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Missão: ajudar Gaza

No dia seguinte ao massacre no Mar Mediterrâneo, ativistas enviam mais barcos humanitários para desafiar o bloqueio imposto por Israel

postado em 02/06/2010 07:00

Milhares de pessoas se manifestam diante da residência oficial do embaixador de Israel em Ancara, Gabby Levy: protestos se espalham pelo planetaO palestino Majed Abusalama não desiste de seu sonho: fazer a diferença para melhorar o futuro de seu povo. Espera que a miserável população da Faixa de Gaza viva em paz e com justiça. Por isso, não se intimida com as mortes de nove ativistas na operação militar contra a flotilha Liberdade, da qual ele ajudou a organizar. ;Estamos planejando o envio de outros navios, com nossos amigos da Irlanda, da Grécia, da Suécia e de outros países;, afirmou ao Correio, por telefone, o coordenador da Rede de Grupos da Juventude Palestina na Faixa de Gaza ; organizada pela Fundação para os Direitos Humanos, Liberdades e Ajuda Humanitária (IHH, pela sigla em turco). ;Ao menos dois barcos saíram na manhã de hoje (ontem) da Irlanda e devem aportar por aqui na próxima semana;, acrescentou. Ele admite o risco da operação. ;Israel pode fazer o quiser. Vamos nos mover de forma pacífica, mas sabemos que eles podem nos matar.;

Majed continuará contando com a ajuda do turco Izzet Sahin, coordenador das ações internacionais da IHH. ;Nós enviaremos mais navios a Gaza. É um projeto que envolve mais de 30 países. Detalhes da operação serão decididos quando nossos diretores retornarem de Israel, onde estão presos;, disse Sahin à reportagem, também por telefone, de Ancara. O risco da missão humanitária ficou ainda mais claro depois que o vice-ministro da Defesa de Israel, Matan Vilnaã, advertiu ontem os ativistas. ;Não permitiremos que os barcos cheguem a Gaza para abastecer o que se transformou em uma base terrorista que ameaça o coração de Israel;, declarou.

O primeiro-ministro da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, e o secretário-geral da Organização das Nações Unidas, Ban Ki-moon, somaram-se ontem ao coro em defesa do fim do bloqueio à Faixa de Gaza. Durante um duro pronunciamento no Parlamento turco, o premiê classificou a operação naval israelense de ;massacre;. ;Foi uma mancha na própria civilização, sobre nossa cultura comum e sobre a humanidade. É um dia negro para a humanidade, quando você massacra povos inocentes e os chama de terroristas;, declarou Erdogan, lembrando que ;um Estado que atrai o ódio do mundo não pode garantir a segurança de seu povo;. Ele também defendeu o ;fim imediato do desumano bloqueio;.

O tom de Ki-moon foi parecido. ;Se os israelenses tivessem levado em conta meu pedido e o da comunidade internacional de suspender o bloqueio de Gaza, este trágico incidente não teria ocorrido;, disse o secretário-geral à agência France-Presse. A ONU evitou condenar o governo israelense. Protestos pela causa palestina e de repúdio a Israel foram registrados ontem em países como Paquistão, Líbano, Reino Unido e Espanha. Na Turquia, manifestantes entraram em confronto com a polícia diante da residência oficial do embaixador de Israel, Gabby Levy.

Incógnita
Aliado incondicional de Israel, os Estados Unidos expressaram apoio a uma investigação imparcial sobre o incidente no Mar Mediterrâneo, mas não exigiram o fim do embargo. A secretária de Estado, Hillary Clinton, limitou-se a uma declaração enigmática, ao qualificar a situação em Gaza de ;insustentável e inaceitável;. ;As necessidades legítimas de segurança por parte de Israel precisam ser garantidas, assim como as necessidades legítimas dos palestinos por assistência humanitária e acesso regular a material de reconstrução.;

[SAIBAMAIS]Por e-mail, o israelense Ely Karmon ; analista do Instituto Internacional para Contraterrorismo do Centro Interdisciplinar de Herzlyia ; acusou o governo de Erdogan de tentar compelir Israel a suspender o bloqueio. ;Se meu país não aceitar isso, o premiê turco terá um pretexto para expulsar nosso embaixador ou mesmo cortar as relações diplomáticas;, admite. Na opinião dele, tanto os organizadores da flotilha Liberdade quanto a Turquia têm sua culpa no incidente. O iraquiano Alon Ben-Meir, professor de relações internacionais da Universidade de Nova York, acredita que a diplomacia envolvendo Israel e Turquia está danificada. ;As relações dos dois países têm se deteriorado no último ano. Ancara não expulsou seu embaixador e tem sido cuidadosa em pedir a seu povo que respeite a população judaica. Não acredito em uma crise desproporcional, com o fim dos laços diplomáticos.;

