postado em 22/03/2010 07:00
Existe um ditado na França que já assombra o presidente Nicolas Sarkozy: ;A beleza é o poder pelo qual a mulher encontra o amante e aterroriza o marido;. Em meio a burburinhos sobre um possível caso de traição envolvendo Carla Bruni e no momento em que amarga perda de popularidade, o chefe de Estado francês parece viver um inferno astral. Ontem, foi a vez de a população francesa confirmar o voto contra a direita, liderada por Sarkozy, no segundo turno das eleições regionais.A votação era considerada substancial pelo fato de anteceder a escolha do próximo presidente, em 2012. Os resultados de boca de urna divulgados pelo Instituto Opinion Way concedem 54,3% dos votos para a coalizão esquerdista ; representada pelo Partido Socialista (PS), a Europa Ecologia e a Frente de Esquerda (liderada pelo Partido Comunista) ;, contra 36,1% para a União para um Movimento Popular (UMP, de direita), de Sarkozy. A Frente Nacional (FN, de extrema direita) recebeu 8,7% dos votos, garantindo bom número de deputados provinciais à facção de Jean Marie Le Pen.
No início da noite de ontem, o jornal francês Le Monde estampava em seu site a manchete ;(Martine) Aubry (líder do Partido Socialista) apela a Sarkozy e (François) a Fillon (premiê da França) a mudarem sua política;. Já a página na internet do Le Figaro estampava uma fotografia de um primeiro-ministro abatido, abaixo do título ;François Fillon assume sua cota de responsabilidade;. ;Estas eleições confirmam o sucesso da esquerda. Não soubemos convencer;, disse o chefe de Governo à agência France-Presse, tão logo soube das primeiras projeções. A tristeza e o desânimo de Fillon não são para menos.
Em entrevista ao Correio, Paul Smith, especialista em política francesa pela Universidade de Nottingham (Reino Unido), afirmou que ainda há especulações sobre até que ponto Sarkozy manterá o premiê. ;Ele até poderá pagar o pato, mas vejo muito boas razões para preservá-lo, principalmente por sua alta popularidade;, comenta, lembrando que apenas a região da Alsácia (leste) permanecerá sob controle da UMP. Apesar de prever polêmica no meio político sobre a responsabilidade de Sarkozy pelo fracasso, ele lembra que o presidente ainda detém maioria confortável na Assembleia Nacional, ameaçada apenas pelo recrudescimento da oposição no Senado.
;A esquerda não está em melhor forma para vencer uma eleição presidencial do que se encontrava seis anos atrás. Além disso, Sarkozy precisa levar em conta a alta taxa de abstenção ; principalmente entre seus eleitores, e não entre adeptos da esquerda;, comenta o analista. Segundo Smith, lições podem ser tiradas do fraco apoio dos eleitores ultradireitistas à FN. ;Talvez isso seja um sinal de que os eleitores gostam da esquerda em nível regional;, afirma. Ele também vê a derrota nas urnas como um sinal de que Sarkozy precisará mudar seu estilo. ;Muitos de seus simpatizantes mais velhos e conservadores de direita não estão felizes com o perfil de celebridade do presidente, por causa de Carla Bruni, entre outras coisas;, conclui Smith.
Especialistas analisam derrota de Sarkozy nas eleições regionais francesas
Anne Corbett, especialista do Instituto Europeu da London School of Economics (LSE)
"O presidente da França, Nicolas Sarkozy, fará tudo o que puder para dizer que essas eleições regionais não afetam o curso do governo. Parece provável que o presidente não fará grandes mudanças no governo, como resultado. De qualquer modo, o efeito imediato é fazer com que Sarkozy, já bastante impopular (36% da população o aprova), pareça um fraco candidato para as eleições presidenciais em 2012. Mas muito pode mudar em dois anos.
A derrota de Sarkozy pode ser explicada por dois fatores. Em primeiro lugar, Sarkozy perdeu o apoio da extrema-direita, cujos eleitores o apoiaram nas eleições de 2007. O segundo turno mostrou um leve aumento na participação e uma queda no voto para a Frente Nacional, de 12% para menos de 11%. Em segundo lugar, os socialistas, pela primeira vez desde 2002, parecem dinâmicos. Eles têm sido historicamente fortes nas regiões. Mas, dessa vez. chagaram a um acordo com os ecologistas que sugerem algum tipo de renovação da ideologia do Partido Socialista. O fato de existirem 3 milhões de desempregados é uma explicação para o fracasso de Sarkozy."
Paul Smith, especialista em política francesa pela Universidade de Nottingham
O primeiro-ministro francês, François Fillon, admitiu que essa é uma grande derrota, mas ele diz que é a mensagem que precisa mudar, não as políticas. A UMP (partido de Sarkozy) perdeu apenas uma região (Córsega) para os esquerdistas, que já controlavam 20 das 22 regiões do continente. Apenas a Alsácia permaneceu sob o controle do governista UMP. O poder das assembleias regionais em breve será reduzido de forma mais clara e focalizada (como parte de uma reforma para oferecer maior autonomia às camadas do governo local -- os serviços e municípios).
Haverá, naturalmente, rumores sobre se a responsabilidade pelo fracasso é de Sarkozy. As eleições municipais de 2008 foram desastrosas. As eleições europeias do ano passado foram bem melhor, mas este pleito é muito ruim. Seu governo ainda tem uma confortável maioria na Assembleia Nacional, apesar da oposição no Senado, onde há apenas uma maioria relativa, poderia ter coração. A esquerda não está em melhor forma para ganhar uma eleição nacional agora do que seis anos atrás. Sarkozy precisa levar em conta a alta taxa de abstenção -- principalmente entre seus eleitores e não entre esquerdistas -- e do retorno de vários eleitores da extrema-direita rumo à Frente Nacional, liderada por Jean-Marie Le Pen. O resultado das eleições talvez seja um sinal de que eleitores gostam da esquerda a nível regional. Também parece um indício de que os eleitores pretendam que Obama mude seu estilo. Muitos de seus simpatizantes mais velhos e conservadores de direita não estão felizes com o perfil de celebridade do presidente."