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Entrevista - Ahaz Ben-Ari

postado em 26/06/2010 08:15
De acordo com Ahaz Ben-Ari, conselheiro-geral jurídico do Ministério da Defesa de Israel, os comandos que abordaram a flotilha humanitária Liberdade, na madrugada de 31 de maio, foram ofendidos e atacados por grupos de militantes muçulmanos infiltrados entre as centenas de ativistas. ;Eles nos disseram: ;Voltem para Auschwitz (campo de concentração nazista);;, afirmou, ao descrever a mensagem que teria sido repassada, via rádio, pela tripulação do navio MV Mavi Marmara. ;Se houvesse outra forma de parar o navio, nós o teríamos feito;, acrescentou o advogado, que esteve no porto de Ashdod, naquele dia, para a chegada das embarcações.

De passagem por Brasília, Ben-Ari falou ao Correio e defendeu a ofensiva israelense no Mar Mediterrâneo. Ele garantiu que seu país não violou a Justiça e explicou por que o governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu rejeita uma investigação realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU). ;Você não forma uma investigação internacional quando qualquer coisa acontece;, comentou. Ben-Ari revelou que 1 milhão de euros estavam no MV Mavi Marmara ; o que indicaria, segundo ele, um financiamento para o movimento fundamentalista islâmico Hamas.

O conselheiro do governo israelense desmente a tese de que a Faixa de Gaza estaria passando por uma crise humanitária. Ao reconhecer a melhoria nas condições de segurança da Cisjordânia, Ben-Ari elogiou inclusive os ;esforços impressionantes; da Autoridade Palestina em construir uma força policial efetiva e um sistema judicial. Mas a situação em Gaza, sob controle do Hamas, o preocupa. Ele contou que, entre 2001 e 2008, o Hamas disparou 7 mil foguetes contra Israel e acusou a facção de não desejar a paz. ;O Hamas só quer uma coisa: destruir Israel.; Por causa da influência dos militantes islâmicos e do risco de a Faixa de Gaza se transformar num porto para o escoamento de material nuclear do Irã, Ben-Ari diz ser impossível o fim do bloqueio imposto em junho de 2007.

Israel tem sido acusado de violar a lei internacional, ao ter interceptado a flotilha Liberdade em águas neutras. Como o senhor analisa isso?
Segundo a lei internacional, uma vez que existe um navio disposto a romper um bloqueio e sua tripulação não obedece às ordens para parar e não cruzar a linha, você não deve esperar até que isso ocorra. Quero dizer, cruzar a linha exata do bloqueio. Uma vez que está clara sua direção e que não há dúvidas da determinação da tripulação em romper o bloqueio, você pode fazer o que for preciso para parar o navio. A questão da lei internacional não é o problema aqui.

Então, a interceptação da flotilha foi uma atitude totalmente legal?
Pelo que eu entendo, sim. A propósito, não há águas internacionais. As águas internacionais da Faixa de Gaza são apenas depois de 3 milhas náuticas (cerca de 5,5km). O que quer que aconteça será em águas internacionais. A questão é se Israel poderia ou não declarar um bloqueio em águas internacionais, a 25 milhas náuticas da costa (cerca de 46,3km), para reforçar suas necessidades de segurança. Essa é a questão primária. A resposta é afirmativa: sob o direito internacional, Israel poderia declarar o bloqueio e reforçá-lo. Uma vez que o bloqueio é legal, seu reforço deriva disso. Uma distância de 25 milhas é bem razoável para prevenir navios de alcançarem a costa.

A comunidade internacional acusa Israel de usar força desproporcional ao abordar o navio MV Mavi Marmara;
A Marinha israelense avisou o MV Mavi Marmara, mas eles rejeitaram alertas. Eles nos disseram: ;Voltem para Auschwitz!” Estava claro que eles não obedeceriam nossas ordens. Se houvesse outra forma de parar o navio, nós o teríamos feito. Tecnicamente, parece que não seria possível detê-lo, a não ser que você; bem; disparasse um torpedo e o afundasse. Mas havia muitos civis a bordo. Sob a lei internacional e as regras do Manual de San Remo sobre o Direito Internacional, assinado em 1994, uma vez que um navio não obedece às ordens, você pode atacá-lo. Nós não quisemos atacar o navio, apenas quisemos detê-lo. Essa é a única forma que nossos comandos encontraram para detê-lo. A avaliação era de que as forças embarcariam no Mavi Marmara e que poderia haver alguma resistência, mas não mais do que isso. O que aconteceu, de fato, é que muitas das pessoas eram manifestantes, mas havia também grupos de militantes muçulmanos. Eles vieram para tentar lutar contra as forças israelenses. Alguns eram membros da IHH, a organização turca declarada em 2008 entidade terrorista, com ligações com a rede Al-Qaeda. Não é apenas uma organização humanitária. Os comandos israelenses usaram balas de tinta, não estavam equipados para um combate. Isso não fez parte da nossa avaliação.

