postado em 09/04/2010 07:00
Demorou mais de meio século. Mas Takashi Morita, hoje com 86 anos, e Toshie Shoje, 70, viveram ontem um dia de redenção, ainda que contida. Ambos celebram a renovação do Tratado de Redução de Armas Estratégicas (Start), firmada em Praga pelos presidentes Barack Obama (Estados Unidos) e Dmitri Medvedev (Rússia) como um ;primeiro passo;. ;É algo muito louvável, fico muito contente de saber, apesar de achar que isso ocorreu muito tarde;, afirmou Morita ao Correio, por telefone, de São Paulo. ;A redução dos arsenais em um terço é um primeiro passo, mas a humanidade não pode mais conviver com armas nucleares;, acrescenta o presidente da Genbaku Hibakusha Kyoukai ; associação que congrega no Brasil 120 sobreviventes da explosão atômica em Hiroshima. Toshie Shoje, um deles, arranha o português para demonstrar sua satisfação. ;Aos poucos, o mundo vai se dirigindo rumo à paz;, diz a moradora da Asa Sul, aos 70 anos.[SAIBAMAIS]Considerado histórico, o acordo prega a diminuição, em um terço, dos arsenais de Moscou e Washington: norte-americanos e russos se comprometem a reduzir o número de suas ogivas nucleares a 1.550 cada ; uma queda de 74% em relação à primeira edição, assinada em 1991 e expirada no fim do ano passado. O tratado também limita o número de mísseis intercontinentais, terá uma duração de 10 anos e poderá ser renovado por mais cinco.
;Hoje é um marco importante para a segurança e a não proliferação nuclear, e para as relações entre os Estados Unidos e a Rússia;, declarou Obama, no Salão Espanhol do Castelo de Praga. O líder Nobel da Paz insistiu no caráter histórico do Start. ;O acordo tornará mais seguros o mundo e os EUA;, disse o presidente norte-americano, 48 horas após tornar pública sua doutrina nuclear, segundo a qual o uso de armas atômicas dependeria de ;circunstâncias extremas;. Após assinar a nova versão do Start, Obama garantiu que tanto ele quanto Medvedev perseguirão uma ;liderança global responsável;. ;Estamos mantendo nossos compromissos sob o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), que deve ser a base para a não proliferação global;, comentou. Medvedev considerou a assinatura ;um evento histórico, que abrirá nova página nas relações entre os dois países;.
Especialista do Centro para Estudos de Não Proliferação (em Monterey, Califórnia), Nikolai Sokov acredita que a redução de ogivas acordada por Obama e Medvedev é ;decente;, mas nada dramática. ;Os números simplesmente demonstram que ambos estão preparados para continuar reduzindo os arsenais;, explica ao Correio, por e-mail. ;O significado do novo Start é que ele coloca as duas nações de volta aos trilhos da desnuclearização e pavimenta o caminho para um tratado mais ambicioso, que reduziria não só as armas posicionadas, mas estoques inteiros de ogivas.;
Urgências
O analista russo, que participou das negociações do Start I e do Start II, aposta que o acordo é uma ponte para uma nova geração de tratados de redução de armamentos atômicos. ;Todos os tratados previamente assinados desde 1970 se concentraram na redução de armas posicionadas em mísseis e bombardeiros. Isso era algo lógico durante a Guerra Fria. Agora, é necessário diminuir o número de armas guardadas, verificar o desmantelamento de ogivas e controlar a disposição de materiais de fissão nuclear retirados das ogivas;, defende Sokov. Segundo ele, o novo acordo ;contém um regime de transparência detalhado, que inclui troca de dados e provisões para inspeções técnicas;.
O Start seria um passo para que armas nucleares façam parte da história. Em 6 de agosto de 1945, Takashi Morita era um soldado de 22 anos em Hiroshima, quando foi surpreendido pela explosão. ;Eu estava a 1,3km do epicentro. Senti um calor na nuca e fui atirado a vários metros. Uma escola adiante havia sido esmagada. E veio a escuridão. Depois, vi muita gente deformada;, relembra. Um pesadelo que ele e Toshie esperam nunca mais se repetir.