postado em 31/03/2010 08:52
No dia seguinte ao duplo atentado que matou 39 pessoas no metrô de Moscou, alarmes (falsos) de bomba em prédios importantes mostraram que, de agora em diante, o temor de novos ataques fará parte da rotina na capital russa. Na tarde de ontem, mais de 100 pessoas foram retiradas às pressas da principal catedral ortodoxa da cidade e de um dos prédios da Universidade Técnica após informações de que haveria explosivos nos locais. Em meio ao clima de tensão, o presidente Dmitri Medvedev defendeu maior rigor na legislação antiterrorista e reforço da segurança no transporte público e nos locais de concentração pública das principais cidades russas.De acordo com a agência Interfax, um telefonema anônimo avisou a polícia, por volta das 17h (10h em Brasília), de que uma bomba havia sido colocada na Catedral de Cristo Salvador, onde estava sendo realizada uma vigília de orações em memória das vítimas. Assim que foram informados, representantes do patriarcado anunciaram que o espaço teria que ser esvaziado e tentaram conter o pânico entre os fiéis. No caso do prédio universitário, a mensagem chegou à polícia por volta das 20h (13h em Brasília) e todas as pessoas foram retiradas imediatamente. Outros objetos encontrados embaixo de carros e abandonados em locais de grande movimento alimentaram a tensão entre os moscovitas. Nenhuma bomba foi encontrada.
Nas estações Lubyanka e Park Kultury, onde na véspera duas mulheres-bomba detonaram as cargas explosivas que carregavam, o movimento começou a voltar ao normal, com visível reforço na segurança. Muitos moradores levaram flores aos altares improvisados nos locais das explosões, com retratos das vítimas e centenas de velas. Durante o dia de luto decretado pela prefeitura, as bandeiras foram hasteadas a meio mastro em toda a capital. Teatros e redes de televisão cancelaram a programação de entretenimento. Segundo as autoridades, quase todos os corpos já foram identificados e as primeiras vítimas serão sepultadas hoje.
Aperfeiçoamento
Medvedev, muito criticado pela imprensa russa por não reprimir de forma mais efetiva o terrorismo no norte do Cáucaso, declarou que é preciso aperfeiçoar a aplicação dos artigos do código penal. ;Temos de concentrar a atenção em melhorar a legislação relativa à prevenção de ações terroristas e à eficiência do trabalho dos organismos (governamentais);, disse o presidente. Enquanto isso, as investigações se voltam para uma célula terrorista ligada às Viúvas Negras da Chechênia. Segundo o jornal britânico The Times, as duas suicidas teriam sido enviadas para vingar a morte de Said Buryatsky, acusado de ter tramado o atentado a bomba em um trem em Moscou, no ano passado, e morto no início de março durante uma operação do FSB (agência de inteligência que sucedeu a KGB).
Os serviços de segurança acreditam que as duas suicidas tenham chegado à capital em um ônibus vindo do norte do Cáucaso. ;O motorista reconheceu as mulheres pelas fotos. Disse que elas chegaram no início da manhã (do dia dos atentados). Estavam acompanhadas de um homem de 1,80 m com feições do Cáucaso;, disse uma fonte à Interfax. Os três carregavam mochilas.
[SAIBAMAIS]O ministro de Relações Exteriores, Sergei Lavrov, disse não descartar que militantes na fronteira entre Afeganistão e Paquistão tenham ajudado os autores do atentado. ;Sabemos que muitas pessoas lá planejam ataques ativamente, não somente no Afeganistão, mas também em outros países. Algumas vezes o caminho leva ao Cáucaso;, disse Lavrov, sem, no entanto, mencionar a Al-Qaeda. Para o especialista do Instituto Cato Patrick Basham, é muito clara a influência da rede de Osama bin Laden no Cáucaso. ;A crescente frustração entre as comunidades islâmicas fundamentalistas é terreno fértil para o recrutamento e apoio à Al-Qaeda. E raramente a rede perde uma oportunidade;, avalia.