Os primeiros comandos que invadiram o navio não tinham armas?
Eles tinham, mas elas não estavam nas mãos dos soldados. Uma vez que estavam sendo atacados e perceberam que suas vidas corriam perigo, tiveram de fazer isso. O que aconteceu é que eles foram atacados. Eles desceram usando cordas, um por um. As pessoas a bordo do navio os pegaram e quase fizeram baixas do nosso lado. É um milagre que a operação tenha acabado com apenas nove mortes. Poderia ter sido mais, se eles não fossem treinados.

As autoridades cometeram um erro de inteligência, ao não determinar o exato número de passageiros da flotilha?
Não, nós sabíamos. Sabíamos que haveria ali entre 600 e 800 pessoas. Não conhecíamos os motivos dessas pessoas. Em flotilhas anteriores, os ocupantes não resistiram. Quando a Marinha tentou detê-los, eles pararam. E terminou aí. Dessa vez, havia grupos de militantes. Isso pode ser visto em gravações de vídeo. Eles vieram para lutar e prepararam facas, machados; Estavam preparados para uma luta, não para uma missão de paz.

Se Israel considera que não cometeu um crime, por que não deixa a ONU investigar?
Nós estamos fartos dessas investigações. Coisas assim acontecem em todos os lugares. Onde quer que um Exército tenha que fazer algo para manter a segurança. Você não forma uma investigação internacional quando qualquer coisa acontece. Especialmente quando a situação é bem clara. O que fizemos foi criar um comitê com dois observadores internacionais. Esperamos que os temas da lei internacional sejam esclarecidos em breve.

A mídia internacional reporta que Israel forçou os membros da flotilha a assinarem um documento garantindo que não processariam o Estado após serem soltos. Isso procede?
Não. Parte deles teve que assinar um papel no qual declaram que desejam ser expulsos imediatamente. Essas pessoas vieram ilegalmente para Israel. Sob a lei, o Ministro do Interior tem autoridade para expulsá-las de volta para seus países. Se você concorda em ser expulso, sai imediatamente. A maior parte das pessoas foi presa e, segundo a lei, deveriam ter sido trazidas perante um juiz em até 96 horas. Nós decidimos expulsá-las.

Alguns dos ocupantes da flotilha acusam Israel de terem confiscado câmeras e celulares que poderiam ter gravado tudo. Esse material foi devolvido?
Sim, já foi devolvido. Quando o navio chegou, eu estava lá no porto de Ashdod. As pessoas que não quiseram ser deportadas imediatamente foram presas. Seus pertences foram deixados no navio. A polícia reuniu tudo o que estava no MV Mavi Marmara e colocou em um contêiner. Encontramos cerca de 1 milhão de euros em dinheiro dentro de bolsas. Parece dinheiro pessoal, mas a sensação é de que pretendia-se transferi-lo para o Hamas. No dia seguinte, quando todos os detidos foram expulsos em aviões gregos e turcos, empacotamos o dinheiro em seis sacos. Nós devolvemos tudo.

Que garantias os palestinos de Gaza precisariam oferecer em troca da suspensão do bloqueio?
Se eles declararem que vão interromper o conflito armado, que desejam a paz e que pretendem ser parte do processo de paz ; como seus irmãos da Cisjordânia; Isso traria as coisas ao nível normal. Eu tenho muitos amigos na Faixa de Gaza e choro quando tenho de ir até lá. Eles são muito miseráveis. Eles vivem como uma cópia do Talibã. Os palestinos já estavam abertos à democracia. E voltaram às leis do islã, desde a chegada do Hamas ao poder.

Mas a suspensão total do bloqueio é algo possível?
Isso é impossível. Não devemos permitir a entrada de qualquer bem em Gaza. Você tem que checar tudo o que entra. Enquanto forem mercadorias civis, como alimentos e cosméticos, tudo bem. Se os produtos fizerem parte de uma lista negra ; incluindo fertilizantes que podem ser usados em explosivos e armas ;, você precisa checar seu real uso. Sob as circunstâncias atuais, não podemos levantar o bloqueio. Nosso medo é de que, se deixarmos um porto livre existir em Gaza, isso será uma receita para que o Irã tenha uma fortaleza para o enriquecimento de urânio. Sob o acordo assinado por Israel e pela Autoridade Palestina em 1995, até que haja um pacto sobre Gaza, a entrada de produtos se dará sempre por um porto israelense.

Como Israel vê a participação de organizações iranianas na tentativa de ajudar Gaza?
Ninguém quer viver em Gaza, mas é preciso entender que não há crise humanitária lá. A economia está em declínio, o desemprego é enorme, mas não há crise humanitária. Somos monitorados pela Cruz Vermelha, pela ONU, pelas organizações de direitos humanos em Israel e pela Suprema Corte. Eles esperam ver até que ponto Israel manterá o compromisso, firmado em petição nos tribunais, de que não haverá crise humanitária em Gaza. Não queremos qualquer relação com o Irã. Este é um país inimigo. Nada de bom vem do Irã.

