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Acordo nuclear entre Irã, Brasil e Turquia sob exame

Brasil e Turquia anunciam compromisso para troca de urânio do Irã, mas potências ocidentais mantêm reservas e a Casa Branca avisa: vai continuar trabalhando por sanções ao regime islâmico

postado em 18/05/2010 07:00
O objetivo era colocar novamente Irã e as potências ocidentais à mesa para negociar, mas os 10 pontos do acordo assinado por Teerã com o Brasil e a Turquia não foram recebidos com tanto entusiasmo do outro lado. Mesmo com o compromisso assumido pelo governo iraniano de enviar 1.200kg de urânio levemente enriquecido para ser trocado na Turquia por combustível para seus reatores de pesquisa, os Estados Unidos anunciaram que não abrem mão de novas sanções. Já a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), a principal interessada no assunto, limitou-se a dizer que espera uma notificação escrita do governo de Mahmud Ahmadinejad ; o que é previsto no documento. O porta-voz da chancelaria iraniana, Ramin Mehmanparast, contribuiu para o ceticismo do Ocidente ao anunciar o país ;continuará enriquecendo urânio a 20% em seu território;. Foi a brecha de que os EUA precisavam para colocar em dúvida a validade do documento, assinado pelos chanceleres dos três países. Segundo o porta-voz, Robert Gibbs, a Casa Branca ainda tem dúvidas sobre a ;orientação geral; do programa nuclear iraniano e, assim como seus aliados, mantém ;grande preocupação;. ;Reconhecemos os esforços feitos por Turquia e Brasil. (Mas isso) não muda os passos que estamos dando para determinar as responsabilidades do Irã, o que inclui sanções;, assegurou. Diante das demonstrações de desconfiança, o chanceler Celso Amorim negou que a declaração iraniana tenha minado todo o esforço diplomático encabeçado pelo Brasil. Ele garantiu que isso ;não foi um balde de água fria;, e interpretou a afirmação como um recado aos setores mais radicais do regime islâmico. ;Na realidade, cada um tem seu público interno;, disse Amorim em Madri, para onde a delegação brasileira seguiu depois de Teerã. O ministro destacou que o Irã não conseguiu, até agora, enriquecer uma ;quantidade expressiva; de urânio a 20%. O texto do acordo prevê que a Turquia receberá 1.200kg de urânio enriquecido a 3% ; o que, depois de aceito o acordo pelo Grupo de Viena (composto por EUA, Rússia, França e AIEA), Teerã poderia fazer no prazo de um mês. O lado ocidental teria, no máximo, um ano para entregar ao Irã o combustível enriquecido a 20%. Ainda segundo o documento, Teerã se compromete a notificar a AIEA sobre o acordo, por escrito, até o próximo domingo. Brasil, Irã e Turquia fizeram também questão de ressaltar, no papel, que os três países, signatários do Tratado de Não Proliferação (TNP) de armas nucleares, reafirmam seu compromisso com ele e seu direito a desenvolver pesquisa, produção e uso de energia nuclear para fins pacíficos, ;sem discriminação;. Ceticismo De todos os lados, o que se ouviu em resposta ao acordo foi uma animação contida pelo ceticismo. ;As ações do Irã continuam sendo um sério motivo de preocupação, em particular sua recusa a falar sobre o programa nuclear. Até que o Irã adote ações concretas para cumprir com essas obrigações, o trabalho deve continuar;, disse o subsecretário britânico de Relações Exteriores, Alistair Burt, completando que ;não existe nenhum uso civil aparente; para o urânio enriquecido a 20% no Irã. O secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, recebeu ;positivamente; a iniciativa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do primeiro-ministro turco, Recep Tayyip Erdogan, mas disse ter que ;esperar; os resultados para poder fazer uma declaração definitiva. Ahmadinejad, no entanto, passou a bola para o lado ocidental. ;Espero que o grupo cinco mais um (EUA, Rússia, China, França, Reino Unido e Alemanha) aceite discutir com honestidade, respeito e justiça;, disse.