O número
39
total revisado de mortos nos atentados de segunda-feira no metrô moscovita
;Vamos arrancá-los do fundo do esgoto;
Os sangrentos atentados desta semana podem desencadear muito mais do que uma repressão dura aos insurgentes do norte do Cáucaso. As dezenas de mortes no centro de Moscou podem dar mais forças a quem, de fato, é a voz forte do governo russo: o primeiro-ministro Vladimir Putin. Pelas declarações pós-atentados, já é possível identificar quem a população vai querer que tome a frente da luta antiterrorista. Enquanto o presidente Dmitri Medvedev fala em ;capturar e punir; quem está por trás do ataques, Putin engrossa o tom e exige que os culpados sejam ;arrancados do esgoto;.
;Sabemos que (os responsáveis pelos atentados) estão se escondendo. Mas agora é uma questão de honra para as forças de segurança arrancá-los do fundo do esgoto e trazê-los à luz do dia;, disse Putin ontem. A frase lembra a famosa ameaça feita por ele em 1999, quando assegurou que atacaria os rebeldes até ;nas latrinas;, ao anunciar uma política mais dura contra os insurgentes chechenos.
Na época, Putin era primeiro-ministro do presidente Bóris Yeltsin, que o preparava para sucedê-lo no Kremlin. Yeltsin renunciou em 31 de dezembro de 1999, o premiê assumiu como interino e assumiu o comando da guerra aos separatistas na Chechênia. Em março de 2000, foi eleito presidente pela primeira vez.
Para o cientista político Mark Katz, da George Mason University, é previsível que os atentados agravem a disputa por liderança entre Putin e Medvedev. ;Os russos não vão apoiar uma abordagem mais branda, que vise apenas a desarmar os insurgentes (posição que pode ser associada com Medvedev), mas uma abordagem mais incisiva (o que se pode esperar de Putin);, avalia Katz. ;Inicialmente, isso pode ajudar Putin, mas se os ataques continuarem, é possível que o público veja as táticas de Putin envolvendo cada vez mais custos e menos resultados.;
James Collins, embaixador dos Estados Unidos na Rússia entre 1997 e 2001, destaca que o forte apoio dado ao governo russo ;continua aparentemente imune à série de ataques terroristas;, da qual os atentados de segunda-feira foram apenas o episódio mais recente. ;Mesmo o debate atual sobre abusos de poder e conduta da polícia não conseguiram corroer significativamente a base de apoio ao primeiro-ministro e ao presidente Medvedev. As pesquisas continuam mostrando aprovação a eles em níveis invejáveis para qualquer político;, afirmou Collins ao jornal The New York Times.
Palavra de especialista
Russos pagam pelos erros do governo
Todas as reações de Vladimir Putin aos ataques terroristas até hoje falharam. Após o massacre de 2004 em uma escola de Beslan, ele aumentou o controle do governo federal, cancelou a eleição dos governadores regionais e emasculou a Duma (Câmara dos Deputados). No entanto, a dança das cadeiras organizada por Moscou nas posições de liderança do norte do Cáucaso não produziu a calma desejada. A polícia e os serviços de segurança na região permanecem notoriamente corruptos e ineficientes, como em Moscou.
As respostas de diplomacia russa para o terror no norte do Cáucaso também falharam. O Kremlin mantém contatos com o Hamas e o Hezbollah e, até agora, tem resistido a sanções significativas contra o maior patrocinador do terrorismo: o Irã. O norte do Cáucaso, entretanto, se parece cada vez mais com uma parte do Grande Oriente Médio. A região sofre as mesmas mazelas, como as altas taxas de desemprego e o aumento do extremismo religioso, e agora se junta ao Afeganistão, à Faixa de Gaza, ao Noroeste do Paquistão, à Somália e ao Iêmen como um espaço político que produz violência e terrorismo.
Moscovitas inocentes estão pagando o preço pela equivocada política antiterror do governo. E, infelizmente, não será a última vez. O governo russo deveria educar e apoiar os mulás que promovem o islã esclarecido, interrompendo as ligações da região com os extremistas do Golfo Pérsico, e oferecer oportunidades de educação e emprego para a grande massa de jovens do norte do Cáucaso.
Ariel Cohen, especialista em Rússia e Leste Europeu da Fundação Heritage, de Washington (EUA)