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Seis meses depois, moradores da região de Porto Príncipe ainda sofrem os efeitos do terremoto

postado em 11/07/2010 08:36
Para muitos haitianos, a vida consiste em um esperar. Amanhã, quando o relógio marcar 16h53, será o momento de voltar no tempo, seis meses atrás, e reviver um pesadelo. Desde o devastador terremoto de magnitude 7,0 na Escala Richter que sepultou 230 mil pessoas em Porto Príncipe e nas imediações, em 12 de janeiro, pouco ou nada mudou. Ao menos 1,6 milhão de sobreviventes estão espalhados por 1.342 acampamentos improvisados, que salpicam de azul e branco a capital e cidades próximas, quase reduzidas a escombros.

Nas ruas de Porto Príncipe, o cheiro dos corpos em decomposição agora deu lugar ao odor fétido dos excrementos humanos. ;Estamos abandonados. Por aqui, só há casas sendo demolidas, não há reconstrução. Sinto tristeza, indignação e irritação;, reclama a contabilista Regine Saintclair, 23 anos. ;A vida continua na mesma. Há mais projetos, mais ideias, mais conferências, mas nada muda;, acrescenta.

Funcionário de uma empresa de telefonia celular, Steevy P;dre, 22 anos, afirma que as lembranças da catástrofe estão por todos os lados. Segundo ele, a destruição na capital ainda pode ser vista no Palácio Nacional, na sede do Ministério da Justiça e no grande Caribbean Market. ;A sensação que eu experimento é idêntica à que eu tinha antes do terremoto: a inexistência de líderes;, desabafa, em entrevista pela internet. ;Eles realmente não se importam com o povo.; Nos dias que sucederam o terremoto, o presidente René Préval chegou a ser filmado caminhando a esmo pelas ruas.

Pelo menos 15 haitianos provavelmente devem o fato de estarem vivos à assistente administrativa Geraldine Scown. Moradora de Petion-Ville, um subúrbio a leste de Porto Príncipe, ela abrigou desconhecidos na garagem de sua casa. Questionada sobre se vê algum sinal de reconstrução, essa haitiana de 24 anos responde, de maneira enfática: ;Nada!”. ;Depois de seis meses, o país está cheio de organizações não governamentais. As pessoas estão famintas, as crianças precisam de comida, de médicos e de escolas;, comenta. ;Por todos os lugares, há escombros e cidades de tendas. As ruas cheiram a fezes e eles (haitianos) urinam em qualquer lugar. Não é culpa deles, estão dormindo nas ruas e não têm banheiros.;

Desde aquela tarde de janeiro, Geraldine herdou alguns traumas. Sempre que um caminhão ou um guindaste passa muito próximo a ela, o barulho a faz fugir. ;Durante a noite, acordo umas duas vezes e me pergunto: O que farei se a terra tremer agora? Terei tempo para curtir meu filho? Minha casa vai cair se houver outro terremoto?;, admite. As lembranças da catástrofe a perturbam. ;Eu me recordo de quando dirigia de volta para casa, após o tremor. Via muitas crianças estendidas nas ruas. As madrugadas eram de gritos. Fecho os olhos e posso ver tantos corpos espalhados pelo chão.;

Ajuda humanitária
;A vida é muito dura, seis meses depois do terremoto. Nós, da Cruz Vermelha, fornecemos 40% das necessidades básicas humanitárias da população. Tratamos 135 mil pacientes em nossos hospitais de campanha, 125 mil famílias receberam abrigos de emergência. Também distribuímos 233 mil lonas;, relata à reportagem Claire Doole, porta-voz da Federação Internacional da Cruz Vermelha. Segundo ela, a prioridade atual é a moradia. ;As lonas e as tendas estão se desgatando, em meio às duras condições climáticas. Estamos substituindo as lonas de 80 mil abrigos e adicionaremos 50 mil novas famílias contempladas, em setembro;, acrescenta.

Claire também aponta o emprego como outro grande desafio. ;Toda vez que vou a um acampamento de desabrigados, multidões vêm me entregar currículos. Antes do tremor, 70% das pessoas estavam desempregadas ou em subempregos;, revela. A ativista acredita que o problema só será resolvido depois que o investimento estrangeiro chegar ao Haiti, o país mais pobre da América Latina. Do ponto de vista da saúde pública, ela celebra o fato de nenhuma epidemia ter sido registrada até o momento. ;Em fevereiro, vacinamos 152 mil pessoas contra malária, difteria e rubéola, e enviamos 1,6 milhão de mensagens de texto com alertas. Também antes do terremoto, as crianças tinham diarreia até seis vezes ao ano, além de infecções cutâneas;, diz a porta-voz.

Para Magalie Boyer, diretora de comunicações da organização não governamental Visão Mundial, o início da temporada de chuvas torna a situação nos acampamentos ainda mais difícil. ;Se você vier a Porto Príncipe agora, verá muito entulho e mais prédios sendo demolidos. Os desabrigados estão dando o melhor de si com a realidade que têm. Eles vendem balas, pães, abacates, arrumam um jeito de sobreviver;, comenta. De acordo com ela, as escolas funcionam em áreas abertas, pelo fato de muitas das crianças ainda estarem traumatizadas. ;Elas preferem ficar em espaços descobertos, com medo de desabamentos. É muito triste;, reconhece. Magalie diz que gostaria que amanhã os haitianos estivessem bem. Mas ela sabe que a realidade é mais dura. ;Levará um tempo para que o Haiti consiga se tornar autossuficiente;, alega. Enquanto isso, a população tenta resgatar suas vidas, perdidas em meio às ruínas.

O número
230 mil
Total de mortos no terremoto de 12 de janeiro passado, de acordo com autoridades haitianas


O número
us$ 152 milhões
Valor arrecadado pelo Comitê de Emergência de Desastres do Haiti ; o segundo maior montante da história

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