O governo israelense anunciou que todos os estrangeiros detidos durante o ataque à flotilha seriam expulsos do país ainda ontem. A maioria dos 650 ativistas é de turcos. Entre os deportados, está a cineasta brasileira Iara Lee. O chanceler Celso Amorim afirmou que o encarregado de negócios da Embaixada do Brasil em Telavive visitou-a na prisão em Beersheva. ;A versão que nós obtivemos é que o telefone do agente diplomático foi confiscado, porque ela usou o telefone dele para falar com uma emissora de TV brasileira. Também soubemos que ela não podia ser liberada logo porque não quis assinar um documento no qual diria ter entrado em território israelense ilegalmente;, contou o ministro. ;Nossa expectativa é que ela seja solta, incondicionalmente.;

Colaborou Isabel Fleck


Izzet Sahin, coordenador das ações internacionais da ONG turca IHH

Defesa pronta

Declarações do premiê, Benjamin Netanyahu; do presidente, Shimon Peres e do chanceler, Avigdor Liberman. Gravações de vídeos. Notas à imprensa. O governo israelense, por meio de sua embaixada em Brasília, passou as últimas 48 horas tentando explicar o ataque à flotilha Liberdade, ocorrido na madrugada de segunda-feira.

De acordo com Netanyahu, a Marinha de seu país havia solicitado aos barcos que seguissem rumo a Ashdod. ;Cinco dos seis navios aceitaram. O sexto, o maior, que tinha a bordo centenas de pessoas, tinha um plano premeditado para atacar os soldados israelenses;, afirmou o primeiro-ministro, por meio de comunicado à imprensa. Segundo Peres, ;a flotilha violenta foi apoiada pelo Hamas;. Além de culpar os organizadores da missão pelo incidente, o Prêmio Nobel da Paz denunciou que ;ações violentas dos passageiros do navio contra os soldados obrigaram-nos a se defenderem;.

Na contramão da reação do gabinete de Netanyahu, parte da imprensa israelense não poupou o governo. O influente jornal Haaretz intitulou o editorial de ;O preço de uma política fracassada;. ;A negligência dos tomadores de decisão está ameaçando a segurança dos israelenses, e o status global de Israel. Alguém deve ser culpado por esse fracasso desgraçado;, afirma o texto. Já o diário Yedioth Ahronoth publicou que o ;fiasco israelense era previsível;. ;Nós devemos conhecer onde estão os limites de nosso poder de mentira, e quando escolhermos usá-lo;, escreveu o colunista Avi Trengo. Em outro texto, o mesmo jornal questiona em seu título: ;Por que fomos tão idiotas?;. ;Quanto à armadilha aguardando nossas tropas no mar segunda-feira, podemos dizer que escrita estava toda sobre a água;, publicou.

Por telefone, Giora Becher, embaixador de Israel no Brasil, sustentou ontem ao Correio que ocupantes da flotilha usaram a força. ;Quase mataram três soldados israelenses, que ainda estão no hospital, com grave situação médica;, disse ao Correio. ;É verdade que a maioria dos passageiros era formada provavelmente por ativistas. Alguns, não. Isso não foi previsto por nós e, por isso, aconteceu;, acrescentou. Questionado sobre o uso de força desproporcional por parte de Israel, o diplomata respondeu: ;O que sei é que três mães estão sentadas perto de três soldados israelenses, que estão em grave situação médica. Não foi nossa intenção causar mortes, mas não tivemos outra alternativa;.

Giora Becher afirmou que a condenação mundial pelo incidente é ;parte das relações internacionais;. ;Nós não gostamos muito da crítica contra este ato de Israel. Com países amigos, como o Brasil, temos canais diplomáticos para dialogar;, admitiu, lembrando ter se explicado ao Itamaraty. Segundo o embaixador israelense, as relações bilaterais com o Brasil são ;muito fortes em todos os campos;. (RC)


Majed Abusalama, palestino, coordenador da Rede de Grupos da Juventude Palestina na Faixa de Gaza


Alon Ben-Meir, professor de relações internacionais da Universidade de Nova York

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