postado em 12/03/2010 07:00
O presidente do Equador, Rafael Correa, pôs-se a mirar o teto do Congresso chileno, na cidade portuária de Valparaíso, a 120km de Santiago. Estava visivelmente assustado. Sentado ao lado do colega boliviano Evo Morales, o paraguaio Fernando Lugo não conseguia esconder o medo: a boca estava semiaberta e os olhos vasculhavam o alto, parecendo temer o desabamento do prédio. A argentina Cristina Kirchner não pensou duas vezes e procurou o rumo da saída, mas retornou ao seu assento. Às 11h39, um tremor de magnitude 6,9 na escala Richter (aberta, raramente chega a 9) espalhou o pânico, meia hora antes da cerimônia de posse do novo presidente chileno, Sebastián Piñera.
Menos de 16 minutos depois, a terra voltou a sacudir forte ; dessa vez, a intensidade do abalo foi medida em 6,7 na mesma escala. Um terceiro sismo (de magnitude 6) deu um tom ainda mais dramático à data histórica para Chile e trouxe à tona as lembranças do terremoto de 8,8, de 27 de fevereiro. Depois do susto, o presidente do Peru, Alan García, tentou se solidarizar com a população local e fez um comentário polêmico. ;É uma honra dividir um tremor com o povo chileno;, disse.
Por medida de precaução, Piñera exortou os cidadãos a se refugiarem rapidamente em regiões mais altas. O Escritório Nacional de Emergências (Onemi, na sigla em espanhol) chegou a acionar um alerta de tsunami, retirado cerca de quatro horas depois, exceto para a Ilha de Páscoa. ;Até este momento, não temos fenômeno de tsunami (;) é normal que se produzam, depois de um terremoto, alterações nas marés;, disse o ministro do Interior, Rodrigo Hinzpeter. Além das três grandes réplicas, o Serviço Geológico dos Estados Unidos (USGS, pela sigla em inglês) registrou ontem mais oito abalos secundários com magnitude maior que 5 na escala Richter. Enquanto Sebastián Piñera saudava o povo a bordo de um Ford Galaxie preto conversível, o Congresso terminava de ser esvaziado e muitas pessoas corriam rumo às montanhas.
Danos
O chefe de Estado empossado admitiu que os tremores deixaram ;danos significativos; à cidade de Rancágua, a 270km de Valparaíso e a 90km da capital, Santiago. ;Estamos deslocando nossas equipes de emergência;, afirmou o presidente, que decretou área de catástrofe a região de Libertador O;Higgins ; epicentro das réplicas ; e prometeu visitá-la ainda hoje.
Também em Rancágua, a estudante de jornalismo Pamela Vargas Vásquez, 25 anos, assistia à cerimônia de posse de Piñera. ;Foi estranho. Vivi uma sensação de angústia, as réplicas tiveram a mesma intensidade do tremor do mês passado, ainda que tenham sido mais curtas;, afirmou ao Correio, por telefone. ;Eu estava sentada diante da TV, no segundo andar, e imaginei que minha casa fosse cair;, relatou. Segundo ela, o centro comercial foi esvaziado imediatamente e a população está assustada.
A apenas 15km de Valparaíso, no povoado de Villa Alemana, o engenheiro chileno Miguel Severino Urrutia, 29 anos, teme pela vida de sua mulher e sua filha. ;Os tremores de hoje (ontem) foram bastante fortes. Os objetos se moviam e pudemos perceber bastante o movimento, porque nossos escritórios ficam em contêineres;, comentou, por telefone. ;Várias réplicas ocorreram em um curto espaço de tempo. E as imagens de pessoas em fuga, com medo de um possível tsunami, são impressionantes;, acrescentou. Desde o terremoto de 27 de fevereiro até as 19h de ontem, 283 réplicas de magnitude superior a 4,5 na escala Richter sacudiram o Chile. Miguel espera que Piñera tome as medidas necessárias para ajudar os chilenos desabrigados. ;Tomara que ele consiga reconstruir a infraestrutura e a tranquilidade da população, em um curto prazo;, disse.
Em Santiago, o jornalista espanhol Fernando Gallardo, 54 anos, escrevia na manhã de ontem mais uma de suas colunas semanais para o jornal El País, de Madri, como faz desde 1987. ;O monitor do computador começou a vibrar com força e, cinco segundos depois, o chão moveu-se, como se eu estivesse navegando em um veleiro. Com 20 segundos de duração, o temor ficou mais forte e ouvi as paredes e o teto estalarem;, relatou à reportagem, por e-mail. Quando saiu do prédio, Fernando teve a sensação de que as casas próximas ;se despregariam do solo e voariam;. Foi tranquilizado pelos vizinhos, que fugiam apavorados de suas residências.
Emoção na despedida
Com a mão no coração, Michelle Bachelet apareceu ontem pela última vez na sacada do Palácio de La Moneda numa emocionada despedida a milhares de pessoas em frente ao prédio que gritavam seu nome. O fato ocorreu quando a ex-presidenta se dirigiu ao palácio para apertar a mão de cada um de seus assessores, mas a presença de populares do lado de fora acabou roubando a cena. Por meio de alto-falantes, era era transmitida uma canção de Isabel Parra (filha da emblemática cantora, compositora e folclorista Violeta Parra) com os dizeres ;Cuatro años pasaron Michelle, se fueron volando;.
;Obrigada, presidenta, nos veremos em 2014;, afirmava uma faixa colocada em frente aos portões do Palácio. ;Vim ver a presidenta. Estive aqui no dia em que assumiu o governo;, contou à agência de notícias France-Presse David Orellana, um admirador de 45 anos, em meio à multidão que se aglomerava na esplanada do La Moneda. ;Ela foi recepcionada no governo com o drama do Transantiago (o serviço de transporte público que, no início de sua administração, trouxe sérios contratempos); no meio de sua gestão, foi golpeada pela crise, e termina com o terremoto. Que mulher resiste a isso? É uma presidenta de verdade;, disse Orellana.
Pessoas de todas as idades agitavam lenços brancos, bandeiras do Chile, do Partido Socialista, e mostravam cartazes com fotos da ex-presidenta sorridente. ;Michelle é o máximo, sentimo-nos orgulhosos de que tenha sido nossa presidenta;, comentou a funcionária pública Luz Gálvez. Segundo as pesquisas, Bachelet deixa o poder com 84% de popularidade.
Os chilenos Pamela Vargas Vásquez e Miguel Severino Urrutia falam sobre o medo após abalos em seu paÃsEditar