Israel se sente mais seguro do que há cinco anos atrás, com o Muro da Cisjordânia?
Em primeiro lugar, é fato que sim. Eu devo dizer que isso é verdade não apenas por causa dos esforços israelenses, mas também porque a Autoridade Palestina está fazendo esforços bem impressionantes para construir uma força policial efetiva e um sistema judicial. Estamos ajudando-os, colocando barreiras nas estradas, o que diminui a sensação de insegurança. Eles ainda temem a violência. É por isso que a economia palestina está crescendo cerca de 8% por ano. As pessoas estão mais satisfeitas. As lojas estão abertas, os palestinos saem às compras. Cinco anos atrás, éramos vítimas de ataques intermitentes da Faixa de Gaza. Entre 2001 e 2008, o Hamas disparou aproximadamente 7 mil foguetes contra Israel. A paciência que o governo precisa ter para não reagir nesses casos é inacreditável. Em toda a área ao redor da Faixa de Gaza, cerca de 10km, não se pode ter uma vida normal. Se você escuta um alarme, tem 15 segundos para procurar um abrigo. Como viver dessa forma? Infelizmente, para as pessoas, isso é uma tragédia. Ninguém está feliz por bombardear e causar mortes. Tudo o que tentamos fazer falhou. O Hamas veio ao poder por meio de uma revolução armada em 2007. Ele não reconhece Israel, não reconhece acordos assinados no passado com Israel, não deseja alcançar a paz com Israel. O Hamas só quer uma coisa: diminuir, destruir Israel.


Currículo

1994-1996
Conselheiro-geral do gabinete do primeiro-ministro, Yitzhak Rabin

1996-2000
Conselheiro-geral do Ministério da Infraestrutura, comandado por Ariel Sharon

2000-2007
Conselheiro-geral e procurador da cidade de Telavive. Chefe dos serviços legais do município

2007-hoje
Conselheiro-geral jurídico do Ministério da Defesa

Outros postos já ocupados:
Chefe do Departamento de Direito Internacional da Advocacia-Geral Militar de Israel

Chefe do Comitê de Direito durante a implementação dos Acordos de Oslo


Gaza sob ataque

Antes mesmo que o Sol despontasse, a sexta-feira ; sagrada para os muçulmanos ; começou ao som das bombas para habitantes da Faixa de Gaza. Ao sul do território, aviões da Força Aérea de Israel atacaram dois túneis que teriam sido usados por militantes palestinos em atividades de contrabando, perto de Rafah (fronteira com o Egito). Na região norte, o alvo foi um suposto depósito de armas. Foi a primeira ofensiva israelense desde o incidente com a flotilha humanitária Liberdade, em 31 de maio passado, e coincidiu com o quarto aniversário do soldado Gilad Shalit, refém do movimento fundamentalista islâmico Hamas. Nos bombardeios de ontem, pelo menos dois palestinos foram mortos.

;Foi uma retaliação de Israel ao lançamento de foguetes Qassam. Hoje pela manhã, três morteiros foram disparados contra o território israelense e, por isso, os israelenses decidiram reagir;, afirmou ao Correio, por telefone, o israelense Aharon J. Klein ; ex-capitão de inteligência das Forças de Defesa de Israel (IDF) entre 1980 e 1984 e jornalista especializado em assuntos militares. ;Os bombardeios são uma mensagem às autoridades palestinas para que previnam o disparo desses foguetes, além de serem uma reação ao contrabando;, acrescentou. Segundo o jornal Haaretz, o Hamas tentou atingir Israel com 90 projéteis Qassam, desde o início deste ano.

Morador da Faixa de Gaza, o jornalista Majed Abusalama ; coordenador da Rede de Grupos da Juventude Palestina ; acusou Israel de ter se esquecido das leis internacionais. ;Os bombardeios de hoje (ontem) foram um grande ataque aos direitos humanos. Se Israel quer mudar algo pacificamente, devem parar de atacar os civis e dar passos rumo à paz;, disse à reportagem, em entrevista pela internet.

Enquanto isso, os quatro anos de cativeiro de Shalit foram lembrados em várias cidades de Israel. Em Sderot (sul), moradores soltaram balões em uma colina com vista para a Faixa de Gaza. Em Telavive, 100 ciclistas dirigiram-se em comboio para as embaixadas dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, ostentando bandeiras com a imagem do militar. Em Naharia (norte), centenas de pessoas participaram de uma manifestação em apoio ao soldado. (RC)


IRÃ DESISTE DE ENVIAR BARCO
O Irã cancelou o envio de um barco com ajuda para a Faixa de Gaza que deveria sair amanhã. Segundo Hossein Sheikholeslam, secretário-geral da Conferência Internacional de Apoio à Intifada Palestina, a viagem foi cancelada porque Israel ;enviou carta à ONU afirmando que a presença de

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