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Shahzad cometeu erros que permitiram ao FBI capturá-lo

Capturado ao tentar fugir dos Estados Unidos, paquistanês naturalizado norte-americano admite envolvimento no atentado a Nova York, revela ter sido treinado no país natal e é formalmente indiciado. Paquistão detém mais cinco suspeitos

Correio Braziliense
postado em 05/05/2010 07:56 / atualizado em 30/09/2021 14:03

Agentes do FBI utilizam lona para cobrir parte de trás da casa de Faisal, em Bridgeport (Connecticut): busca por pistasO homem que tentou explodir um carro-bomba em plena região da Times Square ; uma das mais famosas avenidas de Nova York ; cometeu erros que permitiram ao FBI (a Polícia Federal dos Estados Unidos) capturá-lo e sugerir a existência de um complô terrorista internacional. O paquistanês naturalizado norte-americano Faisal Shahzad, 30 anos, admitiu envolvimento no atentado frustrado de sábado passado, garantiu ter agido sozinho e revelou que recebeu treinamento em um campo no Waziristão (oeste do Paquistão).

Indiciado formalmente, ele responderá por cinco acusações: tentativa de uso de arma de destruição em massa; tentativa de matar e mutilar pessoas nos Estados Unidos; utilização e porte de dispositivo destrutivo; transporte de dispositivo explosivo; e tentativa de danificar prédios, carros e outras propriedades. O documento, assinado pelo juiz Kevin Fox e pelo agente do FBI Andrew Pachtman, tem 10 páginas e traz detalhes da investigação e da prisão. Até o fechamento desta edição, Faisal não havia comparecido à corte federal.

;Em função da informação de que dispomos, fica claro que este foi um plano terrorista, que pretendia assassinar americanos em um dos locais mais frequentados de nosso país;, declarou o procurador-geral Eric Holder. Por sua vez, John Pistol, diretor-assistente do FBI, confirmou que Faisal ;ofereceu importantes evidências; aos investigadores. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, elogiou o FBI e procurou tranquilizar a população. ;A justiça será feita, nós vamos continuar fazendo tudo em nosso poder para proteger o povo americano;, prometeu.

A 11,7 mil quilômetros, as autoridades do Paquistão realizaram ontem uma grande operação antiterrorismo. Com base em chamadas telefônicas feitas pelo acusado nos EUA, oficiais de inteligência detiveram dois homens em Karachi e três em Faisalabad. Dois deles seriam o sogro de Faisal e o amigo Tauseed Ahmed. Na véspera, a prisão de Faisal ocorrera graças à perícia do FBI, mas também a uma boa dose de sorte. Às 23h45 (hora local) de segunda-feira, o suspeito estava sentado na poltrona do avião que faria o voo 202 da Emirates Airlines. A aeronave taxiava pela pista do Aeroporto Internacional JFK, em Nova York, quando o FBI descobriu que ele estava no voo. Faisal havia pago a passagem em dinheiro, pouco antes do embarque. Funcionários da Emirates acharam estranha a atitude e acionaram a segurança.

O comandante recebeu a ordem de retornar ao terminal aéreo, onde agentes federais aguardavam o suspeito. Desde anteontem, o nome de Faisal constava em uma lista de pessoas proibidas de embarcar. O acusado faria conexão em Dubai e seu destino final seria o Paquistão. No carro que o levou ao aeroporto, foram achadas uma pistola 9mm e munição.

Jihad
Para o francês Jean-Charles Brisard, advogado dos familiares das vítimas do atentado de 11 de setembro de 2001 e especialista em terrorismo, Faisal parece ter sido ;fortemente radicalizado; por militantes paquistaneses. ;Ele aparentemente frequentou um campo de treinamento em Kohad, no norte do Paquistão, que também foi usado por cidadãos britânicos envolvidos no ataque a Londres (em 7 de julho de 2005);, explicou ao Correio, em entrevista pela internet. ;Se ficar provado, o envolvimento de um grupo do Paquistão seria o sinal de que os EUA se tornaram alvo primário da jihad (guerra santa) global;, acrescentou.

[SAIBAMAIS]O paquistanês Imtiaz Gul, diretor do Centro para Pesquisas e Estudos sobre Segurança (em Islamabad) e autor de A Conexão Al-Qaeda ; o Talibã e o terror em áreas tribais, não descarta o envolvimento direto do grupo islâmico Tehrik-i-Taliban Pakistan. ;Essa facção funciona como um bando de mercenários para a Al-Qaeda e para gangues criminosas;, assegurou. O analista alerta que o terrorismo crescerá onde que quer existam lacunas. ;Vários elementos decepcionados de famílias muçulmanas às vezes encontram atenção e receptividade ao se reunirem com representantes de organizações militantes islâmicas, como a Al-Qaeda e o Lashkar-e-Tayyiba.;

A captura de Faisal começou a se tornar realidade depois que o FBI rastreou a origem do utilitário Nissan Pathfinder abandonado com explosivos na Times Square. Os agentes descobriram que Faisal comprou o carro por meio da internet. Durante a aquisição, cometeu uma gafe: apesar de ter dado um nome falso, trocou e-mails com o vendedor e, nas mensagens, forneceu um número de celular.

