Os eleitores britânicos sairão nesta quinta-feira (6/5) às urnas para definir se os trabalhistas, há 13 anos no poder, continuarão governando o Reino Unido ou se é hora de reformular toda a estrutura do Parlamento. As pesquisas divulgadas até a véspera do pleito confirmavam a previsão de que esta será uma das mais acirradas disputas da história recente do país. Mesmo com até 37% de aprovação nas sondagens, os conservadores não têm a garantia de conseguir maioria absoluta em Westminster, nem de que terão mais cadeiras que os trabalhistas. A indefinição ; que se deve em grande parte à ascensão dos liberal-democratas, liderados pelo fenômeno Nick Clegg ; será o grande atrativo num país onde o voto não é obrigatório.
De olho nesse interesse e na grande parcela de indecisos declarados ; 40%, segundo as últimas pesquisas ;, os líderes dos conservadores, David Cameron, dos trabalhistas, Gordon Brown, e dos liberal-democratas, Nick Clegg, percorreram ontem distritos eleitorais importantes. Na cidade de Bristol, no sudoeste da Inglaterra, onde encerrou sua maratona de 24 horas de campanha, Cameron pediu que os eleitores não adotem o ;voto tático; nos liberal-democratas, pregado por uma parte dos trabalhistas. ;Não fiquem em casa nem deixem a velha guarda ficar. Não votem nos liberal-democratas para deixar Gordon Brown no poder;, instou o candidato a premiê pelos ;tories;.
A estratégia sugerida pelo ministro para o País de Gales, Peter Hain, e pelo titular da Educação, Ed Balls, é de que os simpatizantes trabalhistas que moram em distritos predominantemente conservadores votem no Partido Liberal-Democrata, para reduzir a bancada do principal adversário. A sugestão, que foi mais uma demonstração do desespero dos trabalhistas para se manter no poder, pode surtir efeito nos distritos onde a situação está mais acirrada. ;Em muitos locais, os eleitores são basicamente forçados a votar em seu segundo candidato, porque o preferido simplesmente não tem chance. Eu acredito que isso vai distorcer os resultados reais mais do que as pesquisas têm mostrado;, afirma o professor Josip Glaurdic, da Universidade de Cambridge. ;Isso pode decidir o resultado em um número de distritos onde os partidos estão próximos;, concorda o cientista político Andrew Gamble, também de Cambridge.
O premiê Gordon Brown, no entanto, tentou mostrar nos dois últimos dias que seu partido não está desesperado. Depois de uma campanha considerada desastrosa, o líder trabalhista admitiu que não foi ;um candidato estrela, nem o melhor relações públicas;, e que a ;adversidade; foi sua ;professora;. Em entrevista à rádio BBC, ele disse que os dois opositores são bons em discurso, mas falham ao fazer política. ;A novela dos debates na televisão encobriu a necessidade da discussão. (;) Estamos fazendo grandes escolhas sobre planos de saúde e emprego, sobre indústria e economia. Sinto que não discutimos de forma suficiente;, afirmou. Ontem, ele percorreu Leeds, terceira maior cidade da Inglaterra, e Bradford.
O azarão liberal-democrata Nick Clegg, por sua vez, insistiu que esta é a oportunidade que só aparece ;uma vez a cada geração;. ;É a chance de quebrar o molde da política britânica e votar pelo futuro que você deseja;, disse Clegg. ;Se você me der seu apoio, dou essa garantia: vou trabalhar incansavelmente para entregar a justiça que você quer;, completou, discursando em Sheffield, no norte da Inglaterra.
Indefinição
Para Gamble, é improvável que haja uma grande vitória dos conservadores, mas ;tudo continua em aberto; até que se fechem as urnas, às 22h (18h em Brasília). ;Há uma forte possibilidade de que os conservadores não ganhem a maioria absoluta, com base em pesquisas, mas depende muito do que vai acontecer em distritos secundários;, afirma o especialista de Cambridge. O especialista Rodney Barker, da London School of Economics & Political Science, concorda que não há chance de os conservadores obterem maioria absoluta. ;É muito improvável que o cenário mude na fase final. No entanto, ainda há uma grande quantidade de eleitores indecisos, e uma pequena mudança pode fazer pender a balança em favor de conservadores ou trabalhistas;, avalia Barker. Ele, contudo, ressalta que nenhum partido deve conseguir os ;mágicos; 326 assentos, metade mais um do Parlamento.
Força dos distritos
Entenda como funciona o sistema eleitoral britânico
# O primeiro-ministro pode anunciar eleições a qualquer momento, depois de pedir à rainha que dissolva a Câmara dos Comuns, que é eleita para um período de no máximo cinco anos.
