postado em 12/07/2010 07:52
É com um otimismo contido que o embaixador Igor Kipman vê os avanços conseguidos no Haiti seis meses após o terremoto. Há mais de dois anos na representação brasileira em Porto Príncipe, o diplomata percebe as mudanças conseguidas, sobretudo, graças à força do povo haitiano, mas destaca que a escassez de recursos ainda freia o processo de recuperação. ;Sessenta milhões de toneladas de escombros não são removidas em seis meses, ainda mais com as restrições de recursos e de equipamento vigentes. Mas as ruas estão desimpedidas, as pessoas seguem sua vida normal, trabalhando intensamente para retirar os escombros de seus terrenos;, narrou ao Correio.Ele, contudo, afirma que o governo de René Préval tem trabalhado intensamente, junto com a comunidade internacional presente no país, para tentar transferir parte dos mais de 1 milhão de haitianos que ainda estão em acampamentos improvisados, próximos a zonas de risco, para locais com melhor infraestrutura. Kipman acredita que os esforços do governo estão sendo reconhecidos pela população, e minimiza os recentes protestos contra Préval ; e a presença das forças estrangeiras. ;Nos portões da Embaixada do Brasil foi realizada recentemente uma manifestação (...) com cerca de 30 pessoas, o que dá a dimensão da oposição ao atual governo. Basta fazer a conta: em um país com mais de 9 milhões de habitantes, 30 pessoas não representam uma oposição significativa.;
Seis meses após o terremoto, como está a situação em Porto Príncipe?
A vida continua. Sessenta milhões de toneladas de escombros, boa parte em áreas montanhosas de difícil acesso, não são removidas em seis meses, ainda mais com as restrições de recursos e de equipamento vigentes. Mas as ruas estão desimpedidas, as pessoas seguem sua vida normal, trabalhando intensamente para retirar os escombros de seus terrenos. As escolas, com infatigável apoio de inúmeras entidades da comunidade internacional e de ONGs, mas com destaque importante para a Unicef, ressurgem em construções provisórias, leves e resistentes a tremores e tempestades.
Os haitianos, em geral, já conseguiram retomar uma rotina? Há oportunidades de trabalho?
As crianças, em sua grande maioria, já retornaram às aulas. O comércio ; formal e informal ; opera em condições normais. Antes do terremoto a taxa de desemprego andava entre 70% e 80%. Hoje, sem que tenham ocorrido investimentos significativos, não há alteração significativa nesses índices. Mas a economia informal, como antes, domina o cenário, no aguardo de investimentos ; principalmente estrangeiros ;, que tardam em chegar.
Como está a saúde, uma das áreas mais carentes do país após o terremoto?
Os hospitais foram duramente afetados, tanto fisicamente quanto em termos de pessoal especializado. Nesse sentido, o governo brasileiro está desenvolvendo projeto tripartite, do qual participam o Brasil, Cuba e o governo haitiano. Em uma primeira etapa, serão construídas e equipadas quatro UPAs (unidades de pronto atendimento) na área metropolitana de Porto Príncipe, que serão operadas por profissionais de saúde cubanos até que o pessoal haitiano receba o treinamento necessário para assumir sua condução.
Que tipo de trabalho as forças estrangeiras ainda fazem em Porto Príncipe? Ainda há a necessidade de distribuir alimentos, roupas, medicamentos?
A ajuda humanitária, que chegou em quantidades imensas no pós-terremoto, já voltou aos níveis anteriores à catástrofe, quando as forças da Minustah e inúmeras outras entidades, governamentais e não governamentais, faziam distribuição de alimentos. O governo brasileiro também prossegue nessa missão, privilegiando a aquisição local de víveres, para estimular a produção local e movimentar a economia do país.
Cerca de 1 milhão de haitianos ainda estão em acampamentos provisórios. Até quando essa situação pode se sustentar, especialmente com a proximidade da temporada de furacões na região?
