postado em 13/03/2010 07:00
O comerciante Ma;en Sultan, 27 anos, sonha em proteger sua pátria e mostrar ao mundo o que ocorre em sua terra. Mas está imobilizado pela frustração e pelo sentimento de abandono, que aumentam a cada decisão polêmica do governo de Israel. ;Meu povo vive a pior fase de todos os tempos. Temos problemas entre os principais partidos políticos, que já não têm como meta nossa felicidade ou interesse;, afirmou o palestino de Hebron (Cisjordânia). ;Por outro lado, Israel só se preocupa com sua própria existência;, acrescentou. Às vésperas da visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Oriente Médio e no dia considerado sagrado para os palestinos ; muitos se dirigem a Jerusalém para orar na Mesquita Al-Aqsa ;, o Exército israelense impôs o fechamento total da Cisjordânia por 48 horas. A medida, que se soma ao anúncio da construção de 1.600 casas no assentamento judaico de Ramat Shlomo (em Jerusalém Oriental), colocou o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, em rota de colisão com Washington.A secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, telefonou para o premiê e usou um tom contundente, que surpreendeu a muitos analistas e sucedeu a recente visita do vice-presidente Joe Biden ao Oriente Médio. A chefe da diplomacia de Washington disse a Netanyahu que a decisão (sobre os assentamentos) foi ;profundamente negativa; para as relações com os Estados Unidos e ainda culpou Israel por ;abalar a confiança no processo de paz;. Também ontem, o chamado Quarteto da Paz para o Oriente Médio ; formado por EUA, União Europeia, ONU e Rússia ; condenou a autorização de novas construções em Jerusalém Oriental e apelou para a rápida retomada do diálogo.
O fechamento da Cisjordânia foi imposto por Ehud Barak, ministro da Defesa, para evitar violentas manifestações. Entre a zero hora de ontem e a zero hora de amanhã, ninguém tem permissão para entrar ou sair do território. Na sexta-feira passada, tropas israelenses entraram em choque com palestinos após Netanyahu ter incluído dois santuários da Cisjordânia ; o Túmulo dos Patriarcas, em Hebron, e a Tumba de Raquel, em Belém ; na lista de patrimônios nacionais de Israel.
Tensão
Impedidos de acessar o complexo religioso, vários palestinos ajoelharam-se ontem do lado de fora dos portões e oraram. Alguns chegaram a lutar com policiais. Em outra mesquita de Jerusalém, no distrito árabe de Ras Al-Amud, manifestantes lançaram pedras em carros de judeus ultraortodoxos. Na Faixa de Gaza, uma multidão tomou as ruas para protestar. ;Nós resgataremos a Mesquita Al-Qasa com nossas almas e nosso sangue;, gritavam. Mae;en Sultan considerou ;terrível; a atitude de Barak. ;Vocês podem imaginar como nos sentimos. É como se víssemos nossa terra sendo tomada à força e fôssemos impedidos de visitá-la;, reclamou. Na opinião dele, ao isolar a Cisjordânia, Israel prejudica o comércio palestino. ;Isso só afeta as pessoas que têm permissão para entrar no território israelense; são alguns milhares, principalmente mercadores.;
Em Nablus, também na Cisjordânia, o gerente de tecnologia de informação Ahmad Al-Nimer, 24 anos, não acredita que o fechamento do território surta efeitos nocivos na economia palestina. ;Essas medidas se tornaram comuns. Já sofremos bloqueios em 2002 e 2003;, lembra. Segundo ele, os moradores da região e de Gaza vivem a sensação de estarem presos. ;Sempre há postos de controle perto das cidades e, se você viajar de um local a outro, será monitorado por soldados israelenses.;
Por e-mail, o israelense Mordechai Kedar ; especialista do Centro para Estudos Estratégicos Begin-Sadat (em Ramat Gan) ; afirmou à reportagem que o fechamento da Cisjordânia baseia-se em informação clandestina sobre ;ataques planejados por terroristas;. ;Também existe a denúncia de que as pessoas pretendem realizar distúrbios de rua. Confiamos que as nossas organizações de segurança sabem o que fazem;, disse o analista, que trabalhou por 25 anos no setor de inteligência das Forças de Defesa de Israel (IDF). Em relação à expansão do assentamento de Ramat Shlomo, Kedar é assertivo. ;Jerusalém não é um assentamento, é a capital eterna e antiga da nação judaica. Jesus Cristo pregava na Jerusalém judaica, nossa capital por mais de 3 mil anos. Jerusalém é nossa. E ponto final;, declarou.
