postado em 20/05/2010 07:00
Com a abertura formal de discussões no Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre uma nova rodada de sanções ao Irã, o governo brasileiro jogou nas costas das cinco potências com poder de veto ; os membros permanentes do organismo ; a responsabilidade por um ;retrocesso; no impasse nuclear. Em Madri, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que, se o conselho se reunir ;sem vontade de negociar, tudo vai voltar atrás;. Em Brasília, o chanceler Celso Amorim previu que a ampliação das sanções levará a um ;adiamento da solução pacífica por dois ou três anos;. O ministro brasileiro e o colega turco, Ahmet Davutoglu, enviaram carta (leia Trechos) aos demais 13 países que integram o conselho ; Brasil e Turquia ocupam cadeiras rotativas ; na qual manifestam ;inteira confiança; de que o grupo ;cinco mais um; vai rever sua posição depois de examinar o texto do acordo firmado segunda-feira em Teerã.Em Washington, no entanto, o presidente Barack Obama jogou mais um balde de água fria na esperança brasileira, ao se dizer ;satisfeito; com o projeto de sanções costurado com França, Reino Unido, Rússia, China e Alemanha. ;Estou satisfeito que tenhamos chegado a um acordo com os parceiros do grupo ;cinco mais um; para uma resolução mais forte, que agora discutimos com nossos parceiros no Conselho de Segurança;, disse Obama. Mais cedo, o chanceler russo, Serguei Lavrov, havia confirmado, em telefonema à colega americana, Hillary Clinton, que seu país está de acordo com o projeto, que prevê vigilância sobre a entrada e saída de mercadorias do Irã e restrição a transações bancárias.
Para o governo iraniano, as potências ocidentais ;perdem credibilidade; ao tentar aplicar mais barreiras. Segundo o vice-presidente Ali Akbar Salehi, que também é diretor da Agência Iraniana da Energia Atômica, os países do ;cinco mais um; têm dificuldade em aceitar que, ;pela primeira vez, os emergentes possam defender seus direitos no cenário internacional sem recorrer a eles;. Salehi acusou os EUA e seus aliados de forçarem um confronto. ;Eles sempre estão buscando desculpas e pretextos para exercer pressão política sobre o Irã. Seu principal propósito é nos induzir ao enfrentamento com o Ocidente, apesar de nós insistirmos que não queremos esse conflito.;
Ameaças
Após ministrar uma palestra sobre o Irã aos jovens diplomatas do Instituto Rio Branco, o minisro Celso Amorim disse que não acha ;positivo ficar fazendo ameaças; com sanções. ;Acho também que o Irã, se for inteligente, não vai dar bola para isso e vai continuar fazendo o que tem que fazer;, acrescentou. Comentando a possibilidade de o projeto apresentado pelos EUA passar pelo conselho, Amorim lembrou que será preciso ;encontrar; pelo menos quatro membros não permanentes que aceitem a proposta. Além de Brasil e Turquia, fazem parte desse grupo Áustria, Bósnia, Japão, México, Uganda, Gabão, Líbano e Nigéria. Segundo Amorim, os colegas dos três primeiros já se mostraram ;muito interessados; em conversar.
O chanceler descartou que o Brasil tenha encampado uma ;batalha ideológica; pró-Irã, negou que haja algum mal-estar com os EUA e lembrou que quem primeiro incitou o Brasil ;a se interessar pelo tema; foi o presidente Obama. ;Estava todo mundo tão cético de que ia acontecer alguma coisa que foram pegos de surpresa. Então, temos que dar uma tolerância às reações precipitadas, sobretudo porque não são definitivas.;
As resoluções da ONU com sanções ao Irã
O novo projeto estudado pelo Conselho de Segurança da ONU para punir o Irã por seu programa nuclear tem como precedente outras resoluções, até agora ignoradas pela República Islâmica, que mantém o enriquecimento de urânio apesar das pressões da comunidade internacional. Desde 2006, cinco resoluções envolvendo o programa nuclear iraniano foram aprovadas. Três delas com sanções para Teerã, que nega os fins bélicos dos quais é acusado.
; 23 de dezembro de 2006
A resolução 1737, adotada por unanimidade, exige que Teerã suspenda suas atividades nucleares e determina que todos os Estados membros da ONU impeçam o fornecimento, ao Irã, de material ou tecnologia que possa contribuir para seus programas nucleares e balísticos. Também pede que os Estados membros vigiem a entrada ou passagem por seus territórios de pessoas envolvidas nesses programas (uma lista com 12 nomes) e congelem recursos e bens financeiros dessas pessoas e de dez entidades.
; 24 de março de 2007
A resolução 1747, também adotada por unanimidade, reforça e amplia o alcance das sanções impostas pela 1737, ignorada por Teerã. O texto inclui um embargo sobre as compras iranianas de armas e restrições voluntárias à venda de armamento ao Irã. Também prevê restrições no plano financeiro e comercial, e sobre as viagens de iranianos associadas ao programa nuclear ou vinculadas ao corpo de elite da Guarda Revolucionária.
A resolução amplia as listas estabelecidas para a resolução 1737 para o congelamento de bens e fundos de instituições e figuras envolvidas nos programas nuclear e balístico (acrescenta 13 entidades e 15 pessoas).
; 3 de março de 2008
A resolução 1853, que recebeu 14 votos favoráveis ; houve uma abstenção ;, impõe novas sanções, particularmente a proibição de viagem aos funcionários iranianos envolvidos nos programas nucleares e balísticos, e a inspeção de cargas que saem ou chegam ao Irã se houver suspeitas de que contenham itens proibidos. Pede ainda que os Estados membros permaneçam vigilantes, em especial sobre as transações com os bancos iranianos (Melli e Saderat).
