postado em 16/03/2010 08:12
"Embaixador Celso Amorim, ministro das Relações Exteriores do Brasil, e cumprimentando o Celso, eu cumprimento todos os ministros que me acompanham, Governador Jaques Wagner, governador do estado da Bahia, empresários brasileiros que fazem parte da comunidade judaica que vieram a esta viagem, representantes da comunidade judaica brasileira, presentes aqui no Parlamento, senhores e senhoras parlamentares, senhores embaixadores, meus amigos e minhas amigas.É uma grande honra ser o primeiro chefe de Estado brasileiro que visita oficialmente Israel e ter o privilégio de dirigir-me à sua Casa do Povo.
Volto a este país, que visitei em 1993, na condição de presidente do meu partido, o Partido dos Trabalhadores. Daquela visita levei uma inesquecível recordação.
Falo agora como presidente da República Federativa do Brasil, mas também na condição de ex-parlamentar que nos anos 80 participou, em nosso Congresso, da refundação constitucional de meu país, depois de vinte anos de ditadura.
Falo na condição de dirigente de um país que acompanhou o nascimento de Israel. Como esquecer que a sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas que aprovou a criação do Estado, em 1948, foi presidida por um brasileiro, Osvaldo Aranha.
Falo, finalmente, na condição de um amigo de Israel. Venho de um país que recebeu dezenas de milhares de imigrantes judeus, perseguidos em suas terras de origem pela intolerância étnica, cultural e religiosa. Muitos deles puderam chegar ao Brasil graças a dois funcionários humanistas que honram a diplomacia brasileira: dona Aracy, do Consulado de Hamburgo, e o embaixador Souza Dantas, de nossa legação em Paris.
A contribuição que esses imigrantes e seus descendentes deram e continuam dando ao Brasil é extraordinária. Ela está em nossa literatura, com Clarice Lispector e Moacir Scliar; em nossas artes visuais, com Lasar Segall e Carlos Scliar; em nosso cinema, com Leon Hirszman. Ela é ainda mais visível no mundo da ciência e da cultura, na atividade empresarial e na atividade política.
Senhoras e senhores parlamentares,
Uma visita como esta serve para aprofundar relações bilaterais. Relações que têm experimentado um avanço considerável nestes últimos anos e que, espero, possam ganhar mais intensidade a partir de agora.
Penso nos números de nosso comércio exterior, em extraordinário progresso. Se bem que Israel e Brasil poderiam ter uma balança comercial infinitamente maior, na hora em que os dois países começarem a utilizar todo o seu potencial. Penso em nossa cooperação cultural, científica e tecnológica. Penso, finalmente no acordo Mercosul-Israel, o primeiro estabelecido com um país fora da América Latina, a despeito das resistências que alguns ofereceram.
Mas esta é, igualmente, a oportunidade de debater questões mais gerais e profundas. Queremos discuti-las respeitosamente, mas com franqueza. Com aquela franqueza que deve marcar o relacionamento entre amigos.
A política externa de meu país tem uma vocação universalista. Está comprometida com valores. Respeitamos a autodeterminação dos povos.
Defendemos os Direitos Humanos. Queremos um mundo mais justo econômica, social e politicamente. Buscamos incessantemente a paz e, por essa razão, propugnamos a solução negociada dos conflitos.
O Oriente Médio vive, há décadas, dolorosos enfrentamentos que têm custado milhares de vítimas. Por detrás das terríveis estatísticas de mortos, feridos e banidos estão dramas humanos, diante dos quais ninguém pode ficar insensível.
Para resolver situações dilacerantes é necessário construir alternativas racionais e duradouras de paz. Mas não é suficiente pôr apenas a cabeça a funcionar. É preciso, igualmente, que o coração esteja presente. É fundamental um sentimento de compaixão para superar antagonismos que aparecem como insuperáveis.
Em minha trajetória pessoal ; como sindicalista e dirigente político ; vivi situações de alta conflitividade. Não fugi aos conflitos, mas busquei resolvê-los pelo diálogo, ainda quando ele parecia exercício ingênuo, tarefa impossível. Na oposição, busquei o diálogo. Cheguei à Presidência pelo diálogo, governei dialogando. Apostei na democracia, mesmo quando ela aparecia como um horizonte inatingível. Com esses sentimentos, temos reiterado as posições históricas de nossa diplomacia.
Defendemos a existência de um Estado de Israel, soberano, seguro e pacífico. Ele deverá conviver com um Estado Palestino, igualmente soberano, pacífico, seguro e viável, sobretudo pelo traçado de seu território.
Com esses propósitos, chegamos à reunião de Annapolis, lamentando que o movimento que aí se iniciou tenha ficado pelo caminho. Não podemos continuar desperdiçando esforços multilaterais, sobretudo quando apresentam um extraordinário potencial.
