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Lula parte para o ataque

Presidente discursa durante a abertura do Fórum Mundial da Aliança de Civilizações, um dia após receber críticas da secretária de Estado norte-americana, e condena postura inflexível do Ocidente em relação ao Irã

postado em 29/05/2010 07:00

Se alguém imaginava que a chancelaria brasileira se calaria depois das críticas dos Estados Unidos à política externa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, teve ontem uma surpresa. Em discurso de abertura do III Fórum Mundial da Aliança de Civilizações, no Rio de Janeiro, o próprio Lula enviou um recado contundente à secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, sem citar o nome da ex-primeira-dama.

Na quinta-feira, Hillary havia citado o Brasil em pronunciamento no Brookings Institution, em Washington. ;Certamente, temos divergências muito sérias com a diplomacia brasileira no que concerne ao Irã;, declarou, referindo-se ao pacto firmado com o Irã para enriquecimento de urânio na Turquia. ;Queremos uma relação com o Brasil que resista ao teste do tempo;, acrescentou. Na manhã de ontem, durante o evento, Lula disparou: ;O Brasil aposta no entendimento que faz calar as armas, investe na esperança que supera o medo, faz da democracia política, econômica e social sua única e melhor arma;.

Sob o olhar atento do primeiro-ministro da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, e do secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, Lula lembrou que ;posições inflexíveis só ajudam a confrontação e afastam a possibilidade de soluções de paz;. E recordou que, com esse princípio, ele e o colega turco viajaram a Teerã, em busca de uma solução negociada para a crise nuclear. ;O mundo precisa do Oriente Médio em paz e o Brasil não está alheio a essa necessidade;, argumentou. Erdogan aproveitou para atacar Washington. ;Aqueles que acreditam que o mundo é feito para seu próprio benefício não compreendem a dinâmica da integração;, disse. ;É muito errado impor seus valores e seu julgamento a outros.;

A artilharia contra os Estados Unidos não parou por aí. Lula disse que defende ;um planeta livre de armas nucleares; e o uso pacífico da energia atômica. ;Acreditamos que a energia nuclear deve ser um instrumento para a promoção do desenvolvimento, não uma ameaça;, afirmou, lembrando que o Brasil tem sólidas credenciais para exigir o desarmamento (1).

O chefe de Estado brasileiro também abordou, em seu pronunciamento, a crise financeira global. ;Incapazes de assumir os seus próprios erros, alguns governantes buscam transferir o ônus da crise para os mais fracos;, criticou. Sob a condição de anonimato, uma alta autoridade norte-americana afirmou à agência Reuters que o acordo Brasil-Turquia-Irã não é algo a ser levado em conta. ;Na nossa visão, a declaração conjunta fica aquém do que é necessário. Indiferentemente desta proposta, é importante que prossigamos em Nova York para adotar a resolução.;

Analistas
Por telefone, de New Brunswick (Nova Jersey), o analista político Hooshang Amirahmadi ; fundador e presidente do Conselho Iraniano-Americano ; elogiou a posição de Lula. ;Não existe crise entre o Brasil e os Estados Unidos. Você não cria uma crise ao tentar produzir a paz. Lula tenta trazer paz, entendimentos e compromissos. Defende flexibilidade, em nome da paz;, afirmou o iraniano ao Correio. Segundo ele, os Estados Unidos precisam reconhecer sua postura de confrontação com Teerã, ao vislumbrar somente a possibilidade de sanções no Conselho de Segurança da ONU. ;O Brasil está fazendo a coisa certa. Ele não precisa se desculpar com ninguém;, comentou. Hooshang lembra que o acordo para troca de urânio era uma proposta original dos EUA. ;Ele não vingou na época porque tanto a Casa Branca quanto Teerã estavam inflexíveis em alguns pontos;, acrescentou. ;Os EUA deviam ser gratos ao Brasil e não fazer barulho por uma coisa que eles defendiam no passado.;

Entrevista com Hooshang Amirahmadi, fundador e presidente do Conselho Iraniano-Americano (em inglês)


O também iraniano Ali Alfoneh discorda do conterrâneo. Para o analista do American Enterprise Institute (em Washington), a mediação de Brasil e Turquia não serve à paz. ;A República Islâmica usa a declaração de Teerã como outra tática de manobra para ganhar tempo, prosseguir com o enriquecimento de urânio e atrasar o regime de sanções internacionais;, avaliou Alfoneh, por e-mail. Ele considera correta a ação dos EUA, ao identificar o acordo como uma estratégia ;enganadora;. ;Os Estados Unidos se questionam por que o Brasil está ajudando o principal adversário deles no Oriente Médio;, disse.

