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Em visita inédita a Ramallah, Lula diz que a tensão entre EUA e Israel é ingrediente capaz de originar acordo definitivo

postado em 18/03/2010 08:41
A visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Ramallah (Cisjordânia), sede da Autoridade Palestina, ficará marcada por dois atos obscuros e polêmicos. Além de ter depositado uma coroa de flores no túmulo do ex-líder palestino Yasser Arafat, Lula comentou o atrito público entre os governos norte-americano e israelense, embora o presidente Barack Obama tenha desmentido uma crise entre os dois aliados. ;O que parecia impossível aconteceu: os Estados Unidos tendo divergência com Israel. Isso era uma coisa praticamente impossível e, quem sabe, essa divergência era a coisa mágica que faltava para que se chegasse ao acordo (de paz);, declarou o brasileiro.

Ao lado do colega Mahmud Abbas, Lula voltou a defender um Estado palestino. ;Eu sonho com uma Palestina independente e livre, vivendo em paz no Oriente Médio. Acredito que os palestinos e os israelenses vão partilhar a terra de seus antepassados;, acrescentou. De acordo com ele, esse sonho só pode ser alcançado se houver concessões por parte do premiê Benjamin Netanyahu. ;O mais importante é congelar os assentamentos em todas as áreas palestinas, incluindo em Jerusalém;, disse Lula. O brasileiro admitiu a possibilidade de se reunir com representantes do movimento fundamentalista islâmico Hamas. ;O Brasil está preparado para falar com todo mundo. Todas as partes envolvidas devem ser escutadas;, opinou. Ele exortou Israel a suspender o cerco a Gaza e a derrubar o muro da Cisjordânia ; teoricamente erguido para impedir a infiltração de militantes palestinos em território israelense. E pediu ao partido Fatah e ao Hamas para encerrarem as divergências.

As declarações de Lula coincidiram com o agravamento da crise israelo-americana. A ;mágica; à qual o líder brasileiro se referiu parece estar cada vez mais eficiente. Hagai Ben-Artzi, cunhado de Netanyahu, concedeu entrevista à Rádio do Exército de Israel e acusou o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, de antissemita. ;Não é que Obama não goste de Bibi;, disse, citando o apelido do premiê. ;É que ele não gosta da nação de Israel.; Segundo Ben-Artzi, a existência de um presidente anti-semita nos EUA é um teste para os judeus. Em meio à saia justa, o primeiro-ministro viu-se obrigado a intervir. Ele garantiu ter apreço pelo comprometimento de Obama com a segurança de Israel e afirmou ;discordar completamente; do cunhado.

Outro golpe nas relações entre EUA e Israel foi desferido pelo chanceler israelense, Avigdor Lieberman ; o mesmo que boicotou o discurso de Lula na Knesset, em Jerusalém, na segunda-feira. Em coletiva de imprensa com Catherine Ashton, alta representante para assuntos externos da União Europeia, Lieberman avisou: ;A demanda para proibir os judeus de comprar ou construir em Jerusalém Oriental é irracional;.

Herói
Em seu terceiro dia de compromissos oficiais no Oriente Médio, Lula também inaugurou a Rua Brasil, em Ramallah. ;Estou feliz de que a rua do Brasil fique diante do mausoléu de Arafat, isso demonstra o carinho que o povo palestino sente pelo povo brasileiro;, declarou Lula. Às 13h (8h em Brasília), Assad Hiijah, 29 anos, passou pelo local, pouco antes da solenidade. ;Vi bandeiras do Brasil e da Autoridade Palestina;, contou. O palestino emocionou-se com o fato de Lula ter visitado o túmulo de Arafat, usando o tradicional keffiyeh (lenço palestino) sobre os ombros. ;Não posso descrever o que sinto. Ações como essas não são feitas por qualquer chefe de Estado. Lula é um herói;, comemorou, em entrevista pela internet. ;Todos os presidentes querem que Israel estreja feliz com eles. E Israel insiste que eles apoiem tudo o que fizer, como assassinatos e construção de assentamentos;, acrescentou.

