postado em 16/06/2010 07:49
No último ano, a quantidade de pessoas que tiveram de se deslocar do lugar de origem por conta de conflitos ou perseguições foi o maior registrado nas últimas duas décadas. Entre os 43,3 milhões casos documentados estão refugiados, os que aguardam a concessão oficial desse status e pessoas que se deslocaram dentro do próprio país. Essas últimas também se multiplicaram em ritmo considerável, chegando a 27,1 milhões em todo o mundo ; 4% a mais que no ano anterior. No Brasil, a quantidade de refugiados quase triplicou de 2008 para 2009, sendo que 65% vieram de países africanos.Os números são do relatório Tendências globais, publicado anualmente pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) e divulgado em todo o mundo ontem. Segundo o documento, este também foi o ano em que se registrou o menor fluxo de retorno voluntário de refugiados desde 1990. Na última década, uma média de 1 milhão de pessoas voltavam para o país de origem a cada ano. Em 2009 foram apenas 251 mil. ;Esse é um número muito baixo se comparamos com os últimos 10 anos, e pode ser explicado pelo fato de muitos conflitos no mundo persistirem, como no Afeganistão e no Iraque;, explicou o representante do Acnur no Brasil, Andres Ramirez.
De fato, esses dois são os países que mais ;exportam; refugiados. O relatório mostra que 2,88 milhões de afegãos e 1,78 milhão de iraquianos tiveram de se deslocar por conta da situação em seus países. Somália, República Democrática do Congo, Myanmar e Colômbia aparecem em seguida como locais de onde mais partem refugiados. Segundo o alto comissário da ONU para Refugiados, António Guterres, a maioria dessas pessoas tem vivido no exílio por cinco anos ou mais. ;Inevitavelmente, essa proporção crescerá, uma vez que menos refugiados têm condições de retornar para casa;, explicou Guterres.
Destino aleatório
O Acnur apontou ainda que 80% dos 15,2 milhões de refugiados estão hoje em países em desenvolvimento ; uma escolha que mostra que há muitas diferenças entre quem foge e quem emigra. ;A tendência dos emigrantes econômicos é ir para zonas urbanas, com altos salários, mais desenvolvimento e com maior potencial para emprego. Mas não é essa a lógica do refugiado. O país com maior número de solicitações hoje é a África do Sul, que está em uma situação de menor desenvolvimento que o Brasil, por exemplo, e apresenta uma queda na expectativa de vida nos últimos anos;, destacou Ramirez.
Segundo o relatório, a grande maioria dos refugiados (80%) acaba ficando na vizinhança da área de conflito. O melhor exemplo está no Oriente Médio. A região que concentra as duas principais origens de refugiados ; Afeganistão e Iraque ; é também a que concentra os países mais procurados como destino: Paquistão, Irã e Síria. ;Eles não escolhem países desenvolvidos, simplesmente atravessam a fronteira;, explica o representante do organismo no Brasil.
Isso ocorre também na América Latina, com a Colômbia. A maior parte dos 389,8 mil refugiados do conflito entre o governo e a guerrilha das Farc está vivendo no Equador, na Venezuela, no Panamá e na Costa Rica ; países que nem de longe seriam escolhas consideradas por emigrantes econômicos. ;Se você visitar a fronteira (da Colômbia) com a Venezuela, vai ver que é uma zona muito pobre, não é Nova York. O mesmo acontece na fronteira com o Equador;, observa Ramirez. ;Um crescimento importante foi no Equador, principalmente porque, no último ano, o governo do país implementou o que chamaram de registro ampliado, pelo qual quase 30 mil pessoas foram documentadas como refugiados;, completa o representante do Acnur no Brasil.
No Brasil, maioria de Angola e Colômbia
O Brasil não é nem de longe um dos países que mais recebem refugiados ; até na América do Sul, perde para o pequeno Equador ;, mas viu o número quase triplicar no último ano. No fim de 2009, eram 4.232 registrados. Até junho deste ano, a soma era de 4.294, vindos de 76 países, e cerca de 90% pediram o refúgio já em solo brasileiro. A África é o continente de origem da maior parte ; cerca de 65% ;, seguido dos vizinhos americanos, com 22%, da Ásia, com 10,3%, e da Europa, com 2,3%.
Em 2008, 106 solicitações de refúgio foram concedidas pelo Comitê Nacional para Refugiados (Conare), do Ministério da Justiça. No ano seguinte foram 275, número que ficou abaixo dos 355 registrados em 2007. ;Analisando os dados, percebemos que não há uma lógica nos números, porque isso depende sempre do que acontece nos países de origem;, explica o coordenador-geral do Conare, Renato Zerbini. Outro fator que contribui para que o Brasil tenha um número relativamente baixo de refugiados, mesmo estando ao lado da Colômbia ; sexto país de onde mais partem refugiados ;, é a característica das fronteiras. ;O Brasil faz limite com quase todos os nossos vizinhos, mas as fronteiras são de difícil acesso;, destaca Zerbini.
Ele, no entanto, lembra que a extensa costa brasileira, voltada para a África, acaba sendo um atrativo para o continente onde a população tem mais necessidade de se deslocar por conta de conflitos. ;Aqui chegam muitos navios africanos. E há também a questão dos conflitos nacionais da última metade do século 20 na África;, afirmou. Para Zerbini, a hospitalidade do povo brasileiro também é um atrativo. ;Aqui os refugiados se sentem tranquilos em relação a raça, religião e grupo social.;
Dos 4.294 refugiados no Brasil, 1.688 vieram de Angola, 589 da Colômbia, 420 da República Democrática do Congo e 259 da Libéria. Até mesmo do distante Iraque, onde a guerra iniciada em 2003 fez do país a segunda maior origem de deslocados, 199 vieram para o Brasil. No caso da Colômbia, 254 dos 589 já tinham procurado abrigo em outros países da região, a maior parte no Equador.
Zerbini, contudo, negou que o governo brasileiro tema um aumento do número de colombianos solicitando refúgio na fronteira ; em especial guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) ; por conta da ofensiva do governo vizinho contra o narcotráfico. ;Esse número nunca aumentou e não vai ser agora, que a situação parece estar melhorando, que vai aumentar. O Brasil não teme isso.; (IF)