1 - Pacto com o Egito
Os Estados Unidos e o Egito firmaram ontem um pacto para pressionar o governo de Israel a abrir mão de qualquer arma nuclear que o aliado da Casa Branca possua. O objetivo é tentar prevenir o fracasso das negociações sobre um acordo para reforçar o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), assinado em 1970. Como Israel não é signatário do TNP, Washington e Cairo esperam, além da assinatura, o acesso absoluto da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) às instalações nucleares do país.

Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, na sessão de abertura do 3; Fórum Mundial da Aliança de Civilizações

Rio de Janeiro-RJ, 28 de maio de 2010

Senhor Secretário-Geral das Nações Unidas,

Senhores presidentes, chefes de Estado, convidados para participar do 3; Fórum da Aliança de Civilizações.

Primeiro, o governo brasileiro e o povo brasileiro, especialmente esta cidade maravilhosa, como é conhecido o Rio de Janeiro, dão as boas-vindas a todos os que nos honram com sua presença neste Fórum.

Esta Aliança foi a resposta de um expressivo grupo de nações à ofensiva obscurantista daqueles que pretenderam dividir a Humanidade a partir de um suposto choque de civilizações.

Nossa adesão a esse projeto está em sintonia com os princípios universalistas que regem o Estado brasileiro e sua política externa, mas também reflete o que foi a construção de nossa identidade nacional. Somos multiétnicos, acolhemos distintas religiões e culturas. A nação brasileira é formada por nossos povos originários, pelos milhões de africanos que para aqui vieram, forçados, para o trabalho escravo. Abriga sucessivas levas de imigrantes europeus e asiáticos. Aqui convivem pacificamente milhões de descendentes de árabes com centenas de milhares de judeus e descendentes de judeus.

O Brasil tem uma enorme dívida para com os povos de quase todo o mundo, que ajudaram a construir nossa riqueza material, mas, sobretudo, são responsáveis pela construção de nosso patrimônio cultural. Todos eles, sem exceção, fazem parte do que chamamos de civilização brasileira.

Aprendemos com nossa própria história que a tolerância e a igualdade de oportunidades são fundamentais para um ambiente de concórdia e de paz. Ela nos ensinou que a exclusão, o preconceito e a pobreza alimentam cenários de tensão e de conflito, fomentam situações de dominação e de injustiça, que impedem povos e nações de construírem um futuro digno e pacífico.

Não haverá encontro fraternal de civilizações enquanto não forem enfrentadas as raízes profundas dos conflitos, enquanto houver fome e desemprego, mas também enquanto persistir a intolerância étnica, religiosa, cultural e ideológica.

A promoção de uma cultura de paz deve ser um dos pilares centrais deste Fórum. Para tanto, precisamos renovar mentalidades. Para renová-las é necessário oferecer oportunidade de crescimento econômico com justiça social aos milhões de homens e mulheres que vivem nas margens da Humanidade, humilhados e ofendidos, sem esperança.

São absurdas as teses sobre uma suposta fratura de civilizações no mundo que conduziria, inexoravelmente, a conflitos. Essas teorias são criminosas quando utilizadas como pretexto para ações bélicas, ditas preventivas.

O Brasil aposta no entendimento que faz calar as armas, investe na esperança que supera o medo, faz da democracia política, econômica e social sua única e melhor arma. Minha experiência como líder sindical ensinou-me que posições inflexíveis só ajudam a confrontação e afastam a possibilidade de soluções de paz que a maioria aspira.

Com esses princípios, viajei a Tel Aviv e a Ramalá, tentando buscar a paz. Com esse propósito, o primeiro-ministro Erdogan e eu fomos a Teerã buscar, com o presidente Ahmadinejad, uma solução negociada para um conflito que ameaça muito mais do que a estabilidade de uma região importante do Planeta. O mundo precisa do Oriente Médio em paz e o Brasil não está alheio a essa necessidade.