Análise da notícia
Herança maldita


Se os Estados Unidos construíram a imagem interna de país das liberdades civis e das oportunidades, no âmbito externo modelaram a face de uma nação que se impõe cultural e economicamente sobre outras mais fracas. Com o avanço do imperialismo, o Paquistão transformou-se em celeiro de terroristas, formados pelas madrassas mais radicais. Nem mesmo a ajuda da Casa Branca ; que injetou em Islamabad US$ 656 milhões para operações militares contra o Talibã ; conseguiu suavizar o perigo representado pela ala mais fanática e ortodoxa dos muçulmanos. Há quem diga que o próprio serviço secreto paquistanês abriga uma espúria e perniciosa relação com o terrorismo islâmico. Uma ligação até certo ponto conveniente: os militantes funcionariam como um fator de contenção da Índia e de suas aspirações sobre a Caxemira, além da influência iraniana no Afeganistão, a oeste.

O atentado frustrado em Nova York mostra que, mesmo sob o governo de Barack Obama, os Estados Unidos ainda são alvos em potencial do extremismo, seja ele amador ou profissional. Existe um acúmulo muito grande de ressentimentos em relação à política de George W. Bush e à ocupação do Afeganistão e do Iraque. A reação da Casa Branca aos atentados de 11 de setembro apenas exacerbou esse ódio e fomentou o fanatismo. Se os Estados Unidos pretendem se livrar dessa ameaça, precisam ser mais firmes em relação a uma postura do Paquistão e transformar as promessas de diálogo com o islã em atitude. (RC)


Os termos do indiciamento

Os crimes pelos quais Faisal Shahzad terá de responder perante a Justiça dos EUA:


Acusação 1
Tentativa de uso de arma de destruição em massa
;(;) Em 1; de maio de 2010, Shahzad viajou de Connecticut a Nova York e tentou detonar dispositivos explosivos e incendiários dentro de um utilitário esportivo estacionado nas proximidades da 45th Street com a Seventh Avenue, em Manhattan.;

Acusação 2
Tentativa de matar e mutilar pessoas nos EUA
;(;) Faisal Shahzad tentou, ilegal e espontaneamente, matar e mutilar pessoas dentro dos Estados Unidos, e criou um risco substancial de ferir gravemente outras pessoas (;);

Acusação 3
Utilização e porte de dispositivo destrutivo
;(;) Faisal Shahzad (;) usou e transportou um dispositivo destrutivo (;);

Acusação 4
Transporte de dispositivo explosivo
;(;) Faisal Shahzad ilegal, espontânea e conscientemente transportou e recebeu, e tentou transportar e receber, um explosivo com o conhecimento e a intenção de matar, ferir e intimidar (;);

Acusação 5
Tentativa de danificar prédios, carros e outras propriedades
;(;) Faisal Shahzad ilegal, espontânea, consciente e maliciosamente tentou danificar e destruir, por meios de fogo e de um explosivo, um prédio, um carro e outras propriedades (;);


Incredulidade entre vizinhos


Quando Faisal Shahzad entrou no supermercado Future Market, na Rua Ogden, em Bridgeport (Connecticut), o atendente Rafael Santos jamais imaginava que o homem diante dele cometeria um ato terrorista. O encontro ocorreu menos de um mês atrás. Em entrevista ao Correio, por telefone, o dominicano Rafael parecia ontem bastante surpreso. ;Ele veio aqui só um dia e comprou um pacote de cigarros, eu não o conhecia;, afirmou o comerciante de 57 anos. ;Ele me pareceu uma pessoa normal. Entrou, comprou os cigarros, mal olhou para mim e saiu;, acrescentou.

Questionado sobre se Faisal levantaria qualquer suspeita de ser um terrorista, Rafael ponderou: ;Não, não, jamais na vida, nunca pensei nisso;. O caixa do Future Market revelou que boa parte dos 140 mil moradores da pacata cidade, a cerca de 96km de Nova York, estão assustados. ;Agora sabemos que não conhecemos quem mora por perto;, desabafou o homem, que trabalha a apenas seis casas da residência de Faisal.

Segundo a TV MSNBC, Faisal vivia antes na cidade de Shelton e teve a hipoteca da casa colocada em execução. Forçado a mudar-se para Bridgeport, ele já deve mais de US$ 200 mil de hipoteca da nova residência. Vizinhos revelaram a jornais norte-americanos que o homem parecia ;um pouco estranho;. Brenda Thurman, moradora de Shelton, relatou que o suspeito abandonou a casa levando apenas um refrigerador e deixando várias coisas para trás. ;Ele não gostava de sair durante o dia;, lembra. Em Bridgeport, a norte-americana Lavone Muse admitiu à agência de notícias France-Presse que estava em choque. ;Não imaginei que tínhamos alguém em nosso quintal fazendo isso, planejando, preparando;, disse a mulher, que vive com o filho na residência vizinha, na rua Sheridan.

Na madrugada de ontem, agentes do FBI invadiram a casa de madeira de três andares, cobriram a parte posterior da construção com uma lona e retiraram uma série de objetos. Janine Crockett, outra vizinha de Faisal, também admitiu estar incrédula. ;Bloquearam a rua para isolar a casa e ver o que encontravam;, disse à AFP. ;Eu não conhecia esse cara, e me surpreende porque vivo bem ao lado dele e nunca o tinha visto, fiquei assustada porque tenho dois filhos.; (RC)


IRÃ EXIGE INSPEÇÃO DE OGIVAS DOS EUA
O regime iraniano de Mahmuad Ahmadinejad apelou ontem por uma verificação independente do arsenal dos Estados Unidos, depois que o governo norte-americano anunciou ter 5.113 ogivas nucleares, durante a conferência sobre o Tratado de Não Proliferação. ;A posse de 5 mil armas atômicas é algo justificado? Como você pode explicar a posse de tal número de armas, que ameaçam a segurança mundial?;, afirmou Ramin Mehmanparast, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores do Irã.


Ouça entrevista com Rafael Santos

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