Os acampamentos contam com uma infraestrutura precária de saneamento, distribuição de alimentos e água potável, assistência de saúde e lazer. Mas o governo haitiano e a comunidade internacional têm trabalhado no sentido de retirar os acampamentos das áreas de risco de inundação e deslizamentos, transferindo seus ocupantes para acampamentos com melhor infraestrutura, em zonas próximas a Porto Príncipe. A par dessa providência, foram pré-posicionados estoques de alimentos, água potável e medicamentos próximos a zonas historicamente afetadas pelas tempestades tropicais, como, por exemplo, a cidade de Gona;ves.
Na sua opinião, o Haiti caiu no esquecimento nesses seis meses? O senhor teme que isso possa acontecer?
Não, não creio. É natural que a atenção que foi dada ao país nas semanas imediatamente posteriores ao sismo tenha se reduzido, especialmente em termos de cobertura de mídia. Mas a comunidade internacional continua empenhada em participar da reconstrução, ou refundação ; como está sendo chamada ; do país. Prova disso foi a reunião de doadores realizada em 31 de março em Nova York, quando foram prometidos os recursos necessários para conduzir os esforços de reconstrução nos próximos 10 anos.
Até quando o Haiti vai precisar de ajuda externa?
O Haiti precisará de apoio da comunidade internacional ainda por muitos anos, mas não me atrevo a prever um prazo.
Qual a sua expectativa para o Haiti após as eleições de novembro?
O presidente Préval, pela segunda vez na história do Haiti, passará a chefia do Poder Executivo a seu sucessor, que deverá tomar as rédeas do governo, da refundação do país e conduzi-lo pelo caminho do desenvolvimento sustentado.
Com a proximidade das eleições, vieram também manifestações em relação ao atual governo -- com o qual a missão brasileira tem uma boa relação. Essa associação pode fazer com que a presença brasileira em solo haitiano seja também questionada?
De fato, nos portões da Embaixada do Brasil foi realizada recentemente uma manifestação contra a presença de tropas estrangeiras em solo haitiano, e contra o governo de René Préval. A manifestação reuniu cerca de 30 pessoas, o que dá a dimensão da oposição ao atual governo. Basta fazer a conta: em um país com mais de 9 milhões de habitantes, 30 pessoas não representam uma oposição significativa.
Logo após o terremoto, a chegada de uma grande quantidade de militares americanos causou uma situação de aparente desconforto entre as tropas dos EUA e do Brasil. Como funcionou essa relação nos seis meses seguintes?
Em momento algum, seja logo após o terremoto, seja nos meses subsequentes, houve qualquer desconforto. Houve uma tentativa de alguns órgãos de mídia de ;fabricar; um atrito entre Brasil e EUA. Os militares norte-americanos responderam, com presteza e eficiência, a uma emergência de dimensões bíblicas, como a qualificou o Ministro Celso Amorim durante sua visita ao Haiti. As tropas brasileiras já se encontravam no terreno, integrando a Minustah, e trabalharam em perfeita harmonia com os efetivos norte-americanos deslocados para o país ; como, aliás, com efetivos, italianos, franceses, canadenses e outros que acorreram em socorro do sofrido povo haitiano. A relação com as tropas dos EUA, em particular, foi de estreita cooperação, potencializada por uma amizade de décadas entre o comandante militar da Minustah, o general brasileiro Floriano Peixoto Vieira Neto, e o comandante das forças norte-americanas no Haiti, o general Ken Keen. A divisão de tarefas foi claramente definida no Memorando de Entendimento assinado entre a ONU e o Departamento de Estado, segundo o qual as forças da Minustah ; brasileiras inclusive ; se ocuparam primordialmente das funções de manutenção da ordem, e as tropas norte-americanas apoiaram o esforço internacional de ajuda humanitária.
Qual será a prioridade do Brasil no Haiti daqui pra frente?
A prioridade estabelecida pelo governo brasileiro é fortalecer o governo e demais instituições hatianas, para que possam conduzir por seus próprios meios a refundação e o desenvolvimento do país. As principais linhas de atuação da cooperação brasileira no Haiti, além de sua participação majoritária na Minustah, concentram-se em agricultura, saúde e educação, áreas que já recebiam atenção antes da catástrofe e que ganharam novo ímpeto ao longo dos últimos meses.