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Vice-presidente dos EUA visita a Cisjordânia, volta a criticar colônias judaicas e defende a paz

postado em 11/03/2010 07:00
Ashraf Al-Ashhab, 25 anos, sabe que o seu futuro e os de outros 250 mil palestinos estão numa encruzilhada. Morador de Jerusalém Oriental ; ou Velha Jerusalém ;, esse pós-doutorando de microbiologia em tratamento de água teme o plano de construção de 1,6 mil casas no assentamento judaico de Ramat Shlomo, perto de sua casa. ;Estamos rodeados por assentamentos, e a maior parte se expande de modo contínuo. O principal deles é o Bizgat Zeiv;, afirmou ao Correio, por telefone. ;Esse projeto de (Benjamin) Netanyahu (premiê de Israel) é ruim para todos os palestinos e para os vizinhos árabes. Os governos desses países jamais confiarão no primeiro-ministro;, alertou. ;Cada vez que um assentamento toma um pedaço de nossa terra, rouba um pouco do nosso direito de existência;, acrescentou. Pelo segundo dia consecutivo, o vice-presidente americano, Joe Biden, deixou de calibrar as palavras, ao se dirigir a Israel. ;Todos devem saber hoje que não existe alternativa à solução de dois Estados (israelense e palestino), como parte integrante de qualquer plano de paz global;, declarou o número dois da maior potência do planeta, em visita ao presidente da Autoridade Palestina, Mahmud Abbas, em Ramallah (Cisjordânia). ;A decisão do governo israelense de avançar a construção de novas casas em Jerusalém Oriental compromete essa confiança, da qual precisamos agora para iniciarmos negociações frutíferas;, acrescentou o vice de Barack Obama. Segundo ele, os Estados Unidos prometem desempenhar um papel ativo e sustentável no diálogo entre Abbas e Netanyahu. No entanto, Biden reforçou que os palestinos precisam de um Estado independente, ;viável e contíguo;. Por sua vez, Abbas também acusou Israel de ;destruir a confiança; e de desferir um ;duro golpe; na tentativa de retomada do diálogo. E reafirmou o compromisso com a solução do conflito baseada em ;um Estado de Israel que viva em segurança e em paz ao lado de um Estado Palestino, nas fronteiras de 6 de junho de 1967, tendo Jerusalém Oriental como capital;. Às vésperas de viajar para Israel, Catherine Ashton, representante máxima da União Europeia para a política externa, instou Netanyahu a reverter a decisão, que poderia ;estrangular; as negociações de paz. ;Os assentamentos são ilegais sob a lei internacional;, afirmou ela. Desculpas O anúncio da expansão de assentamentos deixou ontem Israel em maus lençóis. O gabinete ministerial teve de se submeter ao constrangimento de pedir desculpas públicas pelo momento inoportuno. ;Isso não deveria ter ocorrido durante uma visita de um vice-presidente dos Estados Unidos;, afirmou Isaac Herzog, ministro do Bem-Estar de Israel, à Rádio do Exército. ;Agora temos de expressar nossas desculpas por essa séria gafe;, acrescentou. O analista político Stephen Zunes, diretor do Programa de Estudos do Oriente Médio da Universidade de San Francisco, não vê qualquer anacronismo na postura israelense. ;Há poucas indicações de que Netanyahu ou o chanceler Avigdor Lieberman, ainda mais linha-dura, tenha sérios interesses em permitir avançar os esforços de paz;, admitiu. ;Eles parecem determinados a expandir a colonização judaica dos territórios árabes ocupados, a fim de tornar virtualmente impossível o surgimento de um Estado palestino ;, concluiu Zunes. Para o especialista israelense Gerald Steinberg, professor de gerenciamento de conflitos e negociação da Universidade de Bar Ilan, em Ramat Gan, a Casa Branca não se demoveu do desejo de impulsionar rapidamente as negociações entre árabes e israelenses. Ele entende que as críticas de Joe Biden ao governo de Netanyahu foram meticulosamente planejadas