Agência France-Presse
postado em 05/04/2010 16:24
Desempenhar o papel de fortaleza sitiada, acusando a mídia e as "forças" anticristãs de tentar atingir o Papa Bento XVI na crise dos escândalos de pedofilia, é um sinal de fraqueza do Vaticano e da Igreja Católica, que precisam de verdadeiras reformas, segundo vaticanistas.O forte gesto do número dois do Vaticano, Monsenhor Angelo Sodano, que antes da missa de Domingo de Páscoa, transmitida ao vivo, garantiu a Bento XVI o apoio de "toda a Igreja", surpreendeu por seu caráter inédito.
Ele se somou, assim, à denúncia, pela imprensa do Vaticano, de uma "campanha de propaganda grosseira contra o papa e os católicos" com milhares de mensagens de solidariedade de prelados divulgadas durante toda a semana de Páscoa.
Mas esta estratégia defensiva poderá dificilmente fazer parar as revelações de abusos e os questionamentos sobre o silêncio de Bento XVI que, antes de tornar-se papa, em 2005, foi durante 24 anos chefe da Congregação para a Doutrina da Fé (a antiga Inquisição), encarregada de instruir e punir os crimes graves.
[SAIBAMAIS]O papa e a Igreja devem "sair do bunker e da psicose do estado de sítio" para "resolver questões abertas por esta crise gravíssima", explicou à AFP Giancarlo Zizola, vaticanista do jornal La Repubblica, que, assim como numerosos especialistas, reconhecem em Bento XVI a "coragem" de ter iniciado a luta contra a pedofilia no clero.
Em vez de se deixar dominar pelos "falatórios" da mídia e de outras forças presumivelmente hostis como fez o cardeal Sodano domingo, "a Igreja deverá, ao contrário, reconhecer seu papel na investigação dos fatos", acrescenta ele.
A polêmica de Sexta-Feira Santa, após o paralelo traçado pelo pregador do Vaticano entre um clima considerado hostil aos católicos e o antissemitismo "deu a impressão de um Vaticano que perde um pouco o fio da meada", segundo o vaticanista Bruno Bartoloni.
Mesmo o fervoroso escritor católico Vittorio Messori pediu à Santa Sé admitir "erros de comunicação", em artigo no jornal Corriere della Sera.
Segundo Bartoloni, "há qualquer coisa que falta em torno do papa, principalmente em relação à competência do secretariado de Estado", no qual Monsenhor Sodano, considerado um "político" hábil, foi substituído desde 2006 pelo muito apagado cardeal Tarcisio Bertone.
Enquanto a Igreja atravessa seu mais difícil período dos últimos 40 anos, a personalidade do papa, que "tem tendência a trabalhar sozinho, sem dar muita importância à mídia" complica a tarefa dos estrategistas do Vaticano. "Não acredito que ele esteja preocupado com a atual tormenta. Enquanto professor (de teologia) ele consagra seu tempo a escrever livros e discursos e à sua missão voltada para melhorar a cultura evangélica", destaca Zizola.
No entanto, a Igreja tem do que se preocupar. "Há 4 milhões de alunos e 3.500 instituições católicas no mundo; se as famílias começarem a ter dúvidas, será um drama, porque as crianças são os futuros fiéis", destaca Bartoloni. "É preciso mudanças profundas: reformar seminários, a seleção do clero e o papel maior os leigos ao lado dos padres na Igreja, como comunidade, como acontece na Índia ou na África", preconiza Zizola.
Se a crise continuar a aumentar, "é possível", segundo Bartoloni, que o papa convoque um consistório extraordinário, com instruções mais fortes em matéria de pedofilia, como "tomar a iniciativa de denunciar situações nebulosas mais do que esperar" as queixas das vítimas.