Agência France-Presse
postado em 02/03/2010 17:49
Concepción, a cidade mais afetada pelo terremoto no Chile, estava fortemente militarizada nesta terça-feira (2/3), com tanques nas ruas guardando lugares estratégicos, patrulhas com soldados armados, um toque de recolher ampliado para 18 horas e seus moradores organizados em grupos de autodefesa para responder aos violentos saques dos últimos dias.O governo destinou 14.000 militares para esta cidade, situada 500 km ao sul de Santiago, e para a região vizinha do Maule, as áreas mais afetadas pelo terremoto de 8,8 graus que sacudiu o Chile no sábado, com dois milhões de afetados e pelo menos 723 mortos.
Enquanto o país tenta se reerguer de uma das maiores catástrofes de sua história, a ajuda internacional começou a chegar, com a visita da secretária de Estado americana, Hillary Clinton. "A reconstrução custará muito dinheiro", admitiu a presidente, Michelle Bachelet, após reunir-se com a ex-primeira-dama americana.
Hillary trouxe 20 telefones via satélite, entre outros insumos, para tirar do isolamento as localidades que ficaram sem comunicação por causa do cataclisma, uma ajuda que foi agradecida por Bachelet no encontro entre as duas mulheres no aeroporto que continua com suas operações restritas devido aos severos danos causados pelo tremor. A ajuda de outros países como Brasil, Argentina, Peru e Espanha é aguardada para as próximas horas.
O toque de recolher em Concepción, decretado para evitar saques e atentados como os dois incêncios criminosos da segunda-feira, foi ampliado para 18 horas, entre as 6 da tarde e o meio-dia seguinte, o que demonstra um endurecimento da força pública ante a proporção do vandalismo que tomou conta da cidade nas últimas horas.
A rígida norma de exceção que impede a circulação causou, nesta terça, um nó no trânsito com filas quilométricas de veículos, impedidos de entrar em Concepción até o fim do toque de recolher, ao meio-dia. Os vizinhos de várias comunidades da cidade montaram barricadas para se defender dos saqueadores, que burlam o toque de recolher para invadir as casas. "Decidimos nos organizar para nos defender", disse um homem na comunidade San Pedro de La Paz. "Aqui as armas são paus e pedras", acrescentou.
Nos bairros mais abastados, um jornalista da AFP viu pelo menos uma pessoa com armamento longo na porta de casa. Os vizinhos resolveram amarrar uma fita branca no braço para se diferenciar dos que não moram na região.
Um paramédico dos bombeiros comentou que nas vilas onde moram os militares aposentados a sugestão dada aos chefes de família foi de "dormir com as armas ao alcance".
Em localidades próximas a Concepción, como a do porto adjacente de Talcahuano, atingida por uma tsunami, as pessoas vivem na penumbra e estão expostas à pilhagem.
"À noite, vândalos vêm entrar nas nossas casas, que estão expostas. Assim, juntamos tudo o que podemos e ateamos fogo para nos aquecer e cuidar das coisas na porta de nossas casas", explicou Antonio González, que vive neste porto.
"Estamos dormindo com um (pedaço de) pau ou ferro na mão para nos defender. Muitos dos que perderam tudo vêm como zumbis procurando o que levar e temos que responder", emendou Juan, um engenheiro, cuja casa também sofreu danos.
A destruição atingiu grande parte do litoral em povoados como Dichato, Cobquecura, Constitución e Pelluhue.
"Tudo isto era cheio de casas. Mais de cem", lembrou a sobrevivente Silvia Aparicio, enquanto apontava para o balneário de Pelluhue, sepultado pela areia trazida pela tsunami.
Em Talca, 300 km ao sul da capital, muitos moradores perambulavam entre as ruínas, entre as quais estava parte da igreja, enquanto matilhas de cães sem dono percorriam as ruas em busca de comida.
As pessoas buscavam refúgio debaixo de pequenas barracas montadas em estacionamentos ou em vias empoeiradas.
O centro antigo de Talca desmoronou em minutos e as pitorescas casas de adobe, algumas com até um século de antiguidade, ruíram, matando 95 pessoas, segundo um balanço provisório.
A revolta com a demora da chegada da ajuda era comum a vários povoados. Muitas pessoas reclamavam que o governo chileno se apressou em enviar ajuda ao Haiti, após o terremoto que devastou o país, em janeiro passado, mas que não tratava sua própria tragédia com a mesma rapidez.