para garantir a participação do presidente palestino, Mahmud Abbas, nesse processo político. Steinberg associa o anúncio da expansão dos assentamentos judaicos a um incidente registrado na semana passada. ;Palestinos atacaram judeus que oravam no muro ocidental do Monte do Templo. Isso foi extremamente perigoso e poderia ter deflagrado uma violência ainda maior;, lembra. ;O projeto de construção israelense é uma resposta a esses ataques.; Al-Ashhab teme que a situação se agrave mais. ;Essa terra não pertence a eles. Como eles podem vir aqui e construir? Não temos direitos sobre nossas terras, de acordo com as leis humanitárias internacionais. Isso criará mais sofrimento e poderá detonar uma nova intifada (revolta palestina), disse. Ouça entrevista com o palestino Ashraf Al-Ashhab (em inglês)
; Brasil deplora ação ;A expansão do regime de colonatos (de Israel) é um sinal errado em um momento errado;, declarou o ministro de Relações Exteriores da Alemanha, Guido Westerwelle, em coletiva de imprensa em Brasília, ao lado do chanceler Celso Amorim. Os dois ministros lamentaram a decisão do governo israelense de ampliar os assentamentos judaicos na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental. ;Somos absolutamente contrários, várias vezes dissemos isto. Lamentamos e deploramos que esteja havendo este aumento de assentamentos, mas especialmente neste momento em que se recomeçava as negociações;, ressaltou Amorim. O chanceler brasileiro afirmou que a medida israelense deixa a Autoridade Palestina em uma situação difícil perante a opinião pública árabe. ;A gente até se pergunta se tem, em algum setor, alguma pessoa que não esteja interessada na paz. Imagino que o primeiro-ministro e o presidente de Israel estejam interessados, mas este movimento certamente não contribui para a paz;, completou. Viagem de Lula ;O que aconteceu é realmente motivo de grande preocupação;, continuou Westerwelle. O ministro alemão recordou que havia um mapa da paz para as duas nações, no qual estava acertado o ;congelamento de construções;. Segundo ele, a posição europeia e alemã é a favor da ampliação das atividades para retomar o processo de paz. A decisão de ampliar os assentamentos judaicos surge como um banho de água fria para o governo brasileiro, às vésperas da viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Israel, aos territórios palestinos e à Jordânia ; o tour se inicia no próximo domingo. No fim do mês, Israel e a Autoridade Palestina recebem a visita do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, e a representante máxima da diplomacia europeia, Catherine Ashton. ; Caminho tortuoso para a paz Negociações entre Israel e os palestinos se arrastam há 18 anos sem chegar à "solução de dois Estados". Veja quais foram os principais passos: Acordos de Oslo Vitorioso na eleição de 1992, o Partido Trabalhista assumiu o governo de Israel com a proposta de inaugurar o diálogo direto com a Organização para a Libertação da Palestina (OLP). O chanceler Shimon Peres manteve negociações secretas com o líder da OLP, Yasser Arafat, em Oslo, com o governo norueguês como facilitador. No ano seguinte, já com a participação do presidente dos EUA, Bill Clinton, foram concluídos os acordos de Oslo, que estabeleceram um governo autônomo nos territórios da Cisjordânia e Faixa de Gaza, ocupados por Israel desde a guerra de 1967. O documento foi assinado na Casa Branca por Arafat, Peres e o então premiê israelense, Yitzhak Rabin. Autoridade Palestina Segundo os acordos de Oslo, o governo autônomo foi instalado em 1994, inicialmente com jurisdição apenas sobre Gaza e a cidade de Jericó, na Cisjordânia. A autoridade da AP deveria ser progressivamente estendida durante um período de cinco anos, ao fim do qual o processo de paz deveria estar