# Cada uma das 650 circunscrições de Inglaterra, País de Gales, Escócia e Irlanda do Norte tem aproximadamente por 70 mil eleitores, que escolhem um deputado para representá-los na Câmara dos Comuns.
# O eleitor escolhe um candidato entre os que se apresentem no seu distrito. O mais votado é eleito, sem necessidade de maioria absoluta. Isso permite que um partido faça a maior bancada mesmo que não seja o mais votado no total nacional.
Os eleitores votam nos deputados, mas não diretamente para primeiro-ministro.
# O partido que consegue a maioria absoluta na Câmara dos Comuns forma um governo, e seu líder converte-se em primeiro-ministro.
# Os líderes dos principais partidos também são deputados.
# É pouco comum que nenhum partido consiga a maioria absoluta, mas isso poderá ocorrer neste ano, segundo as pesquisas. Essa situação pode levar a uma coalizão ou a um governo minoritário.
# Da última vez em que isso ocorreu, em 1974, foi necessário convocar novas eleições depois de nove meses para sair da situação denominada hung Parliament (Parlamento sem maioria absoluta).
Perfis
Gordon Brown, o impopular
Considerado um brilhante intelectual, este escocês reservado e taciturno de 59 anos aprendeu com o pai, um pastor presbiteriano, os princípios da justiça social. ;Chato, mas muito inteligente;, como é definido pelo próprio irmão, Gordon Brown ingressou com 16 anos na Universidade de Edimburgo, onde virou doutor em história enquanto se formava politicamente como líder estudantil. Após trabalhar brevemente como jornalista e professor, decidiu entrar na política em 1983, ano em que foi eleito deputado. Seu companheiro de escritório era outro iniciante, Tony Blair, de quem se tornou amigo e concorrente dentro do partido. O ;chanceler de ferro; precisou esperar 13 anos para suceder ao carismático Blair, sem passar pelas urnas. Brown casou-se em 2000 com a ex-relações públicas Sarah Macaulay, com quem teve dois filhos. Como chefe de governo, a partir de junho de 2007, apenas conheceu um efêmero estado de graça. Meses mais tarde, foi criticado por não querer convocar eleições antecipadas. Agora, carrega para as urnas o peso de não ter conduzido bem o país diante da pior recessão desde a Segunda Guerra.
Nick Clegg, o fenômeno
Praticamente desconhecido há algumas semanas, o carismático líder liberal-democrata tirou a campanha eleitoral da letargia. Clegg, de 43 anos, que segundo uma pesquisa recente se tornou o político britânico mais popular desde Winston Churchill, poderá desempenhar um papel chave se nenhum partido conseguir a maioria absoluta no Parlamento. Ele cresceu na próspera cidade de Chalfont St. Giles, a noroeste de Londres, com dois irmãos e uma irmã. Filho de uma holandesa nascida na Indonésia e de um rico banqueiro ;meio russo;, Clegg casou-se com uma advogada espanhola, com quem tem três filhos ; todos bilíngues. O próprio Clegg fala holandês, francês, alemão e espanhol. O internacionalismo levou o jornal de direita Daily Mail a questionar ;o quanto ele tem de inglês;. Estudou arqueologia e antropologia na Universidade de Cambridge e trabalhou por pouco tempo como jornalista e assessor político, antes de entrar, em 1994, na Comissão Europeia, onde trabalhou durante cinco anos. Clegg elegeu-se eurodeputado em 1999, e em 2005 conquistou uma cadeira no Parlamento de Westminster, onde sua carreira começou a decolar.
David Cameron, o herdeiro
Descendente direto do rei William IV (1830-1837), David Cameron nasceu há 43 anos em uma família rica, chefiada por um corretor de bolsa, e cresceu em uma pequena localidade no condado de Berkshire. É formado em filosofia, política e economia pela Universidade de Oxford, onde se iniciou politicamente, antes de aderir ao Partido Conservador. Colaborou com o premiê John Major na redação de discursos e assessorou vários ministros. Sua ascensão no partido foi meteórica. Em 2004, integrou o gabinete de oposição e, em 2005, obteve a liderança graças, em parte, a um discurso feito de memória no qual defendeu ;uma nova geração de conservadores;. A mudança no estilo daquele que uma vez apresentou-se como ;herdeiro de Blair; não se limitou à política. Cameron deixou que os veículos da imprensa explorassem sua faceta de pai de família, casado desde 1996 com Samantha ; também da aristocracia britânica, porém mais boêmia que o marido. O casal teve três filhos, mas o primogênito, Ivan, nasceu com graves deficiências e morreu em fevereiro de 2009, aos seis anos. E na esteira de Blair, cujo quarto filho nasceu em Downing Street, Cameron e sua mulher anunciaram recentemente que esperam outro bebê para setembro.