Por três vezes, Moralinda Paneque Martines, 74 anos, pôde ouvir ontem a voz do filho. Dessa vez, a saudade deu lugar à alegria. Do outro lado da linha, o jornalista e cirurgião José Luis García Paneque, 42 anos, estava radiante com a tão sonhada liberdade. ;Para mim, é uma alegria muito grande. Ele está preso há sete anos. Estou contente e muito emocionada;, disse ao Correio, por telefone, da cidade de Amancio Rodríguez, a 640km de Havana. ;Acredito que a situação aqui em Cuba vai mudar, pois a Igreja Católica tem nos ajudado muito nesse aspecto;, afirmou. Sem precisar quando ocorrerá a libertação, Moralinda contou à reportagem que o filho está feliz com a remoção para a Espanha. Por enquanto, a mãe não sabe se o acompanhará na mudança definitiva de pátria. ;Esses sete anos foram muito duros;, admitiu. De acordo com ela, as visitas à prisão de Las Mangas, em Bayamo, tornaram-se cada vez mais frequentes. ;Antes, eu viajava a cada três meses. Depois, a cada 45 dias. Mais recentemente, o intervalo era de um mês;, comentou.
Na cidade de Ciego de Ávila (centro), a 208km de Moralinda, a visita semanal à prisão provincial de Morón teve ontem um ;sabor; diferente. Oleidys García, 38 anos, conversava com o marido, o também jornalista Pablo Pacheco Ávila. ;Durante a visita, o cardeal Jaime Ortega (leia o Personagem da Notícia) nos telefonou e disse que, entre os primeiros cinco presos que serão liberados e viajarão para a Espanha, estava Pablo;, relatou à reportagem, também por telefone. ;Ainda não sabemos o que vai se suceder. O cardeal ficou de nos passar mais instruções nas próximas horas;, acrescentou. Oleidys descreveu a reação do marido. ;Pablo estava muito tenso, nervoso. Não pensávamos que ele pudesse ser um dos primeiros a ser solto. Ele dizia que dava graças ao cardeal por suas gestões junto ao governo de Cuba e que Deus estava no meio de todas as coisas, agindo de alguma maneira;, contou. Ela ainda não sabe se será obrigada a abandonar Cuba, mas vislumbra oportunidades profissionais para o marido. ;Antes de Pablo cair na prisão, ele não encontrava emprego aqui.;
Além de José Luis García e de Pablo, ganharão a liberdade em breve o economista Antonio Augusto Villareal Acosta, o jornalista Lester González Pentón e o médico Luis Milán Fernández ; todos os cinco fazem parte do grupo de 53 prisioneiros de consciência. Nos próximos quatro meses, o governo do presidente Raúl Castro deverá conceder anistia a outros 47 presos, segundo acordo firmado com o cardeal Jaime Ortega. ;Os cinco presos poderão sair rumo à Espanha nos próximos dias;, afirmou a Arquidiocese de Havana, por meio de um comunicado entregue à imprensa. O anúncio foi o bastante para que o jornalista, psicólogo e ativista Guillermo Fariñas abandonasse ontem a greve de fome, que já durava 135 dias.
Reação
A comunidade internacional reagiu com entusiasmo comedido às prováveis libertações. Por meio de um porta-voz, Catherine Ashton, chefe da diplomacia da União Europeia (UE), ;aplaudiu; o gesto e disse esperar uma ;rápida; implementação do mesmo. ;A UE deseja que este processo de diálogo entre a Igreja e Havana leve a uma solução duradoura, que permita a libertação de todos os presos políticos em Cuba;, completou o porta-voz, citado pela agência de notícias France-Presse. O governo norte-americano, inimigo histórico do regime castrista, foi econômico ao considerar o impacto da medida. ;É algo tardio, mas, no entanto, bem-vindo;, declarou a secretária de Estado, Hillary Clinton. Ela considerou o anúncio ;um sinal positivo;.
Analistas consultados pelo Correio também fizeram uma avaliação cautelosa da concessão de Raúl Castro. O cubano Sebastian Arcos, professor de relações internacionais da Universidade Internacional da Flórida e ex-prisioneiro político, revelou-se bastante cético em relação a outros gestos conciliatórios por parte de Havana. ;Uma advertência importante é se esses presos serão libertados sob a condição de que abandonem a ilha, uma prática tradicional do regime;, admitiu. ;Devemos esperar pela libertação deles, antes de celebrar;, acrescentou.
O americano Mark Falcoff, especialista do American Enterprise Institute e autor de Cuba, a manhã seguinte, explicou que o regime castrista sempre ;oferece; um ou mais prisioneiros a alguma celebridade estrangeira. ;É um gesto magnânimo, a fim de ganhar prestígio e credibilidade;, comenta, citando concessões ao ex-presidente francês François Miterrand, ao oceanógrafo Jacques Costeau e ao senador norte-americano Ted Kennedy. ;Isso não representa uma abertura na ilha. Pelo contrário: assim que a excitação e o interesse da imprensa diminuírem, haverá novos prisioneiros;, alertou Falcoff.
Alicia Hernández, mãe do ativista cubano Guillermo Fariñas, que encerrou a greve de fome de 135 dias (Espanhol)