postado em 28/04/2010 07:56
Atentados, disputas políticas, narcotráfico, guerrilhas de esquerda e a presença crescente de facções criminosas brasileiras. Para manter-se no poder, o presidente paraguaio, Fernando Lugo, terá de resolver o difícil quebra-cabeças em que se transformou a região norte do país, sem deixar de fora nenhuma peça. Na semana passada, Lugo conseguiu que o Congresso decretasse estado de exceção em cinco departamentos (estados) na fronteira com Brasil e Bolívia, em resposta a ameaças do Exército do Povo Paraguaio(1) (EPP), suspeito de ter ligação com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Na noite de segunda-feira, o senador governista Robert Acevedo sofreu um atentado na cidade de Pedro Juan Caballero, capital de Amambay, um dos departamentos sob medidas de emergência.Em um hospital da região, o senador apontou como responsáveis pelo ataque ;o narcotráfico; e um deputado de seu próprio partido, Pedro González. Acevedo diz que sua cabeça foi posta a prêmio por US$ 500 mil, e sustenta que González seria ;protegido da máfia do narcotráfico;. O deputado, eleito por Amambay, refuta as acusações como ;politicagem barata que não tem fundamento;.
Tudo pareceria uma violenta disputa política interna, não fosse a identidade dos principais suspeitos de cometer o atentado contra Acevedo: os brasileiros Eduardo da Silva, de 27 anos, e Marcos Cordeiro Pereira, 34. Segundo o Ministério do Interior paraguaio, os dois estão presos em Pedro Juan Caballero e podem ter ligação com a facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), informação que a polícia paraguaia tenta confirmar. A promotora Lourdes Peña afirmou que o carro usado no ataque ao senador ;é brasileiro, adquirido pelo banco Itaú e não tem denúncias de roubo;. O veículo tinha placa (clonada) de São Paulo e em seu interior foram encontrados projéteis de alto calibre.
Em declarações à Rádio Cardinal, o deputado González acusou Acevedo de se apoiar em rivalidades políticas para acusá-lo, e jurou não ter ligações com o chamado ;barão da droga; de Santa Catarina, Jarvis Chimenes Pavão. O brasileiro, natural de Ponta Porã (MS), foi preso em janeiro pela Polícia Federal brasileira depois de refugiar-se no Paraguai e atuar no tráfico internacional por mais de 15 anos. Uma foto de González ao lado de Pavão foi divulgada no Paraguai, mas o deputado alega que se tratou do lançamento de um programa turístico que incluiria ;uma fazenda; do brasileiro. O deputado, que sofreu atentado semelhante no mês passado, acha que os mafiosos ;passaram dos limites; ao tentar matar o senador.
[SAIBAMAIS]Ontem, em uma conferência sobre combate às drogas no Rio de Janeiro com delegações de 91 países, o diretor-geral da PF, Luiz Fernando Correa, afirmou que 90% da maconha produzida no Paraguai vem para o Brasil. ;Somos corresponsáveis. Temos reforçado a soberania paraguaia;, disse Correa, que destacou a importância da cooperação entre blocos regionais para vencer o problema do narcotráfico.
Refúgio contestado
A polícia paraguaia descartou qualquer relação do EPP com o atentado. Mas não faltam no país queixas contra o Ministério da Justiça brasileiro por ter concedido refúgio a três supostosguerrilheiros ; Juan Arrom, Anuncio Martí e Víctor Colmán ; acusados de sequestro no Paraguai. O governo de Lugo pediu à ONU que declare ilegal o status dos refugiados e levará o caso à Organização dos Estados Americanos (OEA).
Na próxima segunda-feira, ele se reunirá com o colega brasileiro em Ponta Porã (MS). A visita tinha sido inicialmente marcada para a próxima sexta-feira, mas foi adiada para depois da visita de Lula à Argentina e ao Uruguai, no fim de semana.
1 - Braço das Farc
Datam de pelo menos uma década, segundo autoridades do Paraguai e da Colômbia, as relações entre o Exército do Povo Paraguaio (EPP) e as Farc. A origem do grupo guerrilheiro paraguaio está no Partido Pátria Livre (PPL), surgido no início da década e acusado por uma série de sequestros, entre eles o que terminou com a morte de Cecilia Cubas, filha do ex-presidente Raúl Cubas, em . Integrantes do PPL figuram entre os nomes encontrados pela inteligência colombiana nos arquivos de correio eletrônico do computador que pertenceu a Raúl Reyes, responsável pelas relações internacionais das Farc, morto em 2008 no bombardeio a um acampamento no Equador.
Para saber mais
Vizinhos dominam o ;empório;
Silvio Queiroz
Não por acaso que Fernandinho Beira-Mar, capturado na Colômbia em 2001 e hoje fazendo turnê pelas prisões de segurança máxima no Brasil, começou no Paraguai sua carreira de narcotraficante internacional. Por uma conjunção de fatores que incluem a localização, a vizinhança e a história de fragilidade das instituições, o país tornou-se uma espécie de entreposto de negócios ilegais: drogas, armas, carros roubados, contrabando e pirataria de eletroeletrônicos, bebidas e outros produtos, sem falar em lavagem de dinheiro e suspeitas insistentes sobre redes de financiamento para terroristas do Oriente Médio, em especial a Al-Qaeda.
Quando fugiu da penitenciária de Contagem (MG), em 1997, já então como um dos donos do atacado das drogas no Rio de Janeiro, Beira-Mar iniciou sua aventura paraguaia, até estabelecer-se na região de Capitán Bado, na fronteira do Brasil, com plantações de maconha. Foi a partir desse período que a erva produzida no país vizinho, atualmente com participação majoritária de brasileiros, passou a dominar os mercados do Rio, de São Paulo e outros dos principais centros.
No ;empório; do Paraguai, onde as máfias enredaram os tentáculos na vida política, Beira-Mar passou a operar negociações triangulares entre fornecedores de cocaína, principalmente da Colômbia, traficantes de armas e a guerrilha colombiana das Farc. Entre 1999 e 2000, em meio a uma pequena guerra com ex-sócios locais, o brasileiro migrou para a selva colombiana, onde foi capturado durante uma operação do Exército contra o comandante das Farc chamado de Negro Acácio, apontado como ;dono; da cocaína na fronteira com Brasil e Venezuela. Acácio foi morto pelos militares em 2007, em um bombardeio realizado com aviões SuperTucano comprados da Embraer.