Naquela ocasião, reiteramos nossa posição sobre a coexistência necessária de um Estado Palestino com um Estado de Israel, e expressamos nosso repúdio ao terrorismo, praticado sob qualquer pretexto e por quem quer que fosse.
Essa postura se faz mais necessária agora, quando assistimos a uma paralisação das negociações e iniciativas unilaterais que as dificultam, como o anúncio da construção de residências em Jerusalém às vésperas do reinício de uma rodada de negociações.
O impasse agrava a deterioração das condições de vida nos territórios palestinos ocupados, mas também alimenta fundamentalismos de todos os lados e coloca no horizonte conflitos mais sangrentos ainda.
Temos urgência de ver israelenses e palestinos vivendo em harmonia. A estabilidade dessa região atenuará o sofrimento daqueles que perderam seus entes queridos em décadas de enfrentamento. Com alguns deles ; familiares de vítimas dos dois lados ; devo encontrar-me para escutar seus sentimentos e suas aspirações.
Mas essa estabilidade desejada será, sobretudo, a garantia de que um conflito regional não se espraiará pelo resto do Planeta, ameaçando a paz mundial. O que está em jogo aqui, portanto, não é somente o futuro da paz nesta região, mas a estabilidade de todo o mundo.
Venho de um continente que possui grandes riquezas naturais, mas também marcado por desigualdades regionais e sociais. A consciência dessa situação inaceitável fez com que muitos governos latino-americanos iniciassem, nos últimos anos, um exitoso processo de mudança econômica e social que tem fortalecido a democracia política e a paz.
Temos orgulho de proclamar que a América Latina e o Caribe é uma zona livre de armas de destruição massiva. Em meu país há uma proibição constitucional de produção e utilização de armamento nuclear. Gostaríamos que o exemplo de nosso continente pudesse ser seguido em outras partes do mundo.
No Brasil, compreendemos que não será possível sermos uma nação próspera e justa se estivermos cercados, em nosso entorno, de pobreza e de desigualdades que aumentem ressentimentos.
Senhoras e senhores parlamentares,
Em meu país, dez milhões de árabes e de seus descendentes convivem de forma harmoniosa com milhares de judeus.
Gostaríamos que essa situação fosse como uma metáfora na busca de um entendimento profundo e duradouro nesta região do mundo, distante geograficamente de nós, mas próxima de nossos corações e nossas mentes.
Árabes e judeus são povos magníficos, com esplêndidas tradições culturais. Povos que construíram suas identidades no curso de uma história, muitas vezes cheia de sofrimento. Desse sofrimento, de que é testemunho o Museu do Holocausto, que visitei em 1993, e o Yadvaskem, que visitarei amanhã. Desse sofrimento que evoquei recentemente na mais antiga Sinagoga da América Latina, no Recife, quando lá me recolhi para evocar e condenar a barbárie da Segunda Guerra Mundial, que marcou toda a Humanidade e o povo judaico em particular.
Nunca mais! Nunca mais, temos que repetir sempre! Mas para que esse chamamento não seja um grito desesperado e inútil, é necessário que enfrentemos os impasses que se perpetuam nesta região com coragem e determinação, mas também com desprendimento.
Nos grandes gestos, de homens e mulheres, sempre estão presentes grandes sacrifícios e grandes concessões. Eles exigem renovação de intenções, alargamento de ambições e ampliação de interlocutores.
Pensemos nas palavras de Albert Einstein, quando nos disse: ;Não se pode fazer a mesma coisa, dia após dia, e esperar resultados diferentes;. O Brasil quer, modestamente, ajudar a obter esses ;resultados diferentes;. Foi o que fizemos em nosso continente, junto com outros países amigos da América Latina e do Caribe, ao participar de esforços coletivos para solucionar conflitos e debelar ameaças à paz.
A única recompensa que esperamos ter aqui é a felicidade de israelenses e de palestinos.
O impasse que vive o Oriente Médio mostra as enormes dificuldades que enfrenta hoje a governança global, em particular as Nações Unidas.
Em 1948, como lembrei, o surgimento do Estado de Israel teve o patrocínio das Nações Unidas. Não será o caso de que as Nações Unidas, renovadas e com maior legitimidade, assumam agora um papel mais ativo na busca da paz?
Amigas e amigos,
Ao dirigir-me aos parlamentares israelenses sei que não estou falando apenas à mais alta instituição do Estado de Israel. Sei que, por vosso intermédio, falo a mães e pais, esposas e filhos dos que partiram em meio a conflitos que poderiam ter sido evitados.
É chegada a hora de abrir um círculo virtuoso de negociações nesta região do mundo, superando desconfianças e desentendimentos, em nome de valores mais elevados. A história recompensará os que seguirem este caminho.
Concluo, uma vez mais mencionando esta figura luminar do século XX, Albert Einstein, quando proclamou: ;A paz não pode ser mantida pela força. Somente pode ser alcançada pelo entendimento;.
Shalon e muito obrigado."