ondas avançaram 300m sobre a ilha, inundaram um colégio, a praça e a prefeitura. Depois que testemunhou o horror em Pelluhue, Rogelio Soto Lara viajou até Talca, a 150km. Na cidade de 300 mil habitantes, ele encontrou 40% das casas totalmente destruídas. "A situação é crítica, pior que em Pelluhue. Muitas casas caíram. Não temos água nem luz", disse, por telefone. Quando a noite chega, o perigo ronda as construções que resistiram. "À noite, as pessoas invadem e saqueiam as casas", acrescenta. Rogelio e sua irmão evitam sair às ruas, com medo da violência e de novos tremores. "Há réplicas a cada meia hora, em média." Goiano de Jataí, Fábio Augusto de Carvalho, 29 anos, trabalha e vive em Santiago desde 2008. Por e-mail, ele relata que, aos poucos, a capital tenta retomar a rotina. "As escolas começariam hoje, mas aulas foram adiadas por uma semana. Nas ruas, as pessoas ainda demonstram cansaço, preocupação e temor estampados no rosto. Na TV, o que se vê é uma catástrofe e cenas desoladoras na região centro-sul do país", comenta. O medo de um desabastecimento assombra os 6 milhões de habitantes, 30% da população chilena. Segundo Fábio, os postos de gasolina têm filas imensas, vários supermercados não abriram e a infraestrutura viária ficou seriamente afetada. "A falta de água e de comida estimulam saques. Para se aproveitar da situação, delinquentes estão roubado e a polícia tenta controlar a situação", diz. Ele e a mulher, a cirurgiã-dentista catarinense Lucinéia Boesing, 24 anos, não dormiram desde o sábado até a madrugada de ontem. "Estávamos muito apreensivos com as réplicas do sismo. Ontem (domingo), recebemos alguns brasileiros em nosso apartamento, no bairro de Las Condes, e tentamos diminuir a tensão e relaxar um pouco", relata. No sábado, o casal acordou assustado com o terremoto. "Durante três minutos, vivemos um verdadeiro terror. Achávamos que fôssemos morrer, porque o prédio se movia e balançava muito. O ruído das coisas caindo e quebrando era horrível, só pedíamos a Deus que aquilo parasse", diz Fábio, que buscou proteção sob um portal, no 15º andar. Na cidade de Concepción (500km ao sul de Santiago), a mais atingida pelos efeitos do tremor, o desespero e a fome produziram cenas de selvageria. Dezenas de moradores saquearam e incendiaram um supermercado e um centro de abastecimento, em busca de alimentos. De acordo com a agência de notícias France-Presse, várias pessoas chegaram ao supermercado Bigger, com a intenção de levar o que ainda restava em seu interior. "Eles têm água, comida, cobertores, mas a polícia não nos deixa entrar", protestou um homem diante do estabelecimento. Impedidos pela polícia, que usou bombas de gás lacrimogêneo, os saqueadores incendiaram o local. Com o fogo, parte do teto do prédio desabou, ferindo um bombeiro. Outro saque foi registrado em mais um estabelecimento comercial, assaltado várias vezes desde o sábado. Também ontem, a presidenta Michelle Bachelet determinou o envio de reforços militares e policiais ao local, após ter decretado o estado de exceção declarado no domingo nas regiões de Maule e Bío Bío. Entre as 21h e as 6h (hora de Brasília), ninguém tem permissão de sair às ruas. O temor era de que a lentidão da chegada de ajuda - as estradas estão praticamente intransitáveis - agravasse ainda mais a violência em Concepción. Depoimentos "O tsunami em Pelluhue arrasou com casas e carros. Conversei com pessoas de lá e elas me contaram que a espuma branca tinha oito metros de altura. O mar chegou a apenas 15m da praça principal da cidade. Até mesmo botes que estavam pescando na hora do maremoto foram parar nas ruas, sem seus motores. Sei que o mar atingiu muita gente que estava em lugares seguros" Henrick Merino Valenzuela, 16 anos, estudante, morador de Cauquenes "Até uma hora antes do terremoto, o mar estava tranquilo e manso. Então, percebemos uma tremenda massa de água, como se fosse um óleo se esparramando ao redor. Desci para ver o que havia se passado e constatei que as casas estavam destruídas. Não havia qualquer efeito de ondas. Em cinco segundos, o tsunami chegou até onde eu estava, próximo a um rio e esse rio sumiu." Rogelio Soto Lara, 56 anos, funcionário público Ouça entrevista com o chileno Rogelio Soto Lara, testemunha do maremoto

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