Por telefone, Atef Ibrahim Mohammad Adwan, deputado e líder do Hamas, afirmou ao Correio crer que a tensão entre americanos e israelenses realmente pode ser benéfica. ;A crise vai encorajar os EUA a entenderem que as políticas de Israel tentam minar a paz, por meio dos assentamentos judaicos;, comentou. O homem acusado de terrorismo por Jerusalém elogiou a postura de Lulan (1). ;Nós, do Hamas, saudamos as declarações do presidente Lula, cuja visita é algo bom para o nosso bem-estar e pode nos ajudar a atingirmos as metas para alcançarmos a paz;, disse, acrescentando que os assentamentos judaicos são ;um empecilho à paz;. ;Esperamos que essas declarações não fiquem apenas na retórica, mas ajudem a convencer os EUA e a União Europeia da necessidade de pôr fim à ocupação israelense;, concluiu.

Jordânia
Na tarde de ontem, Lula viajou para Amã, na Jordânia, onde foi recebido, a portas fechadas, pelo rei Abdullah II, que acusou Israel de ;roubar Jerusalém;. Ambos examinaram meios de promover avanços no processo de paz e de desenvolver relações econômicas bilaterais, especialmente nos campos da energia e da tecnologia. Hoje, Lula deverá visitar o famoso sítio arqueológico de Petra (sul), antes de voltar para Brasília.

1 - Cotado para o topo da ONU
O porta-voz da Presidência palestina, Mohamed Edwan, afirmou ontem esperar que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva seja o próximo secretário-geral da Organização das Nações Unidas, cargo atualmente ocupado pelo sul-coreano Ban Ki-moon. ;Achamos que Lula poderia ser um ótimo secretário-geral da ONU, pois é um homem de paz e de diálogo e sabe negociar de maneira inteligente e admirável;, disse Edwan à emissora britânica BBC, em Ramallah.

Assinatura de documentos
Os governos brasileiro e palestino assinaram dois acordos (de cooperação técnica e cultural) e três memorandos, nas áreas de saúde, esporte e desenvolvimento do turismo. O acordo de cooperação técnica terá vigência de cinco anos, com ênfase no desenvolvimento sustentável. O tratado no campo da cultura inclui contatos entre museus e bibliotecas. Na área esportiva, ficou decidido o intercâmbio de atletas e equipes, além de experiências sobre inclusão social.

Violência e recuo na Cisjordânia

Horas depois do chamado ;Dia da Fúria;, convocado pelo movimento fundamentalista islâmico Hamas, o Exército israelense levantou o cerco à Cisjordânia. Durante uma semana, palestinos foram proibidos de entrar ou sair do território palestino. A medida, no entanto, não suavizou os ânimos da população local, que voltou a entrar em choque com soldados judeus em várias regiões. No posto de controle do campo de refugiados de Qalandiya, que liga Ramallah a Jerusalém, jovens desafiaram os militares com pedras ; armas que se tornaram o símbolo das duas intifadas (1987-1993 e 2000-2005). No vilarejo de Beita, perto de Nablus, palestinos usaram barricadas improvisadas para atacar as tropas. Em Hebron, a polícia usou bombas de gás lacrimogêneo para dispersar os manifestantes.

Ex-membro da delegação palestina para conversações de paz multilaterais e ex-diretor do Instituto para o Oriente Médio da Universidade de Harvard, o cientista político Bishara Bahbah descarta uma terceira intifada (levante palestino). ;A onda de violência é uma reação ao anúncio da expansão dos assentamentos e à renovação da sinagoga de Hurva, próximo à Mesquita de Al-Aqsa, em Jerusalém Oriental;, explicou ao Correio, por telefone, de Scottsdale (Arizona, EUA). ;Eu retornei recentemente da Palestina e presenciei o desespero generalizado da população e o ceticismo em torno do processo de paz;, acrescentou. Segundo Bishara, a sensação entre os palestinos é de que o governo de Mahmud Abbas está muito enfraquecido e não se interessa mais em negociar a paz.

O especialista, autor de Israel e América Latina: a conexão militar, lembra que o traçado do Muro da Cisjordânia deu lugar a vários assentamentos judaicos. ;A impressão é de que Israel engoliu vilarejos e cidades palestinas. Há uma tremenda mudança em curso, transformando a Cisjordânia em porção geográfica do Estado de Israel;, analisou Bahbah. Ele não vê elementos da intifada na atual crise de segurança e acredita que o nível de violência diminuiu drasticamente, em comparação com os incidentes da terça-feira.

Cientista político palestino, Bishara Bahbah, comenta onda de violência na Cisjordânia


Atef Adwan, líder do Hamas e parlamentar palestino, convoca intifada e fala ao Correio sobre a situação no Oriente Médio

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