Mundo

Emoção, felicidade e incerteza marcam os familiares de presos políticos

postado em 09/07/2010 07:00

Por três vezes, Moralinda Paneque Martines, 74 anos, pôde ouvir ontem a voz do filho. Dessa vez, a saudade deu lugar à alegria. Do outro lado da linha, o jornalista e cirurgião José Luis García Paneque, 42 anos, estava radiante com a tão sonhada liberdade. ;Para mim, é uma alegria muito grande. Ele está preso há sete anos. Estou contente e muito emocionada;, disse ao Correio, por telefone, da cidade de Amancio Rodríguez, a 640km de Havana. ;Acredito que a situação aqui em Cuba vai mudar, pois a Igreja Católica tem nos ajudado muito nesse aspecto;, afirmou. Sem precisar quando ocorrerá a libertação, Moralinda contou à reportagem que o filho está feliz com a remoção para a Espanha. Por enquanto, a mãe não sabe se o acompanhará na mudança definitiva de pátria. ;Esses sete anos foram muito duros;, admitiu. De acordo com ela, as visitas à prisão de Las Mangas, em Bayamo, tornaram-se cada vez mais frequentes. ;Antes, eu viajava a cada três meses. Depois, a cada 45 dias. Mais recentemente, o intervalo era de um mês;, comentou.

Na cidade de Ciego de Ávila (centro), a 208km de Moralinda, a visita semanal à prisão provincial de Morón teve ontem um ;sabor; diferente. Oleidys García, 38 anos, conversava com o marido, o também jornalista Pablo Pacheco Ávila. ;Durante a visita, o cardeal Jaime Ortega (leia o Personagem da Notícia) nos telefonou e disse que, entre os primeiros cinco presos que serão liberados e viajarão para a Espanha, estava Pablo;, relatou à reportagem, também por telefone. ;Ainda não sabemos o que vai se suceder. O cardeal ficou de nos passar mais instruções nas próximas horas;, acrescentou. Oleidys descreveu a reação do marido. ;Pablo estava muito tenso, nervoso. Não pensávamos que ele pudesse ser um dos primeiros a ser solto. Ele dizia que dava graças ao cardeal por suas gestões junto ao governo de Cuba e que Deus estava no meio de todas as coisas, agindo de alguma maneira;, contou. Ela ainda não sabe se será obrigada a abandonar Cuba, mas vislumbra oportunidades profissionais para o marido. ;Antes de Pablo cair na prisão, ele não encontrava emprego aqui.;

Após 135 dias sem comer, Guillermo Fariñas recebeu ontem o primeiro gole de águaAlém de José Luis García e de Pablo, ganharão a liberdade em breve o economista Antonio Augusto Villareal Acosta, o jornalista Lester González Pentón e o médico Luis Milán Fernández ; todos os cinco fazem parte do grupo de 53 prisioneiros de consciência. Nos próximos quatro meses, o governo do presidente Raúl Castro deverá conceder anistia a outros 47 presos, segundo acordo firmado com o cardeal Jaime Ortega. ;Os cinco presos poderão sair rumo à Espanha nos próximos dias;, afirmou a Arquidiocese de Havana, por meio de um comunicado entregue à imprensa. O anúncio foi o bastante para que o jornalista, psicólogo e ativista Guillermo Fariñas abandonasse ontem a greve de fome, que já durava 135 dias.

Reação
A comunidade internacional reagiu com entusiasmo comedido às prováveis libertações. Por meio de um porta-voz, Catherine Ashton, chefe da diplomacia da União Europeia (UE), ;aplaudiu; o gesto e disse esperar uma ;rápida; implementação do mesmo. ;A UE deseja que este processo de diálogo entre a Igreja e Havana leve a uma solução duradoura, que permita a libertação de todos os presos políticos em Cuba;, completou o porta-voz, citado pela agência de notícias France-Presse. O governo norte-americano, inimigo histórico do regime castrista, foi econômico ao considerar o impacto da medida. ;É algo tardio, mas, no entanto, bem-vindo;, declarou a secretária de Estado, Hillary Clinton. Ela considerou o anúncio ;um sinal positivo;.

Analistas consultados pelo Correio também fizeram uma avaliação cautelosa da concessão de Raúl Castro. O cubano Sebastian Arcos, professor de relações internacionais da Universidade Internacional da Flórida e ex-prisioneiro político, revelou-se bastante cético em relação a outros gestos conciliatórios por parte de Havana. ;Uma advertência importante é se esses presos serão libertados sob a condição de que abandonem a ilha, uma prática tradicional do regime;, admitiu. ;Devemos esperar pela libertação deles, antes de celebrar;, acrescentou.

O americano Mark Falcoff, especialista do American Enterprise Institute e autor de Cuba, a manhã seguinte, explicou que o regime castrista sempre ;oferece; um ou mais prisioneiros a alguma celebridade estrangeira. ;É um gesto magnânimo, a fim de ganhar prestígio e credibilidade;, comenta, citando concessões ao ex-presidente francês François Miterrand, ao oceanógrafo Jacques Costeau e ao senador norte-americano Ted Kennedy. ;Isso não representa uma abertura na ilha. Pelo contrário: assim que a excitação e o interesse da imprensa diminuírem, haverá novos prisioneiros;, alertou Falcoff.

Alicia Hernández, mãe do ativista cubano Guillermo Fariñas, que encerrou a greve de fome de 135 dias (Espanhol)


Moralinda Paneque Martines, mãe do prisioneiro de consciência cubano José Luis García Paneque, que será solto nas próximas horas (Espanhol)

Tags

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação