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Imposição de sanções pelo Conselho de Segurança não abala regimes como o do Irã

Segundo analistas, ocorre o contrário: elas inibem a oposição interna e dificultam o diálogo

postado em 13/06/2010 10:03
Limitar as atividades de um país para preservar a paz e garantir a segurança deveria bastar. No entanto, a história mostra que as sanções do Conselho de Segurança das Nações Unidas também podem fortalecer o regime que se pretende punir. O pacote aprovado contra o Irã na quarta-feira passada colocou uma vez mais em questão a eficácia das resoluções da ONU. Para o presidente iraniano, Mahmud Ahmadinejad, elas não terão efeito algum. Na ótica dos especialistas, as grandes potências podem dificultar o programa nuclear de Teerã, mas não estão nem perto de conseguir brecá-lo, a exemplo do que aconteceu com a Coreia do Norte.

O presidente iraniano, Mahmud Ahmadinejad, assiste a um desfile ao lado dos comandantes militares: linha dura desafia a ONUNos últimos 50 anos, o conselho aprovou sanções para tentar apaziguar conflitos e crises. O efeito, porém, pode ser o oposto do pretendido. No caso do Irã, as medidas parecem ter afastado ainda mais a possibilidade de diálogo. ;Para começar, ao isolar o país, as potências foram contra o próprio discurso de conseguir um acordo. Com isso, elas vão dar mais tempo para o desenvolvimento do programa nuclear e, ao aprovar outras sanções, estão dando fôlego ao regime iraniano;, argumenta Chales Pennaforte, diretor-geral do Centro de Estudos de Geopolítica e Relações Internacionais (Cenegri).

De acordo com o escritor iraniano Reza Aslan, membro do Centro de Diplomacia Pública da Universidade do Sul da Califórnia, a estratégia de intensificar as medidas contra o Irã não deve ter sucesso. ;É a quarta vez que a ONU impõe sanções contra o Irã. As primeiras três rodadas não conseguiram fazer nada para deter as ambições nucleares ou o comportamento político do regime. Então, não há razão para acreditar que desta vez o resultado seja diferente. Acredito que Ahmadinejad deve continuar a buscar aliados nos países emergentes, como Brasil, Turquia, Índia e Rússia, para tentar resolver a questão;, disse o especialista ao Correio.

As medidas dependem em parte da boa vontade dos países-membros da ONU. O Conselho de Segurança fiscaliza o cumprimento das sanções e pode abrir processo no Tribunal Internacional de Justiça, ou aprovar novas medidas. ;Do ponto de vista prático, porém, é um balão de ensaio. Por trás das sanções há muitos interesses econômicos, então o comércio acaba se realizando de alguma forma;, analisa Pennaforte.

No caso da Coreia do Norte, as restrições não ajudaram nas negociações e o país continuou com seu programa nuclear até testar duas bombas atômicas. Em Cuba, mantida sob embargo pelos Estados Unidos há 48 anos, o regime comunista sobreviveu e o país se desenvolveu, embora com sofrimento para a população. ;Um país que tem petróleo, como o Irã, consegue se manter. Cuba conseguiu manter seu regime mesmo isolada. A Coreia do Norte, apoiada pela China, deve continuar a testar mísseis;, ponderou o diretor geral do Cenegri.

Exceção
Nem sempre, porém, resoluções punitivas do conselho atrapalham o desenvolvimento de negociações. No fim da década de 1970, as medidas contra a venda de armamento à África do Sul, então sob o regime de segregação do apartheid, tiveram um grande impacto no processo que conduziu à democracia racial, consumada em 1994 com a eleição de Nelson Mandela. ;É claro que cada caso é um caso. Mas, no quadro geral, a ONU não tem tido sucesso. A capacidade de imposição é mínima e nem sempre objetiva. No exemplo do Irã, se fossem atingidas as importações de petróleo, as sanções seriam duras;, afirma Eduardo Viola, professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade de Brasília.

Para Janina Onuki, do Instituto de Relações Internacionais da USP, o grande objetivo das sanções está em fazer uma diferenciação política. ;Eu não diria que as medidas na Coreia do Norte e no Irã não tiveram efeito, pois o constrangimento moral sobre esses países já é um feito. É claro que acontecem discussões, não cumprimento de sanções, elas têm o sentido político e prático de expor os países e os constranger.;


Conselho de Segurança

O que é

É o órgão das Nações Unidas responsável pela paz e segurança internacionais. Ele pode tanto investigar uma situação com risco de se transformar em conflito quanto determinar a aplicação de sanções econômicas para conter ou punir os responsáveis. Todos os países-membros da ONU devem acatar e cumprir suas resoluções.