concluído, com o estabelecimento de um Estado palestino. O acordo complementar, assinado em 1995, formalizou a jurisdição da AP sobre toda a Cisjordânia, à exceção das colônias judaicas e bolsões de segurança em volta delas. O bom andamento do processo rendeu o Nobel da Paz a Rabin, Peres e Arafat. Assassinato de Rabin Em novembro de 1995, pouco depois de assinado o segundo acordo de Oslo, um extremista judeu assassinou a tiros o premiê Yitzhak Rabin, sucedido por Peres. Na eleição (antecipada) de 1996, ele foi derrotado pelo direitista Benjamin Netanyahu, adversário público do processo de paz, que ficou congelado até o fim de seu governo, em 1999. A estagnação nas negociações foi acompanhado por uma onda de atentados suicidas reivindicados pelos extremistas dos grupos Hamas e Jihad Islâmica. Camp David No último ano de seu governo, Clinton promoveu na residência presidencial de Camp David um encontro entre Arafat e o novo premiê israelense, o trabalhista Ehud Barak. Uma proposta de acordo definitivo, com a criação do Estado palestino, estava sobre a mesa, mas as diferenças sobre o status de Jerusalém e o retorno dos refugiados palestinos fizeram fracassar as negociações. Segunda intifada No fim de 2000, o líder direitista Ariel Sharon, general e ex-ministro da Defesa, protagonizou um incidente com uma visita à Esplanada das Mesquitas, santuário muçulmano próximo ao Muro das Lamentações, centro espiritual do judaísmo. Seguiram-se confrontos violentos entre jovens palestinos e o exército israelense, que se desdobraram em um levante (intifada) como a rebelião das pedras de 1987-1991. Meses depois, Sharon foi eleito premiê. Cerco e morte de Arafat Em resposta à nova revolta palestina, Sharon reforçou a presença militar nos territórios palestinos, culminando em 2002 com o cerco da Muqata, o prédio de Ramallah (Cisjordânia) de onde Arafat comandava a Autoridade Palestina. A ofensiva prosseguiu até a morte do patriarca da causa palestina, no fim de 2004. No ano seguinte, Arafat foi substituído no cargo por Mahmud Abbas. Mapa do caminho Acusado de omitir-se enquanto o processo de paz desmoronava, o presidente dos EUA, George W. Bush, propôs ainda em 2002 um plano de paz que ficou conhecido como Mapa do Caminho. Em resumo, ele previa a retomada das negociações tendo como ponto de partida o "controle dos terroristas" por parte da AP, e em troca o relaxamento das restrições impostas pelas tropas israelenses nos territórios palestinos. Com a invasão do Iraque, em 2003, Washington na prática abandonou os esforços em relação ao Oriente Médio. Separação unilateral Com o diálogo estagnado, o governo de Sharon adotou uma política de "separação unilateral" dos palestinos. Iniciou a construção de uma cerca - que em alguns trechos é um muro de concreto - separando Israel da Cisjordânia, sob condenação inclusive da ONU. De outro lado, o premiê promoveu a remoção das colônias judaicas de Gaza e a retirada das tropas israelenses. Esse processo, combinado com a expansão das colônias na Cisjordânia, contribuiu para a divisão dos territórios palestinos, com o Hamas assumindo em 2007 o controle militar de Gaza, enquanto Abbas, do partido nacionalista Fatah, passou a ter autoridade apenas sobre a Cisjordânia. Conferência de Annapolis Já com Sharon fora do cargo, em coma, Bush promoveu nos últimos meses de seu mandato, em novembro de 2008, uma conferência internacional destinada a impulsionar o processo de paz entre Israel e a AP. O encontro, do qual participaram vários países - inclusive o Brasil -, definiu como meta o estabelecimento do Estado palestino. No ano passado, porém, o substituto de Sharon, Ehud Olmert, perdeu a eleição para Benjamin Netanyahu, que mantém o processo em compasso de espera.

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