Defendemos um planeta livre de armas nucleares e o pleno cumprimento, por todos os países, das determinações do Tratado de Não Proliferação. Acreditamos que a energia nuclear deve ser um instrumento para a promoção do desenvolvimento, não uma ameaça. Temos sólidas credenciais para exigir o desarmamento. O Brasil é um dos poucos países a consagrar, em sua Constituição, a proibição de produzir e de usar armas nucleares. A América Latina e o Caribe formam a primeira zona desnuclearizada do Planeta. A existência de armas de destruição em massa tornam o mundo mais inseguro. Os arsenais nucleares são peças ultrapassadas e obsoletas de um tempo, já superado, de equilíbrio do terror.

Caros amigos,

A promoção da Aliança de Civilizações requer criatividade para forjar novos laços entre regiões e continentes. Reduzimos distâncias físicas, aproximando visões de mundo, integrando povos e culturas. Na América Latina e Caribe, estamos consolidando um projeto de integração regional que vai além da criação de um espaço econômico continental. Queremos que nossas diversidades sejam um fator de multiplicação de nossa força, não um pretexto para dissolver nossos objetivos comuns.

Foi a perspectiva de ampliação de um diálogo de civilizações que nos levou a realizar duas reuniões de Cúpula entre países da América do Sul com os países árabes, e outras duas com os países africanos. Estamos aprofundando nosso conhecimento mútuo, na certeza de que valores e heranças compartilhados nos farão mais fortes para enfrentar desafios como o aquecimento global, a insegurança energética e o terrorismo transnacional, mas, sobretudo, a fome e a miséria no mundo.

Amigas e amigos,

A crise financeira que se abateu sobre todos mostrou o quão necessário será contar com organizações multilaterais vigorosas, à altura de um mundo cada vez mais diverso e multipolar. Mas constatamos grande resistência à mudança. Incapazes de assumir os seus próprios erros, alguns governantes buscam transferir o ônus da crise para os mais fracos. Adotam medidas protecionistas que oneram bens e serviços exportados por países em desenvolvimento. Ao mesmo tempo em que se mostram lenientes com os paraísos fiscais, responsabilizam imigrantes pela crise social.

A comunidade internacional precisa reagir. Combater as manifestações de xenofobia e de racismo é tarefa inadiável. O Brasil continua um país aberto e solidário para aqueles que vêm buscar aqui trabalho digno e vida melhor. No momento em que a recessão ceifava milhares de empregos em nossa economia, não hesitamos em regularizar a situação de dezenas de milhares de migrantes.

Senhoras e senhores,

Os jovens constituem um dos grupos mais vulneráveis às influências do fanatismo e da intolerância, além de serem as principais vítimas da violência. Mas são também a melhor promessa para o futuro, sempre que orientados para o conhecimento do outro e para o respeito às diferenças. A participação jovem em programa de promoção do diálogo e da cooperação intercultural tem que ser o objetivo central de nossa Aliança.

É imprescindível um forte investimento na educação. O conhecimento e a informação histórica e cultural sobre diferentes civilizações são essenciais para a promoção de um ambiente naturalmente tolerante. Por isso, estamos implementando o ensino da história e da cultura afro-brasileira nas escolas brasileiras. Povos sem conhecimento de sua história e de sua cultura não têm como avaliar o presente e serão incapazes de fazer as melhores opções para a construção do seu próprio futuro.

Os meios de comunicação também têm papel decisivo na formação de valores em qualquer sociedade. Sua atuação construtiva é indispensável para a promoção dos princípios de nossa Aliança.

Meus caros amigos,

Este 3; Fórum confirma que não nos deixamos vencer nem pela distância, nem pelo ceticismo dos que duvidavam de nossa capacidade de trabalhar juntos. Aqui prevalece a determinação de romper paradigmas para aperfeiçoar um diálogo pioneiro entre Estados e sociedades que desejam construir um mundo à imagem de suas melhores tradições de entendimento e de solidariedade. É essa a mensagem que nossa Cúpula lança.

O Brasil ajudará a solidificar cada vez mais essa ponte de amizade e cooperação que estamos construindo entre nossos povos.

Muito obrigado.

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