Entrevista com o vice-presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), Marcos de Azambuja
Entrevista com o presidente da Associação Brasileira de Energia Nuclear (Aben), Guilherme Camargo
Cronologia da crise Abaixo, as principais datas da crise do programa nuclear iraniano desde agosto de 2005 2005 ; 8 de agosto: Poucos dias após a posse do presidente Mahmud Ahmadinejad, o Irã retoma as atividades nucleares em sua fábrica de conversão de urânio de Ispahan (centro), suspensas desde 2004 após um acordo com a UE-3 (França, Alemanha e Grã-Bretanha). 2006 ; 10 de janeiro: Irã rompe os lacres de várias instalações de pesquisa nuclear. ; 5 de fevereiro: Irã suspende a aplicação do protocolo adicional do Tratado de Não Proliferação. ; 11 de abril: O país anuncia a realização de seu primeiro enriquecimento de urânio (3,5%), e depois 4,8%, em maio. ; 31 de julho: O Conselho de Segurança da ONU vota a resolução 1696 que exige que o Irã pare com suas atividades de enriquecimento até 31 de agosto sob pena de sanções. ; 23 de dezembro: Sanções econômicas da ONU (reforçadas em março de 2007 e em março de 2008). 2007 ; 9 de abril: Irã anuncia que passou ao enriquecimento industrial. 2008 ; 26 de julho: Ahmadinejad declara que o Irã possui de 5 a 6 mil centrífugas. 2009 ; 9 de abril: Irã inaugura em Ispahan a primeira usina de fabricação de combustível nuclear e anuncia que já instalou 7 mil centrífugas em Natanz (centro). ; 5 de junho: Irã acumulou 1.339 kg de urânio fracamente enriquecido UF6, estima a AIEA (cerca de 2.065 kg atualmente). ; 25-28 de setembro: A revelação de uma instalação secreta de enriquecimento em Fordoo, próximo a Qon (centro), provoca um escândalo. ; 21 de outubro: A AIEA propõe a Teerã que entregue uma grande parte de seu urânio fracamente enriquecido (3,5%) para a Rússia, responsável por enriquecê-lo a 19,75% antes de ser transformado na França em combustível para o reator de Teerã. A oferta é negada em 18 de novembro. ; 27 de novembro: A AIEA condena o Irã por seu programa nuclear. ; 29 de novembro: Teerã anuncia que quer construir 10 novas fábricas de enriquecimento e produzir urânio enriquecido a 20%. ; 12 de dezembro: O Irã propõe uma troca simultânea de combustível enriquecido a 3,5% e 20% por lotes de 400 kg. As grandes potências rejeitam a proposta. 2010 ; 9 de fevereiro: Irã começa a enriquecer urânio a 20% em Natanz. ; 18 de fevereiro: A AIEA manifesta preocupação diante de informações segundo as quais o Irã poderia estar fabricando uma bomba atômica. ; 1 de março: Rússia está de acordo com novas sanções, mas "específicas". ; 17 de março: Irã se diz disposto a trocar em apenas uma ocasião, em seu território, 1.200 kg de seu urânio enriquecido a 3,5% contra 120 kg de combustível a 20%. ; 31 de março: China aceita negociar na ONU eventuais sanções. ; 6 de maio: Irã convida os 15 membros do Conselho de Segurança da ONU para um jantar em Nova York. ; 11 de maio: A Alta Representante da UE para Relações Exteriores, Catherine Ashton, afirma que está disposta a discutir diretamente com o Irã, que aceita. ; 17 de maio: Irã, Turquia e Brasil adotam uma proposta de troca em território turco de combustível nuclear iraniano tendo como contrapartida urânio enriquecido a 20%. Entretanto, as autoridades iranianas afirmam que continuarão enriquecendo urânio a 20%.
