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Jogos de Guerra Fria

Rússia reage à detenção de 11 suspeitos de integrarem uma rede de agentes e acusa os Estados Unidos de ressuscitarem o passado

postado em 30/06/2010 09:07

A primeira reação da Rússia foi repreender a ação do FBI (polícia federal americana) de prender 10 supostos espiões a serviço de Moscou ; o 11; suspeito foi detido ontem no Chipre. A chancelaria acusou os Estados Unidos de tomarem ações ;infundadas; e retomarem o ;espírito da Guerra Fria;. Depois, no entanto, os dois lados vieram a público para tentar amenizar o impacto do episódio na reaproximação gradual que o governo de Barack Obama iniciou. Apesar de criticar as prisões, o primeiro-ministro russo, Vladimir Putin, disse esperar que os avanços conseguidos não sejam prejudicados. A Casa Branca, em um comunicado, afirmou que a relação bilateral não será afetada.

;Penso que tivemos um novo começo para trabalhar juntos em temas como Coreia de Norte e Irã. Não acho que isso vá afetar as relações;, diz o texto assinado pelo porta-voz da Presidência, Robert Gibbs. Um alto diplomata americano já havia assegurado que a prisão dos espiões é apenas um ;vestígio; do passado, que não põe em xeque a melhora nas relações. Pouco depois de assumir o poder, em janeiro de 2009, Obama enviou, por meio da secretária de Estado Hillary Clinton, um simbólico botão de ;restart; para reiniciar a relação com Moscou.

Desde então, trocas de visitas e concessões em temas importantes, como sobre os arsenais nucleares, mostraram que os países estão dispostos a se reaproximar. A sintonia crescente pode ser vista durante a visita do presidente Dmitri Medvedev a Washington, na última semana, quando almoçou com Obama em uma lanchonete da capital. Segundo o anfitrião, a Rússia é um parceiro ;sólido; e ;confiável;, que deve ser aceito na Organização Mundial de Comércio (OMC). Gibbs até revelou que Obama já sabia da operação para deter os espiões quando recebeu Medvedev, mas não chegou a levantar o tema com o colega durante o encontro.

Putin, entretanto, não poupou o ex-presidente americano Bill Clinton das críticas, ao recebê-lo em sua residência oficial, nos arredores de Moscou. Segundo o premiê russo, a polícia americana ;saiu do controle;. ;Estão jogando as pessoas na prisão;, protestou. ;Eu espero que todos os ganhos positivos alcançados na nossa relação não sejam prejudicados pelo recente episódio;, acrescentou. Mais cedo, o chanceler Sergei Lavrov tinha dito, em Jerusalém, que aguarda uma explicação de Washington. ;Nós não entendemos as razões que levaram o Departamento de Justiça dos EUA a fazer uma declaração pública no espírito das histórias de espionagem da Guerra Fria;, diz um comunicado da chancelaria russa.

Para Patrick Basham, especialista em Rússia do Instituto Cato, um think tank de Washington, a ação americana não deve minar as relações. ;Ambos os governos sabem o que o outro está tentando conseguir por meio de espionagem diplomática e corporativa, e reconhecem que isso deve ser esperado e descontado no mundo de hoje;, destaca Basham. Ele ainda acredita que, apesar das comparações feitas pelos próprios governos, a situação é bem diferente do conflito que dominou a segunda metade so século 20. ;Os dois países não estão voltando à Guerra Fria, mas simplesmente agindo segundo seu interesse estratégico.;

Onze espiões

O Ministério de Relações Exteriores da Rússia confirmou que pelo menos alguns dos 10 suspeitos detidos em Nova York são cidadãos russos. Entre eles está a bela Anna Chapman, de 28 anos, que teria fornecido informações a um dirigente russo nos últimos meses. Outros dois eram peruanos(1) . Ontem, mais um espião que faria parte da rede foi preso. Robert Christopher Metsos, 54, foi capturado no aeroporto de Larnaca, no Chipre, quando embarcava em direção a Budapeste. As autoridades cipriotas havia recebido no último sábado uma ;notificação vermelha; da Interpol ; utilizada para solicitar a detenção preventiva com vistas a extradição ; sobre Metsos. O último detido pagou fiança de US$ 32 mil e aguardará em liberdade o andamento do processo.

1 - Ligações perigosas
Entre os 10 suspeitos de espionagem detidos no último domingo está uma peruana que trabalha há quase 20 anos como jornalista no La Prensa, um dos jornais hispânicos mais importantes dos Estados Unidos. Vicky Peláez foi presa quando voltava de uma festa acompanhada do marido, Juan Lázaro, que também foi levado pelo FBI. Os agentes ;tiraram-nos do carro e fizeram-nos subir em outros dois veículos;, disse Waldo Mariscal, filho de Peláez. A jornalista ficou conhecida no Peru nos anos 1980, como repórter da emissora de TV Frecuencia Latina. Em 1985, entrevistou dirigentes do grupo guerrilheiro esquerdista Movimento Revolucionário Tupac Amaru (MRTA), durante um período em que esteve supostamente sequestrada pelos rebeldes. Os donos da emissora demitiram a jornalista após descobrir que o sequestro jamais existiu e que a entrevista fora acertada com o grupo armado. Segundo o chefe de redação do La Prensa, Manuel Avendaño, Vicky Peláez ;é uma colunista controversa, com muitos seguidores e muitos detratores;.

Anos de chumbo
No último ano de vida da União Soviética, o imponente edifício-sede da KGB, em Moscou, tinha a fachada dominada por um imenso retrato de Vladimir Lenin, líder da revolução comunista de 1917. Na foto, ele está encoberto por uma estátua de Félix Dzerjinsky, fundador do serviço secreto soviético. Com o fim da URSS, em 1991, o KGB deu lugar a duas agências separadas: o Serviço Federal de Segurança (FSB), com atuação doméstica, e o Serviço de Inteligência Exterior (SVR). O ex-presidente e atual primeiro-ministro Vladimir Putin, que durante a Guerra Fria serviu à KGB, inclusive na Alemanha, foi diretor do FSB. O atual diretor do SVR, que segundo fontes ocidentais teria 13 mil funcionários, é o ex-premiê Mikhail Fradkov.

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