Além disso, endurece o regime de sanções econômicas e comerciais vigentes a partir das duas resoluções anteriores e propõe incentivos a Teerã, como o apoio ao seu programa nuclear civil desde que possa inspecionar suas atividades nucleares.
; Maio de 2010
O projeto que está sendo estudado pelo Conselho de Segurança prevê, basicamente, o seguinte:
- proíbe que países vendam ao Irã armamento pesado, como tanques, veículos blindados, artilharia pesada, aviões militares, helicópteros de combate, navios de guerra, mísseis ou sistemas de mísseis.
- proíbe que o Irã empreenda qualquer atividade relacionada a mísseis balísticos capazes de carregar armas nucleares
- proíbe que os países ajudem o Irã com qualquer tecnologia ou assistência relacionada aos mísseis balísticos
- proíbe o Irã de investir em atividades nucleares como exploração de urânio, enriquecimento de material nuclear ou atividades relacionadas com a construção de mísseis
- os países são obrigados a proibir tais investimentos em suas companhias ou em seu território
- estabelece inspeções de carga voluntárias, em qualquer porto ou em alto mar, se houver razão para suspeitar que o navio esteja carregando armas convencionais ou mísseis e materiais nucleares para o Irã
- os Estados são obrigados a confiscar e dispor de qualquer item proibido encontrado nas cargas
- os países estão proibidos de contribuir com qualquer apoio, incluindo abastecer os navios suspeitos de carregar cargas contrabandeadas
- os Estados também são solicitados a dar qualquer informação relacionada com os passos dados pela Empresa de Navegação da República Islâmica (IRISL) para desrespeitar as sanções, incluindo a renomeação das embarcações
- os países serão pressionados a bloquear qualquer transação financeira ligada à proliferação nuclear e ao programa de mísseis
- os Estados são obrigados a pedir que suas empresas façam vigilância quando realizarem qualquer transação com entidades iranianas, incluindo a Guarda Revolucionária e a IRISL, se o negócio puder contribuir para a proliferação nuclear realizada pelo Irã
- os países serão pressionados a não aceitar filiais de bancos iranianos em seus territórios se houver uma potencial conexão com a proliferação nuclear
- os países serão pressionados a não permitir que seus bancos abram filiais no Irã se houver uma potencial conexão com a proliferação
- a resolução pede a criação de um painel de especialistas das Nações Unidas responsável por monitorar a implementação das sanções pelos vários países e recomendar caminhos para reforçar as ações
- a resolução reestabelece um comitê de diálogo do Conselho de Segurança
Carta aos membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas
A Declaração Conjunta firmada por Brasil, Turquia e Irã no último dia 17, em Teerã (nota n; 310), foi encaminhada hoje, 19 de maio, aos membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas, por meio da seguinte carta (original em inglês):
"Excelência,
Nós temos o prazer de encaminhar uma cópia da ;Declaração Conjunta do Irã, Turquia e Brasil;, que foi emitida por Sua Excelência, Sr. Mahmud Ahmadinejad, presidente da República Islâmica do Irã; Sua Excelência, Sr. Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República Federativa do Brasil; e Sua Excelência, Sr. Recep Tayyip Erdogan, primeiro-ministro da República da Turquia, em Teerã em 17 de maio de 2010. A declaração conjunta foi assinada por Sua Excelência, Manucher Mottaki, ministro dos Negócios Estrangeiros da República Islâmica do Irã; Sua Excelência Ahmet Davutoglu, ministro dos Negócios Estrangeiros da Turquia; e Sua Excelência Celso Amorim, ministro das Relações Exteriores da República Federativa do Brasil.
A Declaração Conjunta ressalta o direito de desenvolver a pesquisa, a produção e o uso da energia nuclear para fins pacíficos, e ao mesmo tempo destaca a firme convicção dos três países de que a troca de combustível nuclear dará oportunidade para o início de um processo com visão de futuro, destinado a criar uma atmosfera positiva, construtiva e oposta ao confronto, que seja capaz de levar a uma era de interação e cooperação.
A Declaração reflete, neste contexto, a clara aceitação do Irã em depositar 1200kg de urânio levemente enriquecido na Turquia. Também estabelece um caminho realista e alcançável que leva a acordos e arranjos necessários que deverão ser negociados entre as partes diretamente envolvidas , dentro dos prazos especificados, para a provisão de 120 kg de combustível nuclear necessário para o Reator de Pesquisa de Teerã em troca pelo urânio levemente enriquecido depositado.
Temos inteira confiança em que o grupo "cinco mais um" revisará a Declaração Conjunta, com vistas a aplainar caminho para alimentar de combustível o reator de pesquisas de Teerã da maneira mais eficiente e efetiva, e levando em consideração os assuntos relacionados ao programa nuclear iraniano, assim como as questões mais amplas de interesse mútuo, por meio do diálogo construtivo.
O Brasil e a Turquia estão convencidos de que é hora de dar uma chance para as negociações e evitar medidas que sejam prejudiciais a uma solução pacífica desse assunto.
Por favor, aceite, Sua Excelência, a certeza de nossa mais alta consideração.
Celso Amorim
Ministro das Relações Exteriores da República Federativa do Brasil
Ahmet Davutoglu
Ministro dos Negócios Estrangeiros da República da Turquia