Íntegra da declaração Conjunta de Irã, Turquia e Brasil - 17 de maio de 2010
Tendo-se reunido em Teerã em 17 de maio, os mandatários abaixo assinados acordaram a seguinte Declaração: 1. Reafirmamos nosso compromisso com o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP) e, de acordo com os artigos relevantes do TNP, recordamos o direito de todos os Estados-Parte, inclusive a República Islâmica do Irã, de desenvolver pesquisa, produção e uso de energia nuclear (assim como o ciclo do combustível nuclear, inclusive atividades de enriquecimento) para fins pacíficos, sem discriminação. 2. Expressamos nossa forte convicção de que temos agora a oportunidade de começar um processo prospectivo, que criará uma atmosfera positiva, construtiva, não-confrontacional, conducente a uma era de interação e cooperação. 3. Acreditamos que a troca de combustível nuclear é instrumental para iniciar a cooperação em diferentes áreas, especialmente no que diz respeito à cooperação nuclear pacífica, incluindo construção de usinas nucleares e de reatores de pesquisa. 4. Com base nesse ponto, a troca de combustível nuclear é um ponto de partida para o começo da cooperação e um passo positivo e construtivo entre as nações. Tal passo deve levar a uma interação positiva e cooperação no campo das atividades nucleares pacíficas, substituindo e evitando todo tipo de confrontação, abstendo-se de medidas, ações e declarações retóricas que possam prejudicar os direitos e obrigações do Irã sob o TNP. 5. Baseado no que precede, de forma a facilitar a cooperação nuclear mencionada acima, a República Islâmica do Irã concorda em depositar 1200 quilos de urânio levemente enriquecido (LEU) na Turquia. Enquanto estiver na Turquia, esse urânio continuará a ser propriedade do Irã. O Irã e a AIEA poderão estacionar observadores para monitorar a guarda do urânio na Turquia. 6. O Irã notificará a AIEA por escrito, por meio dos canais oficiais, a sua concordância com o exposto acima em até sete dias após a data desta Declaração. Quando da resposta positiva do Grupo de Viena (EUA, Rússia, França e AIEA), outros detalhes da troca serão elaborados por meio de um acordo escrito e dos arranjos apropriados entre o Irã e o Grupo de Viena, que se comprometera especificamente a entregar os 120 quilos de combustível necessários para o Reator de Pesquisas de Teerã. 7. Quando o Grupo de Viena manifestar seu acordo com essa medida, ambas as partes implementarão o acordo previsto no parágrafo 6. A República Islâmica do Irã expressa estar pronta - em conformidade com o acordo ; a depositar seu LEU dentro de um mês. Com base no mesmo acordo, o Grupo de Viena deve entregar 120 quilos do combustível requerido para o Reator de Pesquisas de Teerã em não mais que um ano. 8. Caso as cláusulas desta Declaração não forem respeitadas, a Turquia, mediante solicitação iraniana, devolverá rapida e incondicionalmente o LEU ao Irã. 9. A Turquia e o Brasil saudaram a continuada disposição da República Islâmica do Irã de buscar as conversas com os países 5 1 em qualquer lugar, inclusive na Turquia e no Brasil, sobre as preocupações comuns com base em compromissos coletivos e de acordo com os pontos comuns de suas propostas. 10. A Turquia e o Brasil apreciaram o compromisso iraniano com o TNP e seu papel construtivo na busca da realização dos direitos na área nuclear dos Estados-Membros. A República Islâmica do Irã apreciou os esforços construtivos dos países amigos, a Turquia e o Brasil, na criação de um ambiente conducente à realização dos direitos do Irã na área nuclear.
Manucher Mottaki Ministro dos Negócios Estrangeiros da República Islâmica do Irã Ahmet Davutoglu Ministro dos Negócios Estrangeiros da República da Turquia Celso Amorim Ministro das Relações Exteriores da República Federativa do Brasil

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