1946
Realizada em Londres a primeira reunião do organismo

Composição
O conselho é formado por 15 países. Os cinco membros permanentes são os únicos com direito a veto: China, França, Estados Unidos, Reino Unidos e Rússia. Os demais 10 membros são eleitos pela Assembleia-Geral para mandatos de dois anos. Atualmente, integram eles são: Áustria, Bósnia-Herzegóvina, Brasil, Gabão, Japão, Líbano, Libéria, México, Turquia e Uganda.

Votação
Quando é apresentado formalmente, um projeto de resolução deve ser discutido e votado pelos 15 membros. O voto negativo de um dos cinco permanentes basta para vetar o projeto, ainda que aprovado pela maioria do plenário.

Aplicação de sanções
Quando sanções são aprovadas, o conselho estabelece uma comissão para zelar pelo cumprimento. Os países integrantes observam qualquer infração e informam as Nações Unidas e as partes interessadas. Cada país-membro é individualmente responsável pela aplicação das medidas previstas.

Desrespeitos
Se resoluções votadas pelo conselho não forem acatadas por algum país, o órgão pode pedir um parecer ao Tribunal Internacional de Justiça. Isso pode desencadear um processo, novas sanções ou mesmo o envio de tropas internacionais.

; Histórico de sanções

1963
Adota um embargo (voluntário) contra a África do Sul, por causa do regime do apartheid

1977
Impõe um embargo obrigatório de armas para a África do Sul

1992
Aplica sanções à Líbia, incluindo um bloqueio de tráfego aéreo

2001
Uma resolução instrui os países a rastrear e bloquear o financiamento de atos terroristas

2002

Aplica uma resolução para verificar o uso de armamentos pesados e mísseis no Iraque

2005
Define sanções contra os culpados de genocídio na região de Darfur, no Sudão

2006
Pune a Coreia do Norte depois de um teste nuclear e impõe sanções econômicas ao Irã por causa do enriquecimento de urânio

2009
Reforça as sanções à Coreia do Norte depois de outro teste nuclear


Só no exílio
Com a oposição intimidada no interior do país, apenas os exilados iranianos marcaram a passagem do primeiro aniversário da reeleição de Mahmud Ahmadinejad. Em Tóquio, manifestantes se concentraram diante da embaixada da República Islâmica exibindo cartazes como o da foto, que mostra uma mulher com véu e a frase: ;Meus olhos procuram pela liberdade;. Manifestações foram registradas também em capitais europeias, como Roma.


Oposição suspende protesto
No primeiro aniversário da polêmica reeleição do presidente Mahmud Ahmadinejad, não houve protestos nas principais cidades do Irã. Os líderes da oposição reformista, que em junho de 2009 denunciaram fraude generalizada, suspenderam uma manifestação convocada para ontem em Teerã, por temor de uma repetição dos violentos confrontos de um ano atrás, com saldo de cerca de 80 mortos, segundo os opositores. O ex-candidato à presidência Mir Hossein Mousavi afirmou que a coligação reformista ;continuará recorrendo a métodos pacíficos; para contestar a legitimidade do presidente.

A capital iraniana estava movimentada, porque ontem era dia de os trabalhadores receberem salários. A polícia armou um forte sistema de segurança nas principais praças. ;Não é provável qualquer tentativa de reviver os protestos de rua. Mas se o movimento de revolta criar uma crise de segurança, nós teremos de confrontá-los com força total;, disse à agência de notícias Reuters um comandante da Guarda Revolucionária, Reza Farzaneh.

Para se comunicar, a oposição utiliza a internet a fim de burlar a censura imposta aos meios de comunicação ; em cinco anos de governo de Ahmadinejad, dezenas de publicações foram suspensas sob a acusação de difamar o regime islâmico. Em nota divulgada no site Kaleme.com, Mousavi sugeriu que, apesar de estar fora das ruas, os manifestantes poderiam fazer uso de outros meios para protestar. ;Temos de expandir nossa rede social, nossos websites. É o melhor caminho e funciona como uma arma, a nossa arma contra a força militar;, disse o dirigente oposicionista.

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