Agência France-Presse
postado em 18/06/2010 16:45
A presidente interina do Quirguistão, Rosa Otunbayeva, reconheceu esta sexta-feira (18/6) que os confrontos étnicos deixaram quase dois mil mortos - dez vezes o balanço atual -, durante visita ao sul do país, onde a ONU estima que haja até um milhão de afetados.A Organização Mundial da Saúde (OMS) calcula que os confrontos dos últimos dias "afetaram direta ou indiretamente" um milhão de pessoas nesta antiga república soviética da Ásia Central, onde a Rússia tem uma base militar e os Estados Unidos, uma aérea, considerada chave para abastecer suas tropas no Afeganistão.
Estes números - 300 mil refugiados que se viram forçados a cruzar a fronteira com o Uzbequistão e outros 700 mil deslocados internos - constitui "o pior panorama", confessou à AFP Giuseppe Annunziata, coordenador do programa de ajuda de emergência da OMS.
Otunbayeva negou que o governo provisório, que chegou ao poder após a revolta de abril, seja incapaz de deter a violência e administrar a crise humanitária.
"Deixem-nos um pouco de esperança! Parem de repetir que não fazemos nada", disparou.
Mas, à noite declarou que as tropas russas protegeriam instalações energéticas do país, sem detalhar quais.
O ministério russo da Defesa confirmou que as autoridades quirguizes pediram o envio de tropas e esclareceu que ainda não haviam tomado "uma decisão definitiva".
O vice-secretário de Estado americano a cargo da Ásia Central e do Sul, Robert Blake, exigiu uma "investigação independente" e instou o Quirguistão a "pôr um fim à violência que ocasiona uma multidão de refugiados" no Uzbequistão, país vizinho onde fazia visita.
Enquanto isso, a presidente interina quirguiz se reunia com os moradores de Osh, segunda cidade do país e epicentro da violência.
Vestindo um colete à prova de balas, Otunbayeva aterrissou de helicóptero e dirigiu-se a um grupo de moradores reunidos na praça central.
"Vim para falar com o povo e escotar o que diz sobre o que aconteceu", afirmou.
Antes de embarcar em um avião na capital, Biskek, situada 300 km ao norte, a presidente interina reconheceu que o número de vítimas da violência era muito superior ao balanço oficial, como haviam informado à AFP moradores das regiões afetadas.
"Eu multiplicaria por dez o número oficial", que dá conta de 192 mortos e mais de dois mil feridos, disse Otunbayeva ao jornal russo Kommersant.
Durante encontro em Osh com representantes da sociedade civil, ela abrandou o tom, afirmando que o balanço final seria "no mínimo várias vezes superior" às cifras comunicadas até agora.
"Não é que ocultemos a verdade, é que tampouco temos todos os números. As pessoas estão enterrando e enterram os corpos" em seguida aos ataques, sem avisar as autoridades, explicou.
Sobre os enfrentamentos entre quirguizes e a minoria uzbeque neste país de 5,3 milhões de habitantes, Otunbayeva admitiu que as tensões "continuavam sendo elevadas" e que, apesar de já terem sido registradas "escaramuças" no passado, "pensamos que a situação aguentaria".
Historicamente, as relações entre as duas comunidades são tensas, em especial pelas diferenças econômicas. Nos anos 1990, confrontos étnicos já haviam deixado centenas de mortos.
O Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas pediu ao governo quirguiz provisório uma "investigação exaustiva e transparente" sobre o ocorrido e duas ONGs, a International Crisis Group (ICG) e a Human Rights Watch, dizem ter escrito ao Conselho de Segurança da ONU para pedir "medidas imediatas" para resolver esta situação.