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Oposição diverge sobre rara concessão de Raúl

Igreja e governo firmaram pacto para transferir prisioneiros políticos às províncias de origem

postado em 24/05/2010 08:20

Mulheres e mães de dissidentes presos protestam na Quinta Avenida, em Havana, pela libertação de seus familiaresJá se passaram 90 dias desde o início da greve de fome. Os rins exibem sinais de infecção, a voz é cada vez mais débil e nem mesmo uma rara concessão do presidente cubano, Raúl Castro, deverá demovê-lo do protesto radical. Do leito da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Provincial Arnaldo Millian Castro (em Santa Clara, a 268km de Havana), o jornalista Guillermo Fariñas criticou o acordo firmado entre o regime de Raúl, representado pelo general Homero Costa (secretário executivo do Conselho de Estado), e o cardeal Jaime Ortega. ;Os dois conversaram por telefone na sexta-feira passada e decidiram transferir cerca de 17 prisioneiros políticos para as províncias de suas residências;, afirmou Fariñas, 49 anos, ao Correio, também por telefone. Segundo ele, todos os 25 detidos que estão sofrendo com problemas de saúde serão encaminhados aos hospitais. ;Estamos fazendo essa greve de fome pela libertação, não pela transferência, nem pela internação desses presos. Nossa luta continua;, acrescentou o dissidente.

Pelas bases do diálogo entre a Igreja Católica e o governo, a transferência dos presos deve começar ainda hoje. Fariñas atacou o fato de o regime castrista não ter escolhido os próprios dissidentes como interlocutores. ;Não nos interessa que o governo negocie com a Igreja Católica. Em outros tempos, as duas partes foram adversários políticos. Tudo o que queremos é a libertação dos prisioneiros;, disse o jornalista e sociólogo. Presidente e fundador da Comissão Cubana de Direitos Humanos e Reconciliação Nacional, o dissidente Elizardo Sánchez condenou Raúl Castro por planejar conceder ;algumas migalhas; à opinião pública internacional. ;Isso não significa liberar todos os presos de consciência, adotados pela Anistia Internacional, o que seria uma medida significativa;, comentou.

Insuficientes
Elizardo disse que o governo castrista atua de maneira secreta e gradual. ;Cuba precisa de reformas urgentes e profundas, mas o governo não as faz. Essas mudanças incluiriam a libertação de todos os presos de opinião;, afirmou o ativista. ;As concessões de Raúl definitivamente não são suficientes. Creio que o governo vai responder, como outras vezes, de maneira mesquinha;, acrescentou.

Poucas horas depois de sair às ruas de Havana para o tradicional protesto dominical, a cubana Berta de los Ángeles Soler, cofundadora do movimento Damas de Branco, admitiu ao Correio a importância de a Igreja Católica encarnar o papel de mediadora. ;As autoridades do governo aprenderam a escutar e a responder como pessoas civilizadas. Desde 2 de maio, pudemos sair às ruas sem sermos reprimidas. Considero muito importante essa conversa do cardeal Ortega com o presidente Raúl Castro;, disse à reportagem. Ela defendeu a libertação dos prisioneiros doentes e, principalmente, dos 57 detidos políticos durante a Primavera Negra de 2003 ; na madrugada de 18 de março daquele ano, o então presidente Fidel Castro lançou uma onda repressiva contra jornalistas e sindicalistas cubanos. O operário Ángel Moya Acosta, marido de Berta, foi preso naquele dia. ;Ele está condenado a 20 anos de privação de liberdade;, contou a dama de branco.

Enquanto Berta sonha com a libertação do marido, Guillermo Fariñas luta para se manter vivo, mesmo sabendo que talvez pouco tempo lhe reste. Os efeitos da greve de fome de três meses são cada vez mais preocupantes. ;Estou com uma infecção nos rins, provocada por uma bactéria gram positiva. Sinto muita dor na região renal e ardência ao urinar;, relatou ao Correio. ;Ontem (sábado), tive febre, muitas dores de cabeça e nas articulações.;

Ouça entrevista com dissidente cubano Elizardo Sánchez, presidente e fundador da Comissão Cubana de Direitos Humanos e Reconciliação Nacional

Ouça entrevista com dissidente cubana Berta de los Ángeles Soler, co-fundadora do movimento Damas de Branco

Eu acho...

;Precisamos esperar o que ocorrerá a partir de amanhã (hoje). Infelizmente, Raúl Castro e o governo buscaram um interlocutor (a Igreja Católica) que não foi a oposição pacífica, para dar credibilidade perante a comunidade nacional e internacional. O que nos interessa é que os presos não morram nas prisões;
Guillermo Fariñas, jornalista e sociólogo em greve de fome há 90 dias

;Nós, as damas de branco, temos sido reprimidas. As conversações entre o governo e a Igreja, nossa mediadora, têm sido muito positivas. Estamos cheias de esperança e esperamos um desenlace positivo. Sabemos que o governo não vai libertar todos os presos de uma só vez. Mas, ao tirar os idosos e os mais doentes, já dará um passo adiante;
Berta de los Ángeles Soler, cofundadora do movimento Damas de Branco

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