postado em 03/06/2010 12:04
Para a comunidade internacional, foi uma afronta ao bom senso. Para os palestinos, tratou-se de uma agressão ao direito humanitário e à lógica cada vez menos provável do processo de paz no Oriente Médio. Ao tentar explicar o massacre na flotilha turca Liberdade, na madrugada da última segunda-feira, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, provavelmente conseguiu intensificar ainda mais o ódio e a repulsa de árabes e de ativistas. ;Israel está sendo vítima de um ataque de hipocrisia internacional;, declarou o premiê, em discurso transmitido pela TV, em rede nacional. ;Não era um cruzeiro de amor, era um cruzeiro de ódio. Não era uma operação pacífica, era uma operação terrorista;, acrescentou, referindo-se à incursão militar que terminou com nove ativistas mortos.Não bastou chamar o mundo de hipócrita. Netanyahu descartou suspender o bloqueio naval à Faixa de Gaza ; o embargo já dura três anos e tem aumentado o nível de pobreza dos palestinos. ;Nosso dever é inspecionar todos os barcos que chegam. Se não o fizermos, Gaza se tornará um porto iraniano, o que seria uma ameaça real para o Mediterrâneo e a Europa;, disse. O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, respondeu imediatamente e exigiu que o bloqueio seja ;levantado imediatamente;. ;Esse bloqueio é contraproducente, insustentável e imoral;, afirmou o sul-coreano. Ki-moon coordenou ontem uma série de reuniões individuais com embaixadores árabes e dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança, que, por sua vez, pediu uma ;investigação imparcial, confiável e transparente;.
Consultado pelo Correio sobre o discurso de Netanyahu, Majed Abusalama ; coordenador da Rede de Grupos da Juventude Palestina na Faixa de Gaza e um dos organizadores da flotilha ; não escondeu a irritação. ;Eu odeio esse homem. É ridículo como ele desafia o mundo inteiro e o direito internacional;, criticou. ;Ele sente que o mundo é hipócrita, porque todos estão despertando e começando a ver as mentiras e os crimes dos israelenses;, acrescentou. Para Abusalama, a comunidade internacional reconhece que a inação seria algo ;vergonhoso; nesse momento. ;Todos os países chamaram os embaixadores de Israel para discutir a situação e enviaram sua solidariedade para conosco;, reconheceu o palestino.
Deportação
O pronunciamento do premiê ocorreu horas depois de Israel ter iniciado a deportação de 631 ativistas capturados na flotilha, entre eles a brasileira de ascendência coreana Iara Lee. Durante todo o dia, a reportagem tentou entrar em contato com a cineasta, por meio de um celular, mas o aparelho dela estava desligado. O Ministério das Relações Exteriores divulgou que Iara saiu de Israel no início da noite de ontem (hora de Brasília), em um dos três aviões que decolaram rumo à Turquia. De acordo com o Itamaraty, ela seria recebida em Istambul pelo cônsul-geral do Brasil, Michael Gepp. Por telefone, o palestino Arafat Shoukri ; diretor do Conselho para Relações Europeias-Palestinas e membro do movimento Salvem Gaza ; contou que os ativistas estão em uma ;situação terrível;. ;Eles foram vítimas de maus-tratos por parte dos israelenses, sequestrados em águas internacionais, levados à prisão e obrigados a assinar documentos;, denunciou. ;Apanharam dos soldados e ficaram sem água e sem comida por 26 horas.; Pelo menos 125 militantes foram transferidos para a Jordânia.
Analista do Colégio de Defesa Nacional Sueco (em Estocolmo), Magnus Ranstorp acha que, até certo ponto, Netanyahu está correto ao qualificar o mundo de ;hipócrita;. ;O conflito israelo-palestino é visto amplamente em branco e preto. Se você for pró-palestinos, essa será uma crise imensa (ou uma oportunidade) para mobilizar apoio contra Israel;, explicou.
Pressão por sanções contra Teerã
Os Estados Unidos querem que o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) vote até 21 de junho a resolução sobre sanções contra o Irã, por causa do programa nuclear do país. ;O presidente (Barack Obama) disse que gostaria que isso fosse feito até a primavera;, informou o porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, Philip Crowley. Embora Brasil e Turquia, membros provisórios do conselho, tenham mediado um acordo com o Irã para o enriquecimento de urânio fora do território nacional, os EUA pressionam o grupo para aplicar novas sanções.
Documento justifica operação
O governo israelense manteve ontem a campanha de justificativa do ataque à flotilha Liberdade, ocorrido na madrugada de segunda-feira. Segundo um comunicado elaborado pelo Centro de Inteligência e Informação sobre Terrorismo, cinco navios teriam acatado as ordens das Forças de Defesa de Israel (IDF, pela sigla em inglês) para seguirem rumo ao porto de Ashdod. ;No sexto navio, Mavi Marmara, quando os soldados desembarcaram, foram recebidos de forma extremamente violenta;, afirma o texto, repleto de fotos e de vídeos. ;Os ativistas pró-Hamas a bordo do navio, que tinha sido enviado pela organização islâmica IHH, atacaram os soldados com paus, facas, pedras e outras armas. Em um determinado momento, ativistas apanharam duas pistolas dos soldados israelenses e atiraram contra eles;, acrescenta.
Segundo o comunicado, o confronto durou 40 minutos e os militares teriam recebido autorização para reagir em ;legítima defesa;. ;Cada soldado foi atacado por três ou quatro homens e espancado. Os militantes estavam armados com paus, canos de metal, facas, atiradeiras e garrafas;, afirma o texto, que acusa o movimento fundamentalista islâmico Hamas de ter explorado os eventos, utilizando-os como ;propaganda de ataque a Israel;.
Mártires
A agência internacional France-Presse, citando o jornal turco Vatan, divulgou que três dos nove mortos no ataque israelense eram muçulmanos praticantes e sonhavam morrer como mártires. ;Ele ajudava os pobres e os oprimidos. Há anos queria ir à Palestina. Orava sem parar para chegar a ser um mártir;, disse a mulher de Ali Haydar Bengi. A imprensa turca identificou esses cidadãos turcos como ;ativamente comprometidos com movimentos islamitas;.
Já Eli Yaratilmis, 55 anos, residente em Ancara, era voluntário da organização não governamental turca Fundação para os Direitos Humanos, Liberdades e Ajuda Humanitária (IHH). ;Ele sempre quis ser um mártir;, revelou Faruk Cevher, um de seus amigos, ao jornal Sabah. Por sua vez, Ibrahim Bilgen, um engenheiro aposentado de 61 anos, era simpatizante do Partido da Felicidade ; um movimento islâmico de Siirt, no sudeste da Turquia. ;Ele queria virar mártir. Alá deu a ele a morte que desejava;, declarou o amigo Nuri Mergen, citado pela agência Anatolia. O Correio entrou em contato com a IHH, mas uma funcionária alegou que a entidade estava enfrentando uma crise e que seus diretores participavam de um protesto contra Israel. (RC)
"Não era um cruzeiro de amor, era um cruzeiro de ódio. Não era uma operação pacifista, era uma operação terrorista;
Benjamin Netanyahu, premiê de Israel