Lula teria aconselhado Ahmadinejad
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (1) pressionou o colega iraniano, Mahmud Ahmadinejad, a desistir da retórica de negação do Holocausto. ;Eu falei com o presidente do Irã e deixei claro que ele não pode dizer que ele deseja a destruição de Israel, assim como é insustentável para ele negar o Holocausto, que é um legado de toda a humanidade. Acrescentei o fato de que ele tem diferenças com Israel que não o permitem negar ou ignorar a história;, afirmou o mandatário brasileiro, em entrevista concedida na terça-feira passada ao jornal israelense Haaretz, em Brasília, e na presença de um jornalista da Agência de Notícias Brasil Árabe ; da Câmara de Comércio Árabe Brasileira.
Na mesma entrevista, Lula associou o fracasso das negociações de paz entre israelenses e palestinos à visita em Teerã, programada para maio. O brasileiro afirmou não desejar que Israel ataque o Irã ou vice-versa. ;Em mundo ordeiro, as pessoas têm de aprender a conversar umas com as outras;, recomendou. Segundo o presidente, o tour pelo Oriente Médio, que terá início no domingo, tem a função de ;abrir espaço para atores que tragam novas ideias;. ;Esses atores precisam ter acesso a todos os níveis do conflito: em Israel, na Palestina, no Irã, na Síria, na Jordânia e em muitos outros países associados ao conflito. Essa é a única maneira que teremos de desenvolver a paz entre israelenses e palestinos e, ao mesmo tempo, dizer claramente ao Irã que nós estamos contra a construção de armas nucleares, declarou o presidente.
Desapontamento
Lula se disse desapontado pelo fato de os Acordos de Oslo terem terminado em ;Prêmios Nobel e fotografias de pessoas se abraçando;. Ele também questionou a eficácia da Conferência de Annapolis, realizada em novembro de 2007, da qual o Brasil participou. ;Isso me deixa sérias dúvidas: quem realmente quer a paz no Oriente Médio? Quem tem interesse em alcançar uma solução e quem gostaria que o conflito continuasse? A impressão é que alguém está constantemente trabalhando aqui como se tivesse inimigos escondidos, pessoas que simplesmente não querem um acordo;, desabafou o chefe de Estado brasileiro.
;Todos admiram sua sabedoria suprema e sua mente criativa;, escreveu o jornalista Adar Primor, referindo-se ao próprio Lula. Durante a entrevista, Lula alertou para comparações em relação ao líder iraniano. ;Qualquer um que compare Ahmadinejad e o Irã dos dias atuais a Hitler e ao nazismo está tendo o mesmo comportamento radical de que o Irã está sendo acusado;, afirmou. ;Qualquer um que queira fazer política com ódio e ressentimento deve sair da política.;
1 - ;Profeta do diálogo;
Uma reportagem publicada ontem pelo jornal israelense Haaretz, assinada pelo jornalista Adar Primor, classifica o presidente Lula de ;profeta do diálogo;, pela defesa das negociações diplomáticas em busca da paz na região. Mas observa que brasileiro foi um dos primeiros líderes a receber Ahmadinejad após as polêmicas eleições iranianas de junho do ano passado e a se abster em uma votação na Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) pela condenação do Irã. Com o título ;Profeta do Diálogo;, o texto estava ontem na capa da edição online do jornal. A reportagem comenta que Lula se descreve como ;um negociador, não um ideólogo;, capaz de se relacionar ao mesmo tempo com Hugo Chávez e com George W. Bush, com o presidente israelense, Shimon Peres, e com Ahmadinejad.