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Velório de Saramago reúne multidão de admiradores em Lisboa

Nahima Maciel
postado em 20/06/2010 10:01
Foi envolto na bandeira de Portugal e carregado por seis militares que o caixão com o corpo de José Saramago desembarcou nesse sábado (19/06) pela manhã no Aeroporto Figo Maduro, em Lisboa. O corpo foi levado em comitiva à Câmara Municipal da capital portuguesa para ser velado. Em seguida, familiares e convidados seguem para o cemitério Alto do São João para uma cerimônia de cremação. As cinzas serão entregues a Pilar del Río, mulher do escritor, e devem ficar em Portugal. ;A última viagem com José foi especialmente tranquila, como ele;, declarou Pilar ao jornal El País. José Saramago morreu na sexta-feira, aos 87 anos, por volta das 8h30 (horário local).

Até esse sábado, jornais portugueses e espanhóis publicavam notícias desencontradas sobre o destino dos restos mortais do escritor. Durante uma entrevista a um canal português, realizada em 2008, ele teria revelado o desejo de que suas cinzas fossem distribuídas entre sua cidade natal, Azinhaga, no interior de Portugal, e uma oliveira do jardim da casa em Lanzarote, ilha do arquipélago espanhol das Canárias na qual vivia em autoexílio desde 1993.

Ontem, no entanto, o administrador da Fundação José Saramago, José Sucena, confirmou que as cinzas ficam em Portugal por vontade expressa do escritor. ;Houve razões que levaram José Saramago a mudar de opinião, mas não as posso revelar;, disse Sucena, em entrevista ao jornal Público, de Lisboa. ;O que está estabelecido e assente é que as cinzas fiquem em Portugal. A não ser que, durante a viagem de avião, Pilar del Río mude de opinião.; O avião da Força Aérea de Portugal que levou de volta o corpo do escritor à terra natal transportou também, além de Pilar, a única filha de Saramago, Violante, e a ministra da Cultura, Gabriela Canavilhas.

Em frente à Câmara Municipal, cerca de 200 pessoas aguardavam a chegada dos restos mortais, e o velório foi acompanhado por artistas, escritores e leitores. Sites de notícias apontavam a ausência do presidente de Portugal, Aníbal Cavaco SIlva, até a noite de ontem. Silva era primeiro-ministro quando Saramago decidiu romper com a elite portuguesa e se mudar para Lanzarote.

O cubano Fidel Castro, com o qual Saramago rompeu depois do fuzilamento de três presos políticos, enviou uma coroa de flores que foi depositada ao lado do caixão. Em Roma, o Vaticano criticou o escritor, questionador contundente do catolicismo, em nota publicada no Osservatore Romano .

A candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, compareceu ao velório. Uma comitiva oficial foi organizada para receber o escritor pela última vez. Dela faziam parte o presidente da Associação Portuguesa de Escritores, José Manuel Mendes, a ministra da Cultura da Espanha, Ángeles Gonzáles-Sinde, os netos do escritor e um representante do Partido Comunista Português, ao qual era filiado desde 1969.

Durante uma conferência na Universidade de Lisboa, o ex-presidente Mário Soares ponderou ontem que seria pertinente reservar a Saramago um lugar no Panteão Nacional, monumento digno para o único escritor de língua portuguesa a ser condecorado com o Nobel de Literatura. ;Justifica-se porque era um português ilustríssimo;, disse Soares. ;É uma grande perda para Portugal, um grande escritor, um dos maiores do século 20, um homem conhecido internacionalmente.; Na sexta-feira, dia da morte do escritor, o corpo foi velado em uma biblioteca de Lanzarote, em meio aos próprios livros e de outros autores. No livro de condolências, uma mensagem assinada por um certo Ángel dizia: ;Creio que tenho outra coisa contra ti, Deus: o levastes.; (Colaborou Tiago Faria)

Guerra seria tema de romance

Depois de lançar Caim, no ano passado, José Saramago começou a trabalhar em um novo romance. Debilitado pela doença respiratória que o levou, alternava momentos de fraqueza com disposição para escrever as primeiras páginas de um livro dedicado à reflexão sobre a indústria armamentista. Segundo o editor Zeferino Coelho, responsável pela publicação, o romance já continha apenas 20 ou 30 páginas. ;Pilar del Río pensará o que fazer com ele, entre outros textos que tenha para lá. É uma decisão que estará sujeita ao critério dela.;

Coelho contou ao jornal Público que o romance, ainda sem título, parecia caminhar na mesma direção de Ensaio sobre a cegueira e Ensaio sobre a lucidez. Em entrevistas, Saramago confessou imaginar uma história na qual operários de fábricas se recusassem a produzir armamentos. ;Todo mundo tem armas. Vivemos numa sociedade, que é aceita e a televisão está nos dizendo todos os dias que a vida humana não tem nenhuma importância;, observou.

Já o documentário José e Pilar, dirigido por Miguel Gonçalves Mendes, tem estreia marcada para 14 de outubro durante o festival DocLisboa. Consagrado à relação do escritor com a mulher 20 anos mais nova, o filme é uma coprodução da O2, de Fernando Meirelles, com a portuguesa Jumpcut e a espanhola El Deseo, de Pedro Almodóvar. ;O filme é comovente de cortar os pulsos;, definiu Meirelles. No trailler disponível no site http://www.jumpcut.pt, Saramago diz a Pilar: ;Se tivesse morrido aos 63 anos, antes de te conhecer, morreria muito mais velho do que serei quando chegar a minha hora;. (NM)

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